Tomás de Aquino

A felicidade humana consiste nas riquezas?

Tomás de Aquino (1225-1274)

Extraído de:

Suma Teológica, part. III, q. 2, de Tomás de Aquino

CONSISTE A FELICIDADE DO HOMEM NAS RIQUEZAS?

Objeções pelas quais parece que a felicidade do homem consiste nas riquezas.

1. A felicidade é o fim último [ou sumo bem] do homem; por isso, ela está naquilo que domina totalmente seu afeto. E assim são as riquezas, pois diz Eclesiastes 10,19: “Tudo obedece ao dinheiro”. Portanto, a felicidade do homem consiste nas riquezas.

2. Ademais, “a felicidade é um estado perfeito de união com todos os bens”, como diz Boécio em Consolação, III. Mas parece que tudo se possui com o dinheiro, porque, como diz o Filósofo [Aristóteles] em Ética, V, o dinheiro foi inventado para ser como a fiança de tudo o que o homem deseja. Logo, a felicidade consiste nas riquezas.

3. Ademais, o desejo do sumo bem parece que é infinito, pois nunca se extingue. Mas isso ocorre sobretudo com a riqueza, porque “o avaro nunca se fartará de dinheiro”, como diz Eclesiastes 5,9. Logo, a felicidade consiste nas riquezas.

Ao contrário, o bem do homem consiste mais em conservar a felicidade, do que em gastá-la. Como diz Boécio em Consolação, II: “O que dá mais brilho ao dinheiro não é o entesourá-lo, mas o gastá-lo; por isso, a avareza inspira aversão, enquanto a generosidade merece o aplauso da glória”. Logo, a felicidade não consiste nas riquezas.

Solução. Deve-se dizer: É impossível que a felicidade do homem consista nas riquezas. Há duas classes de riquezas, como assinala o Filósofo [Aristóteles] em Política, I: as naturais e as artificiais. As riquezas naturais servem para sustentar as debilidades da natureza; assim são o alimento, a bebida, o vestuário, os veículos, o alojamento, etc. Por sua vez, as riquezas artificiais, como o dinheiro, não satisfazem à natureza por si mesmas, mas foram inventadas pelo homem para facilitar o intercâmbio, para que sejam de algum modo a medida das coisas vendíveis.

É claro que a felicidade do homem não pode estar nas riquezas naturais, pois estas são buscadas em vista de outra coisa: para sustentar a natureza do homem; e, por isso, elas não podem ser o fim último do homem, mas se dirigem a ele como a seu fim. Por isso, na ordem da natureza, todas as coisas estão subordinadas ao homem e foram feitas para o homem, como diz o Salmo 8,8: “Tudo o submeteste sob seus pés”.

As riquezas artificiais, por sua vez, só são buscadas em função das naturais. Não seriam desejáveis, se com elas não se comprassem coisas necessárias para desfrutar da vida. Por isso, elas têm muito menos razão de último fim. É impossível, portanto, que a felicidade, que é o fim último do homem, esteja nas riquezas.

Resposta às objeções: 1. À primeira, deve-se dizer: Todas as coisas corporais obedecem ao dinheiro, somente no que se refere à multidão dos tolos, que só reconhecem bens corporais, que podem ser adquiridos com dinheiro. Mas não são os tolos, e sim os sábios, que devem nos facilitar o critério acerca dos bens humanos; do mesmo modo que o critério acerca dos sabores nós devemos tomar de quem tenha o gosto bem disposto.

2. À segunda, deve-se dizer: O dinheiro pode adquirir todas as coisas vendíveis, mas não as espirituais, que não se podem vender. Por isso, diz Provérbios 17,16: “De que serve ao insensato ter riquezas, se não pode comprar a sabedoria?”

3. À terceira, deve-se dizer: O desejo de riquezas naturais não é infinito, porque as necessidades de natureza têm um limite. Porém, é infinito o desejo de riquezas artificiais, porque é escravo de um apetite desordenado, que nunca se sacia, como nota o Filósofo [Aristóteles] em Política, I. No entanto, o desejo de riquezas e o desejo do bem supremo são distintos, porque, quanto mais perfeitamente se possui o sumo bem, tanto mais ele é amado e as demais coisas são depreciadas. Por isso diz Eclesiástico 24,29: “Os que me comem ficam ainda com fome de mim”. Mas com o desejo de riquezas ou de qualquer outro bem temporal ocorre o contrário: quando já os temos, nós os depreciamos e desejamos outras coisas, como manifesta João 4,13, quando o Senhor diz: “Quem bebe desta água”, referindo-se aos bens temporais, “voltará a ter sede”. E isso precisamente porque a insuficiência deles se evidencia melhor quando nós os possuímos. Portanto, isso mesmo mostra sua imperfeição e que o sumo bem não consiste neles.

 

—  TOMÁS DE AQUINO

Suma Teológica, parte 3, q. 2.