Tomás de Aquino

Santo Tomás de Aquino (1225-1274)

Extraído de:

Suma Teológica, part. II, q. 5, a. 3, de Tomás de Aquino

PODE ALGUÉM SER FELIZ NESTA VIDA? 

           

          Objeções pelas quais parece que se pode ter a felicidade nesta vida. 

1. Diz-se em Salmos 118,1: “Felizes os de conduta irrepreensível, porque caminham na lei do Senhor”. Ora, isto sucede nesta vida. Logo, alguém pode ser feliz nesta vida. 

2. Ademais, a participação imperfeita do sumo bem não elimina a razão da felicidade; do contrário, um não seria mais feliz que outro. Ora, nesta vida os homens podem participar do sumo bem, conhecendo e amando a Deus, ainda que imperfeitamente. Logo, o homem pode ser feliz nesta vida. 

3. Ademais, o que muitos afirmam não pode ser de todo falso, pois parece que é natural o que há em muitos, e a natureza não falha de todo. Ora, muitos encontram a felicidade nesta vida, como se demonstra pelo que diz Salmos 143,15: “Chamaram feliz ao povo que tem isto”, quer dizer, os bens da vida presente. Logo, alguém pode ser feliz nesta vida. 

Ao contrário, está o que se diz em 14,1: “O homem nascido de mulher vive pouco tempo e se enche de misérias”. Ora, a felicidade exclui a miséria. Logo, nesta vida não se pode ser feliz. 

Solução. Há que dizer: Nesta vida se pode ter alguma participação da felicidade, mas não se pode ter a felicidade perfeita e verdadeira. E isto se pode compreender de dois modos. Em primeiro lugar, pela própria razão comum da felicidade, pois a felicidade exclui todo mal e satisfaz todo desejo, por ser o bem perfeito e suficiente. Mas a vida presente está submetida a muitos males que não se podem evitar: tanto a ignorância por parte do intelecto, como o desejo desordenado por parte do apetite, e múltiplas penalidades por parte do corpo, que Agostinho enumera minuciosamente em Cidade de Deus, XIX. Igualmente, tampouco o desejo de bem se pode saciar nesta vida, pois o homem deseja naturalmente a permanência do bem que tem. Mas os bens da vida presente são transitórios, posto que a vida mesma passa e a desejamos naturalmente, queremos que permaneça sem interrupção, porque o homem repugna naturalmente a morte. Por conseguinte, é impossível ter nesta vida a verdadeira felicidade.

            Em segundo lugar, se se considera aquilo no qual consiste especialmente a felicidade, quer dizer, a visão da essência divina, que não pode ocorrer ao homem nesta vida, como se demonstrou na primeira parte (q. 12, a. 2). Segundo isto, fica claro que ninguém pode conseguir a felicidade verdadeira e perfeita nesta vida. 

Resposta às objeções: 1. À primeira, há que dizer: Chamam-se alguns felizes nesta vida, ou pela esperança de conseguir a felicidade na vida futura, segundo Romanos 8,24: “Em esperança temos sido salvos”; ou por alguma participação da felicidade, segundo alguma fruição do sumo bem. 

2. À segunda, há que dizer: A participação da felicidade pode ser imperfeita de dois modos. Um, por parte do objeto mesmo da felicidade, o que certamente não se vê segundo sua essência. E esta imperfeição elimina a razão de verdadeira felicidade. De outro modo, pode ser imperfeita por parte do mesmo que participa, que certamente chega a alcançar o objeto mesmo da felicidade, que dizer, a Deus, mas imperfeitamente, em comparação com o modo como Deus desfruta de si mesmo. E esta imperfeição não elimina a verdadeira razão de felicidade, porque, ao ser a felicidade uma operação, como se disse (q. 3, a. 2), considera-se a verdadeira razão de felicidade a partir do objeto, que dá a espécie ao ato, e não a partir do sujeito. 

3. À terceira, há que dizer: Os homens consideram que nesta vida há alguma felicidade por alguma semelhança com a felicidade verdadeira. E assim não se equivocam de todo em sua apreciação.