Prof. José Alexandre de Jesus Perinotto
Diretor do Instituto de Geociências e Ciências Exatas
IGCE – Unesp/Rio Claro
A pandemia causada pelo novo coronavírus – COVID-19, em poucos meses, tornou-se o principal foco das preocupações da humanidade, tendo causado número significativo de contaminados e de mortes por todo o planeta. A sua existência desestabilizou, praticamente, todas as estruturas e evidenciou, de modo muito claro, as enormes injustiças sociais em todos os países.
Nações que adotaram, via governo central, práticas sanitárias protocolares, seguindo desde o início as recomendações das autoridades médicas, científicas e da OMS obtiveram melhores resultados e pouparam vidas de modo significativo.
No Brasil, infelizmente, diante de inconcebível negacionismo da ciência, fortalecido pelas atitudes irresponsáveis da presidência da República (colocando o Brasil em evidência negativa mundo afora), a pandemia se alastrou fortemente, atingindo todas as faixas etárias, porém com grande concentração de vítimas na faixa da população mais carente e com históricos problemas de saneamento básico e precariedade de moradia e atendimento básico de saúde.
Em São Paulo, fruto de atitudes baseadas em critérios científicos e da medicina, o número de vítimas (infectadas ou levadas a óbito), apesar de ser o maior do Brasil, foi atenuado. As projeções, elaboradas com o rigor adequado, mostram que teríamos números muito mais elevados caso não tivessem sido tomadas as medidas adotadas pelo governo estadual.
As universidades e centros de pesquisa em São Paulo se debruçaram em vários tipos de projetos científicos, oferecendo subsídios ao governo do estado e dos municípios para tomada de decisões visando salvar o maior número de vidas. Obviamente, que numa situação inusitada e com grande número de variáveis, essas decisões afetaram fortemente o setor econômico, causando impactos negativos nas atividades industriais e comerciais.
Grande parte da população, infelizmente, parece que, até o momento, mesmo diante de tantos casos e da tragédia planetária, ainda não tem verdadeira noção da profundidade e gravidade do problema e reage de forma inadequada, insistindo em não seguir recomendações básicas de prevenção: uso de máscaras, protocolo ao espirrar e tossir, higienização das mãos e distanciamento social. São atitudes relativamente simples e que auxiliam muito na prevenção. Vacina, comprovadamente eficaz, ainda demanda tempo. Por sua vez, o uso de medicamentos (muitas vezes por automedicação, fruto da disseminação pelas redes sociais), sem comprovação científica de sua eficácia, pode causar outros problemas de saúde e, pior, levar a relaxamento da já deficiente taxa de isolamento social. Quanto mais infectados, maior a probabilidade de necessidade de internação e isto pode levar ao colapso do sistema de saúde.
Em Rio Claro, Prefeito e alguns Secretários e Vereadores foram testados positivamente para COVID-19 e, agora, seguem os protocolos recomendados. A necessidade de contatos diários das autoridades com diversos atores da sociedade, e para garantir a administração pública, levou a esta situação. Porém, será que todos os protocolos foram rigidamente seguidos? Independente da resposta, resta desejar a todos breve e plena recuperação, solicitando que, ao se recuperarem, mostrem à população que todos estamos sujeitos à contaminação e às consequências dessa que é, sem dúvida, a pior mazela que a humanidade enfrenta e que, sem consciência e atitudes responsáveis, poderá ainda causar danos irreversíveis e devastadores.
Conclamamos os poderes constituídos e a todas as entidades e forças vivas do município a juntarem energias e recursos para que, juntos, possamos alcançar sucesso pleno e duradouro no combate à COVID-19. Da parte da Unesp estamos dispostos a colocar nossos conhecimentos para que isto possa se efetivar.
Compartilhar as experiências e emoções na pandemia é a proposta de “Sobrevivendo à Covid-19”. Um livro colaborativo com textos que dizem respeito a esse o momento que estamos vivendo na pandemia. Os textos podem ser enviados por e-mail para: editoracultive@gmail.com. A Editora Cultive nasceu com a proposta de incentivar autores que se iniciam na escrita faz a seleção e publicação da obra.
“Na saúde e na doença” também é uma coletânea disponível para download com textos de temas variados envolvendo a pandemia. Link: http://www.huciteceditora.com.br/eventoselec.php?cont=40
A escrita e a leitura são excelentes ferramentas para o desenvolvimento do emocional e do conhecimento e, nesse momento excepcional, auxiliam a troca de experiências e a aproximação no isolamento.
O governo do estado anunciou agora que a Região de Piracicaba volta à zona laranja. Contudo, não é necessário ser cientista para perceber que a disseminação da Covid-19 em Rio Claro está fora do controle. Iniciamos o mês de junho apreensivo com pouco mais de 100 casos confirmados e 13 óbitos, e encerramos batendo na marca de 1000 casos e 33 óbitos. A escalada de novos casos vem pressionando o sistema de saúde: em apenas um mês o número de internados aumentou 4 vezes de 20 para 80.
Esses números revelam o lado perverso da disseminação de doenças contagiosas que é de ocorrer por multiplicação de infectados. Quando chegou ao Brasil, uma pessoa com a covid-19 transmitia a doença para outras 3 pessoas ou mais. Cada uma dessas novas infectadas transmitiam para outras 3 pessoas, resultando em 3 x 3 = 9 infectados que em outra rodada atingiam 3 x 9 = 27 infectados. Esse número de pessoas que uma pessoa infectada contagia é chamado de número básico de reprodução da epidemia (R0). Quando a epidemia se dissemina na comunidade essa taxa de infecção passa a sofrer variações conforme o ambiente, momento da epidemia, medidas tomadas para contenção mitigação e muitos outros fatores e recebe o nome de número de reprodução Rt.
Diversos países no mundo monitoram o valor da Rt da covid-19 para decidir se e quando as medidas de isolamento social podem ser afrouxadas. Quando medidas adequadas de mitigação da epidemia são tomadas, o Rt dimnui, mas quando falham, aumentam. A meta das medidas é que elas reduzam o Rt para um valor abaixo de 1. Isso significa que cada pessoa infectada contagiará menos do que uma outra pessoa e a epidemia tende a se extinguir. Seguindo a recomendação da OMS, o valor de Rt deveria permanecer abaixo de 1 durante duas semanas para se poder iniciar o relaxamento.
O Plano São Paulo de retomada da economia utiliza-se de um indicador chamado de taxa de contaminação (Nc) que divide o número de novos casos da última semana pelo número de novos casos na penúltima semana. Quando os valores nas duas semanas são iguais o Nc é igual a 1 e a epidemia está estável. Quando Nc é menor que 1 os novos casos estão reduzindo e quando é maior que 1 está em aumento. Embora sejam calculados de formas diferentes, os valores de Rt e Nc podem ser interpretados de forma semelhante.
Conforme o Painel Covid-19 Rio Claro mantido pelo GT de monitoramento da covid-19 da Unesp-Rio Claro, o município, desde o final de maio, vem apresentando Rt e Nc superiores a 1. Quando, no início de junho, o governo do Estado de São Paulo iniciou a flexibilização do isolamento, ao contrário do recomendado, Rt e Nc permaneciam superiores a 1, indicando que a epidemia estava em ascensão. Isto ocorria não somente em Rio Claro, mas também em outros municípios e no estado todo. A tendência se acentuou ao longo do mês de junho e com a explosão de casos e superlotação de leitos, prefeitura de Rio Claro em 21/06/2020 viu-se obrigada a retroceder na fase do Plano São Paulo. Hoje, 09/07/2020, não há ainda sinais de que a epidemia esteja controlada: Rt e Nc indicam que cada infectado transmite a doença para outras duas pessoas.
Parte do aumento no número de casos de covid-19 pode ser atribuído ao aumento no número de testes realizados pela prefeitura de Rio Claro. Houve também a liberação de grandes lotes de resultados de testes realizados pelo Instituto Adolfo Lutz. Contudo, o aumento no número de hospitalizações e de óbitos, não podem ser atribuídos apenas ao aumento no número de pessoas testadas. A epidemia vem aumentando em Rio Claro. Nas últimas semanas o número de novos casos em Rio Claro vem se duplicando a cada 12 dias: em 14/06 havia 348 casos, em 26 de junho, 12 dias depois, passamos para 696 e em outros 12 dias atingimos 1393 em 07/07. Se não houver nenhuma mudança no cumprimento de medidas de distanciamento social e higiene, nos próximos ciclos de 12 dias, Rio Claro poderá registrar cerca de 2,8 mil casos em 19/07 e 5,6 mil casos no último dia de julho. Hoje, com 1,5 mil casos, quase um morador em cada 100 já foi infectado pelo novo coronavírus. No final do mês poderão ser 1 em cada 40. O impacto desse crescimento em prazo tão curto para o sistema de saúde poderá ser catastrófico.
Todo cuidado é pouco.
Uma das medidas recomendadas pela OMS para a mitigação da pandemia é o rastreamento de casos e contatos. Ele consiste em buscar ativamente as pessoas que tiveram contato com uma pessoa que foi diagnosticada ou é suspeita de covid-19, alertá-la sobre os riscos e mantê-la em quarentena durante duas semanas para evitar a propagação do vírus. O governo do Estado de São Paulo confirmou em entrevista realizada em 23/06/2020 que esse rastreamento é realizado regularmente pela Vigilância Epidemiológica dos Municípios. Em Rio Claro, o Secretário Municipal de Saúde Maurício Monteiro confirmou que o rastreamento de de casos e de contatos é realizado pelas equipes de saúde e pelo programa TeleCorona.
Com baixo número de casos o rastreamento é facilmente realizado. Contudo, com mais de 1000 casos, esse rastreamento se torna bastante difícil de ser cumprido. O Centro de Controle de Doenças do EUA recomenda que o sistema de saúde disponha de 5 rastreadores profissionais para cada caso novo por dia. Nas duas últimas semanas, Rio Claro registou em média, 60 casos novos por dia. Para isso, seriam necessários 300 rastreadores atuando diariamente no campo. Sem um serviço efetivo de rastreamento, o risco de aumento do número de casos é muito alto. Esta semana, o governo do Estado de São Paulo anunciou que centralizará esse rastreamento, inicialmente em alguns municípios e que se estenderá a todos municípios até o final do mês de agosto. Embora acertada, a implementação deveria ter ocorrido no início da pandemia quando a tarefa seria menos complexa e poderia ter desacelerado a sua disseminação.
Conforme antecipamos neste BAC, a epidemia vem se movendo da capital para o interior. Nas duas últimas semanas, está ocorrendo saturação de leitos em Campinas e os pacientes de lá poderão ser internados na capital. Alguns pacientes de Rio Claro já estão sendo transferidos para outros municípios do Departamento Regional de Saúde de Piracicaba. Embora leitos estejam sendo criados na Região, para acompanhar a velocidade de aparecimento de novos casos ela precisaria duplicar a cada 11 dias. Cabe registrar que os municípios de Piracicaba, Limeira e Rio Claro apresentam números elevados de casos e mortes dentre os que compõem a DRS Piracicaba, e são as três maiores da Região. Frequentemente argumenta-se que Rio Claro teria indicadores piores da Covid-19 devido à maior proporção de idosos. Contudo, os três municípios apresentam proporção semelhante de maiores de 60 anos na população (17%). É mais provável que sendo um dos municípios mais populosos e mais próximos da capital e região de Campinas, tenha havido maior circulação de pessoas com esses pólos de disseminação da pandemia.
O que preocupa em Rio Claro é a falta de efetividade das medidas que supostamente levariam a maiores índices de isolamento no município. A publicação da portaria da Fundação Municipal de Saúde com medidas sanitárias, como o uso de máscaras, de álcool em gel, p.ex., foi seguida por queda consistente no isolamento. Uma semana antes da flexibilização no Estado, Rio Claro já havia atingido os patamares mais baixos de isolamento, em torno de 42 e 43%. O recente endurecimento nas medidas de flexibilização, com o retrocesso à zona vermelho, não deu, até o momento, qualquer sinal de reversão na taxa de contaminação nem do isolamento. A redução no isolamento ocorreu paralelamente ao aumento no registro de novos casos.
A rigor, as condições para a flexibilização da economia ainda não tinham sido atingidas quando houve a primeira liberação. Conforme apontado, o número de reprodução teria que permanecer pelo menos duas semanas abaixo de 1, o que nunca aconteceu nem em Rio Claro, nem no Estado de São Paulo. Esse critério jamais foi incorporado em qualquer estratégia de mitigação do novo coronoavirus no país, no estado ou no município. O indicador similar ao Rt incorporado no Plano São Paulo chegou tardiamente, somente em junho, após quase 3 meses do início das medidas de isolamento no Estado. Esse indicador deveria ter sido amplamente difundido desde o início da pandemia para toda população e servido como meta a ser alcançada.
A divulgação das medidas sanitárias precisa melhorar. O uso de máscaras, o distanciamento social, o uso de álcool gel, a adoção de etiqueta respiratória não eliminam a propagação do vírus. É necessário esclarecer que as medidas não são suficientes para suprimir totalmente a transmissão do vírus. Além disso, somente nos últimos dias é que a própria OMS reconheceu a possibilidade de transmissão do vírus pelo ar. A abertura, ainda que parcial de atividades comerciais e serviços, sem as medidas para a evitar a transmissão pelo ar, pode ter aberto uma brecha para a propagação em ambientes fechados e mal ventilados.
Aglomerações não acontecem somente em transporte coletivo, ambiente comercial ou trabalho. Reuniões familiares ou confraternizações entre amigos, ainda que em grupos pequenos, tem o potencial muito grande de disseminar o vírus. Vale lembrar que trabalhos minuciosos de rastreamento sugerem a existência dos chamados superpropagadores. São pessoas ou condições que levam ao contágio de um número elevado de pessoas. Por exemplo, na Coréia do Sul há relato de uma única pessoa que teria provocado, direta e indiretamente, a infecção em outras 5 mil pessoas ao participar de um culto religioso. Há estudos que sugerem que 20% dos infectados são responsáveis por mais de 80% de infecções. Fatores biológicos, pessoas que falam mais alto, assintomáticos, locais aglomerados parecer favorecer a superpropagação. Além disso, reuniões mais íntimas favorecem o relaxamento de medidas de higiene, já que a proximidade entre pessoas, transmite a falsa sensação de segurança. A presença de um único superpropagador assintomático é um risco que não pode ser descartado.
A principal recomendação é não sair de casa. Caso seja imprescindível, o contato com outras pessoas devem ser realizado sempre de máscara e mantendo-se a distância de 2 m preferencialmente, pelo menor tempo possível e em ambiente aberto. O estrito cumprimento dessas recomendações é imprescindível para reverter a expectativa de alcançar 5,6 mil casos no final de julho de 2020.
Realizou-se no dia 7/7/2020 a reunião online do Conselho Municipal de Saúde de Rio Claro com a utilização da plataforma Google.Meets da Unesp. Desde o mês de abril o sistema da Unesp tem sido utilizado em reuniões hibridas para deliberações importantes para a saúde do município.
Dentre os diversos assuntos da pauta, o enfrentamento da covid-19 no município foi o assunto mais debatido. O Secretário de Saúde Maurício Monteiro prestou vários esclarecimentos a questionamentos dos Conselheiros. Esclareceu que a Fundação Municipal de Saúde está otimizando o funcionamento do Sistema de Saúde no município. Esclareceu que os exames RT-PCR voltaram a ser realizados em São Paulo, o que vem represando a divulgação dos resultados. O hospital de campanha será implantado no PA do Cervezão, o que permitiria uma melhoria permanente no atendimento daquela unidade. O município está preparando o laboratório municipal, que atualmente realiza 14 a 17 mil exames mensais, para realizar exame sorológico para a covid-19 por quimioluminescência, que apresenta melhor desempenho do que os testes rápidos até aqui realizados. Informou que o rastreamento de casos covid-19 e de contatos está enfrentando dificuldades devido ao aumento no número de casos. Enfatizou que o monitoramento da evolução da pandemia em Rio Claro realizado pela Unesp tem sido um importante apoio na tomada de decisões não somente no município mas também para outros integrantes da Regional de Saúde de Piracicaba.
Painel com dados detalhados da evolução da Covid-19 em Rio Claro. Com base em informações fornecidas pelas Secretarias de Saúde do Município de Rio Claro e do Estado de São Paulo, são apresentados gráficos de tendências e evolução da pandemia, desde a confirmação do primeiro caso.
Três páginas com indicadores relevantes para entender e tomar decisões para enfrentar a pandemia, são atualizadas diariamente. Gráficos mostram como o isolamento em Rio Claro vem diminuindo, principalmente após o dia das mães em maio e, como depois disso, houve aumento acentuado no número de novos casos.
O acesso está no banner do BAC, na forma de um ícone "Situação da covid-19 Rio Claro" .
BOLETIM ANTI COVID-19, Rio Claro: Unesp, n. 27, julho 2020. Disponível em: https://sites.google.com/unesp.br/boletim-anti-covid-19/ed_anteriores/bac-27-10072020. Acesso em [dia / mês (abreviado) / ano]
Diretor do Instituto de Biociências da Unesp-Rio Claro:
Prof. Dr. José Euzébio de Oliveira Souza Aragão
Diretor do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp-Rio Claro:
Prof. Dr. José Alexandre de Jesus Perinotto
Presidente do CEAC-19:
Prof. Dr. José Roberto Gnecco
Editores:
Eduardo Kokubun
Eugenio Maria de França Ramos
Márcia Correa Bueno Degasperi
Lucas Massensini de Azevedo
Adilson Roberto Gonçalves
Colaboradores:
Bibiana Monson de Souza
Bernadete Benetti
Igor Salomão Monteiro
Roberto Goitein
Maria Christina Amoroso
Auro Aparecido Mendes
Artes e diagramação:
Arianne Dechen Silva
Mateus Fernando Silva Sales
Lucas Massensini de Azevedo
Angela Ferraz
Vídeos (Lives e Mini-Lives)
Lucas Massensini de Azevedo
Adilson Roberto Gonçalves
Felipe Renger Ré
Lucas Henrique Silvestrin
Osmar Malaspina