sofista Trasímaco

Como um sofista defende a injustiça e a tirania

Trasímaco (459-400 a.C.)

Extraído e adaptado de:

A República, livro I, de Platão

DISCURSO DO SOFISTA TRASÍMACO

Sócrates, você julga que os pastores ou os vaqueiros querem o bem das ovelhas ou dos bois, e que os engordam e cuidam deles com outro fim em vista que não seja o bem dos patrões ou o próprio bem.

E mesmo quem governa os Estados, aqueles que governam de verdade, você supõe que suas intenções com os súditos são diferentes das que se têm pelos carneiros, e que cuidam por outro motivo, dia e noite, que não seja tirarem proveito deles? Você é tão profundamente versado em questões de justo e justiça, de injusto e injustiça, que desconhece que justiça e justo são bens de outros, que na realidade consistem na vantagem do mais forte e de quem governa, e que quem obedece e serve só tem prejuízo. Enquanto a injustiça é o contrário, é ela quem manda nos verdadeiramente ingênuos e justos. Os súditos fazem o que é vantajoso para o mais forte e, servindo-o, tornam-no feliz, mas nunca a si mesmos. E assim, ó meu simplório, basta reparar que o homem justo, em toda parte, fica por baixo do injusto.

Em primeiro lugar, no comércio que fazem uns com os outros, quando um justo se associa com um injusto, jamais se verá, quando a associação se acabar, que o justo fique com mais que o injusto, e sim com menos. Depois, nas questões civis, quando há um imposto a pagar, em condições iguais, o justo paga um imposto maior, e o outro, menor. Quando é para receber, um não lucra nada, e o outro, muito. E, se um dos dois ocupa um posto do governo, o justo se contenta com seus bens pessoais em má posição, por descuido, e com não ganhar nada do Estado, por ser justo. Além disso, cria inimizades com parentes e conhecidos, por se recusar a servi-los contra a justiça.

Quanto ao injusto, é exatamente o contrário. Falo daquele que há pouco mencionei, aquele que pode ter grandes ambições de supremacia. Repare, pois, neste homem, se quiser ver quanto mais vantagem existe para alguém ser injusto do que ser justo. Mas a maneira mais fácil de ver é indo até a mais completa injustiça, aquela que dá a máxima felicidade ao injusto e a máxima infelicidade aos que sofrem injustiça e não querem cometê-la. Esta é a tirania, que toma os bens alheios pela fraude e pela violência, quer sejam sagrados ou profanos, particulares ou públicos, e isso não aos poucos, mas de uma vez. Se alguém for visto cometendo qualquer uma dessas injustiças individualmente, é castigado e recebe os maiores insultos. Com efeito, quem comete qualquer desses malefícios isoladamente chama-se sacrílego, traficante de escravos, gatuno, espoliador, ladrão. Mas, se alguém, além de tomar os bens dos cidadãos, torna-os escravos e servos, em vez desses nomes ofensivos, é chamado de feliz e bem-aventurado, não só pelos cidadãos, mas por todos os outros que souberam que ele cometeu essa injustiça completa. Isso porque os que criticam a injustiça não receiam praticá-la, mas temem sofrê-la.

Assim, Sócrates, a injustiça, quando chega a um certo ponto, é mais potente, mais livre e mais soberana do que a justiça e, como eu dizia a princípio, a justiça é o interesse do mais forte e a injustiça é, em si mesma, vantagem e lucro. 

 —  TRASÍMACO

Em PLATÃO, A República, livro I.

Diálogo com Sócrates, que lhe responde em seguida (consultar obra).