Jules Guesde

"O Problema e a Solução", pela socialização

O problema e a solução

Jules Guesde

(1845-1922)

Jornalista e líder político socialista francês 

Co-fundador da II Internacional 

Editor do jornal L’Égalité 

Autor, tradutor e conferencista político 

PROBLEMA E SOLUÇÃO  

O problema que o socialismo tem por missão resolver reside todo inteiro em um fato, do qual se pode dizer como do sol: “Cego quem não o vê”. É a separação intervinda entre os meios de produção ou de trabalho e os produtores ou trabalhadores.

Nem as minas estão nas mãos dos “operários de baixo” que as valorizam ao perigo cotidiano de sua vida; nem as ferrovias pertencem àqueles a que se puderam chamar os servos da via férrea; nem as tecelagens, fiações, altos-fornos, serras mecânicas, etc., etc., são a um título qualquer a propriedade do pessoal que os explora.

E o desenvolvimento econômico da sociedade burguesa tende a generalizar esse estado de coisas destruindo naturalmente e necessariamente a pequena indústria, baseada sobre a posse de seus meios de produção pelo trabalhador.

Após a indústria propriamente dita, é o comércio, é a agricultura que, sobre a expropriação do pequeno lojista e do camponês cultivador, organizam-se em larga escala, monopolizados por não trabalhadores.

Cada vez mais o trabalho é, de um lado, fornecido por uma classe; a propriedade ou o capital, de outro lado, detido por outra classe.

Aqui, trabalhadores sem propriedade – ou proletariado. Lá, propriedade sem trabalho – ou capitalado.

É desse divórcio entre os dois fatores de toda produção que decorrem todos os males, todas as desordens que afligem não somente os trabalhadores transformados em salariados, mas a sociedade inteira.

Os trabalhadores sem propriedade são excluídos de seus produtos, das riquezas que criam – e que vão se acumulando nas mãos dos detentores dos meios de produção, capitalistas e grandes proprietários de terras.

O trabalho, que não faz senão um com o trabalhador, do qual é inseparável, não é mais, com efeito, que uma mercadoria submetida às leis que regulam o preço das mercadorias e o levam, através das oscilações da oferta e da demanda, aos seus custos de produção ou de reprodução. Ora, os custos de produção ou de reprodução do trabalho são a nutrição, o sustento do trabalhador. E eles tendem sempre a baixar porque, para vencer no mercado, os fabricantes, quaisquer que possam ser seus sentimentos pessoais, tivessem eles o coração de um Vicente de Paulo ou de uma Louise Michel, são constrangidos a reduzir ao mínimo seu preço de revenda, o qual compreende os preços de mão-de-obra.

Há, portanto, tendência universal e forçosa a reduzir ao mais baixo os salários operários. E essa lei tendencial basta para quebrar todas as boas intenções ou vontades dos empregadores, prisioneiros da ordem social da qual se beneficiam.

Uma outra causa pela qual os salários – qualquer que seja a produtividade do trabalho humano – não poderiam se elevar acima das necessidades imediatas dos salariados é que a oferta do trabalho tende cada vez mais a ultrapassar a demanda.

O aumento da oferta do trabalho resulta fatalmente do afluxo, no proletariado, de expropriados da pequena indústria, do pequeno comércio e da pequena agricultura, reduzidos, por sua vez, a comer pela venda de seus braços.

A diminuição da demanda do trabalho resulta não menos fatalmente do maquinismo e de sua extensão. A força não humana de trabalho (vapor, eletricidade, etc.) substitui cada vez mais e torna cada vez mais inútil a força humana do trabalho. É mesmo nisto que consiste exclusivamente o que se chama o progresso na ordem econômica: “reduzir sem cessar a soma de trabalho humano necessário a uma produção dada”.

Os economistas pretendem, é verdade, que essa redução do campo do trabalho humano – único meio de existência de uma classe – seria apenas provisória. Em consequência do melhor mercado, o produto, mais demandado, acarretaria um aumento da produção e uma nova demanda de braços. Mas os economistas poderiam também contar que a fabricação mecânica de caixões multiplicará a necessidade de caixões. A produção mecânica de garrafas ou de tonéis não é limitada pela produção do vinho, da cerveja, etc.? A de trilhos ou de caldeiras, pelo número de usinas ou pelo desenvolvimento dos transportes? Por outro lado, nem a mecânica agrícola (arados a vapor, semeadoras, colheitadeiras, debulhadoras), nem os guindastes de descarga nos portos multiplicam os produtos; eles suprimem simplesmente a mão-de-obra. Mas, mesmo nas indústrias onde o maquinismo se traduziu por uma multiplicação prodigiosa de artigos fabricados, a demanda de trabalho diminuiu. Exemplo: a indústria algodoeira na Inglaterra, cuja produtividade cresceu 1.231% de 1819-22 a 1880-82, enquanto os braços empregados caíam de 1/37 da população (445.000 sobre uma população de 16.500.000) para 1/50 (686.000 sobre 34 milhões).  Outro exemplo: a indústria de calçados nos Estados Unidos, levada de 70 milhões de pares em 1845 para 448 milhões em 1875, enquanto os trabalhadores que dela vivem caíram de 1/414 (45.900 sobre 19 milhões de habitantes) para 1/1.145 (48.000 sobre 55 milhões).

Em regime de não posse pelos trabalhadores do instrumento de seu trabalho, todos os progressos, de qualquer natureza que sejam, voltam-se contra eles para aumentar sua miséria, sua servidão, a insegurança de sua existência, para tudo dizer, numa palavra, sua exploração.

Eu falava, há pouco, da máquina. É que, acionada pelo vapor, ela não deveria desencarregar a humanidade laboriosa do esforço, da pena, libertá-la? Ela tem, ao contrário, agravado seus trabalhos forçados, estendendo-os do operário para a mulher, transformada em operária, e para a criança. Do momento em que ela permitia o emprego de braços femininos e infantis, foi preciso que a mulher entrasse na usina, aí deixando sua saúde, sua dignidade, a raça mesmo comprometida, atingida em sua fonte, em pleno ventre materno. O efeito desta concorrência desencadeada entre os diversos membros da família operária tem sido ainda um aviltamento da mão-de-obra. Pois a lenda do bem-estar familiar assim aumentado não se mantém de pé, mesmo antes de um Jules Simon. Quando a mulher e a criança não estavam industrializados, o salário do homem devia forçosamente ser bastante elevado para bastar ao sustento de todos. Hoje, pelo mesmo preço lhe era preciso pagar só pela força-trabalho do homem, o empregador compra a tripla força-trabalho do homem, da mulher e da criança.

A descoberta do gás, essa criação, de mão humana, de um sol de noite para prolongar e completar o outro, não foi menos nefasta do que a máquina para a classe operária. Ela deu lugar ao trabalho de noite, ao abatedouro do trabalho de noite.

E a educação que se difunde – e à qual nós somos os primeiros a aplaudir, como a um novo elemento de destruição da sociedade atual –, de qual consequência se crê que ela vai ser para o proletariado enquanto durar esta sociedade? Aperfeiçoando o ferramental humano, que produzirá mais e melhor, ela criará novos desempregos, mais longas baixas-temporadas. Um operário instruído bastará lá onde dois operários ignorantes eram necessários – e estavam ocupados.

 Fala-se muito, há algum tempo, da participação nos benefícios, na qual os Dupuy após os Waldeck-Rousseau se obstinam em ver uma panaceia, a reconciliação do trabalho e do capital. Fosse ela aplicável, a participação não faria senão transportar a luta para o terreno dos benefícios a partilhar. Mas, sem insistir sobre esse ponto, em interessando o operário a produzir o mais possível, ela o levaria a fazer em dois dias o trabalho de três, terminando, em consequência, por multiplicar os dias já demasiado numerosos de desemprego ou de não-salário.

Do inferno, no qual se agita a classe produtora despossuída de seus meios de produção, não há escapatória. É o lasciate ogni speranza[1] de Dante.

As consequências sociais da ruptura, sempre mais completa, entre o trabalho e o capital não são menos assustadoras.

É, primeiro, a guerra de todos contra todos.

É moda, entre os adversários – por ignorância ou por cálculo – do socialismo, imputar-lhe como crime a luta de classes. Como se nós a tivéssemos inventado! Não fazemos senão constatá-la e fazê-la servir, o que é melhor, ao seu próprio fim. Da mesma forma que, para combater a doença, a primeira condição que se impõe ao médico é reconhecê-la.

Não é fechando os olhos sobre a guerra que divide e esgota a humanidade que se chegará à paz desejada.

Essa guerra de todos os instantes é tripla:

Guerra entre os proletários e os capitalistas pela partilha do produto, em salários aqui, em lucros lá, que os dois lados se esforçam por levar ao máximo;

Guerra entre proletários e proletários pela partilha dos salários;

Guerra entre capitalistas e capitalistas pela partilha dos lucros;

Homo homini lupus. O homem se tornou um lobo para o homem. E isso fatalmente. Trata-se de comer seu semelhante ou de por ele ser comido.

Por outro lado, todas as maravilhas do gênio humano, todas as suas conquistas sobre a natureza, das quais indiquei mais acima os resultados homicidas para a classe operária, não atingem menos mortalmente as outras classes da sociedade. As cores da anilina, extraídas da hulha, arruinaram os departamentos que viviam do cultivo da garança. Que amanhã, como se o anunciava bem recentemente, tenha-se realmente encontrado o meio de fabricar diretamente a fundição pela eletricidade, e os altos-fornos extintos não deixam aos milionários de ontem senão os olhos para chorar. Todas as descobertas estão condenadas a se operar apenas a golpes de revoluções, deixando atrás de si vítimas por milhares, no alto como embaixo da escala social.

É, segundo a admirável expressão do programa da democracia socialista alemã, a insegurança geral tornada a condição normal da sociedade.

Que dizer, enfim, das crises de superprodução que vão se multiplicando e se intensificando, e que nada poderia conjurar? Para atenuar essas crises, nascidas do afastamento sempre crescente entre a ilimitação da produtividade do trabalho humano e o limite posto pelo salariado à retribuição ou ao consumo dos trabalhadores, tiveram-se, quando a indústria estava ainda restrita a um país ou dois, as saídas fornecidas à exportação pela parte da Europa permanecida agrícola (Itália, Alemanha, etc.). Hoje que, tornadas por sua vez industriais, estas últimas nações chegam, elas também, a superproduzir, é à África, à Ásia que se é obrigado a dirigir-se para o escoamento desse excedente de mercadorias. É a política colonial, são as guerras coloniais na ordem do dia de todos os governos. Mas, depois? Não se terá recuado senão para melhor saltar.

Cada vez mais, enquanto isso, a sociedade capitalista é acuada a não fazer sair de uma superabundância de riquezas, de meios de consumo e de bem-estar, senão miséria, sofrimento, ruína e morte.

A solução do problema social sai do próprio problema, tal como o põem os fenômenos econômicos e tal como acabo de expô-lo sumariamente. Uma vez que o mal dos males consiste na divisão cada vez mais geral dos dois fatores da produção, o trabalho e a propriedade ou o capital, o remédio está e só pode estar em sua reunião nas mesmas mãos.

Sob que forma operar essa reunião libertadora?

Não pode ser a forma individual, que exclui a enormidade, o gigantismo do ferramental engendrado pelo vapor e pela eletricidade e que elimina o modo de trabalho, tornado coletivo. Produz-se em comum, não se pode possuir senão em comum os meios de produzir.

Fora um Conde de Mun, hipnotizado pelas artes e ofícios da Idade Média e contando com um milagre para ressuscitá-los, não há senão os anarquistas, sonhando com direitos naturais e com estado de natureza, para levar a utopia ao avesso até preconizar a partilha, o esmigalhamento, a individualização da maquinaria moderna:

 

Ao mecânico, a locomotiva;

Ao fundidor, a fornalha,

 

diz o que lhes serve de Marselhesa.

A única forma possível, que digo?, imposta pelas condições atuais da produção e da troca, é a forma coletiva, não mesmo comunal ou corporativa, mas social. Nem as minas que se estendem sobre – ou sob – departamentos inteiros, nem as ferrovias que atravessam os continentes, nem os Louvre e os Bon Marché que irradiam para lá das fronteiras nacionais, prestam-se a uma comunalização. E será cada vez mais assim com todos os órgãos de produção, de distribuição e de transporte. Em consequência da transmissão da força por meio da eletricidade, as quedas d’água hoje, as marés amanhã, vão poder ser convertidas em forças motrizes móveis. É que, sem loucura, pode-se deter um só minuto a ideia da monopolização, eu ia dizer do confisco, desses poderes naturais, tornados a condição de toda indústria, por certas localidades em detrimento de outras?

A forma corporativa se choca com outras impossibilidades da mesma ordem. Ambas, por outro lado, e sobretudo, pela concorrência ou pela luta que elas manteriam entre os diversos grupos produtores – corporações aqui, comunas lá, – acarretariam os mesmos desastres, a mesma anarquia matadora que a forma parcelar capitalista da hora presente.

É unitariamente, socialmente, que os trabalhadores, compreendendo toda a nação, podem e devem possuir o conjunto dos meios de trabalho (minas, ferrovias, canais, usinas, etc.), utilizado socialmente, unitariamente. E os elementos, ao mesmo tempo materiais e intelectuais, dessa apropriação e dessa produção por e para a sociedade – tornada uma vasta e única cooperativa, “cooperative commonwealth”, segundo a expressão inglesa – são-nos cada vez mais fornecidos pela própria evolução capitalista.

Elementos materiais: a concentração industrial, comercial e agrícola que se opera todos os dias e que nada poderia parar – a enorme fabricação, como o enorme comércio e a grande agricultura, sendo chamada a vencer a resistência dos médios, como venceu a dos pequenos, bem pequenos capitalistas. De 1870 a 1880, quando nos Estados Unidos o número de fusos aumentava de 7.131.818 para 10.678.526 e o número de ofícios, de 157.310 para 227.156, com um valor aumentado de 562.825.164 francos para 831.127.472, as manufaturas de algodão caíam de 956 para 751. É a finança, com sua drenagem constante da poupança, que se encarrega de precipitar essa acumulação, sob pretexto de democratizar os capitais.

Elementos intelectuais: a concentração, na classe não possuidora ou proletária, de todas as atividades musculares e cerebrais, desde o engraxador de rodas e o foguista até o cientista como Claude Bernard, passando pelos químicos, os engenheiros, os diretores, etc. Todo o exército do trabalho, homens e equipes, constituído fora da classe capitalista, já está mais que estabelecido, em pleno funcionamento sobre o patrimônio da humanidade, que ele é o único a explorar – no sentido técnico da palavra – e que não se trata mais que de restituir em bloco à humanidade, pelo mesmo procedimento que serviu para desapossar em detalhe esta última: a expropriação.

Não mais que as classes e sua luta fatal, os coletivistas não inventaram a expropriação, que é a lei de todo o progresso humano.

Foi pela expropriação da ferramenta do artesão primeiro, de sua habilidade técnica em seguida, depois, de seu foco doméstico esvaziado da mulher e da criança, que se constituiu a propriedade capitalista, para nada dizer da expropriação do produto de seu trabalho que se realiza diariamente pelo do jogo do salariado. Os expropriadores serão por sua vez expropriados – é a “justiça imanente”, diria Gambetta – e o serão tanto mais facilmente quanto, sob a forma acionária e obrigatária, eles se tornam de tal forma estranhos à produção que podem desaparecer de um dia para o outro sem que a produção, não digo sofra, mas sequer se aperceba disso.

Essa expropriação econômica – que deixará aos expropriados o benefício da apropriação social – deverá ser precedida de uma expropriação política, a reentrada na coletividade não sendo executável senão por um proletariado senhor do Estado, agindo legalmente, uma vez que ele será e fará a lei.

Resta-me indicar por ora as principais consequências dessa transformação da propriedade capitalista em propriedade social:

1º Nada mais de classes, portanto, nada mais de luta de classes. Os trabalhadores são doravante seus próprios capitalistas, ou, se se preferir, todos os membros do corpo social são ao mesmo tempo e a título igual coproprietários e coprodutores. Nada mais de Estado, no sentido opressivo da palavra, o Estado não sendo senão o meio de manter artificialmente, pela força, a ordem que não poderia realizar naturalmente uma sociedade baseada sobre o antagonismo de interesses. O governo de homens dá lugar à administração de coisas. É a grande paz social, filha da harmonia.

2º A produção mercante, de valores de troca, para a venda, em vista do lucro, desaparece e é substituída pela produção cooperativa de valores de uso, para o consumo, em vista das necessidades sociais a satisfazer. Em lugar do roubemo-nos, do exploremo-nos uns aos outros, o entreajudemo-nos uns aos outros. Homo homini Deus, o homem é um deus para o homem.

3º A liberdade, que não tem sido senão uma palavra até então para o maior número, torna-se uma boa e viva realidade, essa liberdade da qual o coletivismo devia ser o túmulo e que ele criará, ao contrário, desde a raiz. A liberdade é o meio de realizar sua vontade e, em consequência, de satisfazer suas necessidades. Esses meios existem doravante para todos, multiplicados pela produção social que é, como superprodutividade, para a grande indústria privada o que esta última foi para a pequena. Ao mesmo tempo em que o esforço a fazer por cada um será reduzido ao mínimo.

O tempo de trabalho social a fornecer por cada um dos membros válidos da coletividade será reduzido:

a. Pela supressão das baixas-temporadas, que seviciam hoje, nos diversos ofícios, de três a seis meses por ano, e dos desempregos, que imobilizam esfaimando operários e operárias por centenas de milhares, desempregos e baixas-temporadas resultantes do “estado difuso das funções econômicas que o socialismo fará passar ao estado organizado”, segundo a justíssima definição do professor Durkheim, de Bordeaux.

b. Pelo desaparecimento, não somente da classe parasitária, mas de todos os sub-parasitas que vivem por essa classe: na França, mais de dois milhões de domésticos dos dois sexos, sem contar as prostitutas e os sacerdotes, os policiais, os juízes e os soldados;

c. Pela transferência ao trabalho útil de todas as forças humanas e mecânicas, desviadas atualmente aos trabalhos nocivos (canhões, fuzis, torpedos, etc.) e aos trabalhos inúteis (de pura ostentação, de propaganda ou de simples viagem de capitais de Pedro para o bolso de João);

d. Pela utilização de todos os esforços presentemente desperdiçados, perdidos, aniquilados em uma concorrência desenfreada;

e. Pelo aperfeiçoamento, pela automatização da máquina, que cada um terá interesse em perseguir com todas as suas faculdades integralmente desenvolvidas, uma vez que serão outros tantos lazeres ou bem-estares realizados para si mesmo e para a espécie.

Ora, desde hoje, quando nenhuma dessas condições está realizada nem é realizável, um estatístico inglês, citado por Domela Nieuwenhuis em sua brochura sobre o Primeiro de Maio, calculou que, para prover a todas as necessidades reais de todos, uma hora e vinte de trabalho por dia bastaria com o ferramental e a técnica atual.

Um outro fruto da sociedade coletivista – e é por aí que eu terminarei – será o fim das religiões ou do sobrenatural na humanidade.

Longe de se esvanecer diante do desenvolvimento da ciência moderna, a ideia religiosa tomou um novo impulso. É assim que, no século de Lavoisier e de Laplace, de Darwin e de Edison, nós pudemos assistir à eclosão de novas religiões. Por quê? Porque, aos fenômenos naturais explicados e regidos finalmente pelo homem – e cessando, em consequência, de abrigar um deus – fizeram seguir outros fenômenos, mais complexos ainda, de ordem econômica, que, no meio individualista de hoje, escapam ao homem e o dominam. Deus, expulso por uma porta – a porta da natureza – reentrou por outra – a porta social. E, enquanto as forças produtivas que nos esmagam individualmente não tiverem sido dominadas, da única forma pela qual possam sê-lo, pelo controle sobre elas da sociedade tomando a sua direção, o homem, exposto à miséria, joguete do acaso, curvar-se-á diante de um desconhecido do qual ele é a vítima – e o deificará.

Só quando forem domados os elementos econômicos, como foram domados os elementos naturais, quando a sociedade for tornada uma providência para cada um de seus membros, é que desaparecerá até a ideia de uma providência buscada para além das nuvens, porque – ao inverso da lenda cristã de Deus se fazendo homem – o homem se terá feito Deus.

– Jules Guesde,

O Problema e a Solução, 1892.

(Trad. Luiz Gustavo Oliveira dos Santos)