Luiz Gustavo Oliveira dos Santos

Liberdade e igualdade podem se excluir

Luiz Gustavo Oliveira dos Santos

LIBERDADE, IGUALDADE E PROPRIEDADE PODEM SE EXCLUIR 

 

Considerando a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, podemos observar, nos dois primeiros artigos, sobre quais princípios tais direitos estão assentados. O artigo 1.º afirma que “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos”. Em seguida, no artigo 2.º, temos que a associação política deve garantir direitos tais como “a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”.

A Declaração considera que os homens são iguais por natureza, entretanto, assume a liberdade e a propriedade também como direitos naturais. Fazendo uma análise política do liberalismo, o qual propõe que o Estado seja o menos presente possível, para ser garantida a liberdade, vamos verificar algumas consequências, no decorrer do tempo, do preceito de liberdade sobre a igualdade.

Admitindo a liberdade e a propriedade, podemos supor a situação seguinte, de dois cidadãos. Ambos recebem uma soma moderada de recursos para investir em produtos ou serviços e fazer render essa quantia. Um deles utiliza precavidamente os recursos e consegue, após alguns anos, amontoar uma soma considerável. O outro, ao contrário, usa indiscriminadamente o que recebeu e termina, ao fim do mesmo tempo, empobrecido. Certamente, a liberdade supõe a responsabilidade pelos atos individuais, de modo que cada um deverá consentir com o resultado de suas ações. Assim, a desigualdade teria sido criada, aqui, pela diferença de aptidão para lidar com os recursos. Não há como admitir que aquele que empobreceu, dessa forma, queira exigir uma reposição para restaurar a condição de igualdade anterior, visto que ele exerceu seu direito de liberdade e o Estado garante a propriedade adquirida.

Entretanto, suponhamos, agora, que ambos, o cidadão que ficou pobre e o que ficou rico, tenham, cada um, um filho. É nesta situação que parece haver uma dificuldade. O filho do cidadão rico nascerá em uma condição de desigualdade de propriedade em relação ao filho do pobre. Ora, mas a Declaração afirma, no primeiro artigo, que todos “nascem e são livres e iguais em direitos”. Como aplicar em sua inteireza o princípio de igualdade sobre esses filhos? Podem eles ser responsabilizados, agora, pelos atos passados dos seus pais? Podem nascer em condições diferentes por causa do que outros indivíduos fizeram antes de eles nascerem? Segundo a Declaração dos Direitos Humanos, não, pois todos nascem e são iguais em direitos. Nesse caso, portanto, o Estado deveria mesmo garantir tal direito de propriedade, permitindo o nascimento em condições desiguais de direito? Parece que alguns preceitos da Declaração se contradizem, se tomados irrestritamente.

Suponhamos, então, que, para garantir a igualdade, o Estado restitua a condição igualitária no momento do nascimento desses filhos. O Estado, agora nada liberal, redistribui os recursos para que os filhos comecem com as mesmas condições e os mesmos direitos. Teria o Estado infringido o direito à liberdade, ao fazer isso? Ao que parece, não, pois ele apenas teria desfeito as desigualdades que os outros estabeleceram no passado, isto é, estaria garantindo efetivamente o que exige o artigo primeiro. No entanto, isto infringiria o direito à propriedade. Mas esse direito à propriedade pode ser individualmente diferente no momento do nascimento de alguém?

O que vemos, enfim, é um estranho conflito de direitos. A precedente reflexão procura mostrar que o Estado precisa definir adequadamente os limites de tais direitos. Uma vez que, tomados irrestritamente, um pode vir a excluir o outro: liberdade que exclui igualdade, que exclui propriedade, e vice-versa, no decorrer das gerações e na ocasião dos nascimentos.

Prof. Luiz Gustavo Oliveira dos Santos

Professor de Filosofia (SEDF)

Graduado em Filosofia (IESCO)

Pós-Graduado em Filosofia Política (IESCO)

Mestrando em Filosofia da Religião (UnB)

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