Giordano Bruno

Argumentos da infinitude do universo, contra a visão aristotélica

Giordano Bruno e Aristóteles

Extraído e adaptado de: 

Acerca do infinito, do universo e dos mundos, de Giordano Bruno

Onde estaria o universo, se fosse finito? 

            Se o mundo é finito, e fora do mundo está o nada, pergunto: onde está o mundo? Onde está o universo? Aristóteles responde: “está em si próprio”. (...) Ora, Aristóteles, o que você quer dizer com “o lugar está em si próprio”? Que quer concluir com essa “coisa existente fora do mundo”? Se você diz que aí está o nada, então o céu, o mundo, não estarão certamente em parte alguma... [o universo] será algo que não se encontra em parte alguma. (...) E se quiser se justificar dizendo que, onde está o nada, também não existe lugar, nem fora, não me satisfará com isso; porque são palavras e desculpas que não se podem realmente pensar. (...) Nunca me cansarei de perguntar: o que é que está fora dele? Se se responde que está o nada, então direi que está o vácuo, o inane, e um vácuo ou inane tal que não tem fim nem qualquer termo ulterior. É mais difícil imaginar isso que pensar ser o universo infinito e imenso, porque não podemos fugir ao vácuo se quisermos admitir o universo finito. 

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Impossibilidade de uma região que contenha o universo

Vejamos agora se é possível que exista o tal espaço em que nada há. Neste espaço infinito encontra-se este universo. Pergunto se este espaço, que contém o mundo, tem maior faculdade de conter um mundo do que outro espaço qualquer, existente mais além. (...) Eu digo que, como o vácuo e inane (que necessariamente resulta desta afirmação aristotélica) não tem faculdade alguma para receber, muito menos a deve ter para repelir o mundo. Mas, destas duas faculdades, uma vemos em ato, a outra não podemos ver, de fato, senão com os olhos da razão. Como neste espaço, igual ao tamanho do mundo, está o mundo, assim um outro pode estar naquele espaço e em inumeráveis espaços para além deste, iguais a este. (...) Portanto, no espaço infinito, sabemos com certeza que há a faculdade de receber o corpo, e nada mais. De qualquer modo, basta-me considerar que não lhe repugna recebê-lo, ao menos por esta razão: onde está o nada, nada existe mais além que impeça e constitua obstáculo. Resta agora ver se é de admitir que todo o espaço seja cheio ou não. 

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O universo não tem um centro, nem é esférico

Digo que não existe, no campo etéreo, qualquer ponto determinado para o qual, como para um centro, se movam as coisas graves, e a partir do qual, esfericamente, se afastem as coisas leves, porque, no universo, não existem centro nem esfericidade; mas, se assim preferir, em tudo existe um meio, e cada ponto se pode tomar como parte de qualquer esfera, com respeito a qualquer outro meio ou centro. (...) Isso lhe fará ouvir com mais clareza como nenhum corpo é atraído ou repelido com respeito a uma região do universo. (...) Conquanto existam tantos centros quantos são os indivíduos, globos, esferas e mundos, não resulta daí que as partes de cada um se refiram a outro centro, sem ser ao próprio. (...) Deve-se considerar que, se imaginarmos muitos e infinitos mundos, segundo aquela razão de composição que se costumam imaginar, compreenderemos outros e outros, semelhantemente esféricos e igualmente móveis; então, deveríamos dar uma explicação e imaginar de que modo um seria contínuo ou tocaria o outro (...): ver-se-ia então que, conquanto existissem mais horizontes à volta dum mundo, não seriam, contudo, de um mundo, mas este teria para este centro a mesma relação que cada um tem para o seu. (...) Assim como se vários animais fossem juntamente recolhidos, e estivessem tocando uns nos outros, nem por isso aconteceria que os membros de um pudessem pertencer aos membros do outro, de modo que a cada um deles pudessem pertencer mais cabeças ou pernas. 

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O universo não é múltiplo, e sim um contínuo

Assim, temos também resolvido, pelo contato dos mundos em um ponto, a pergunta sobre o que se poderá encontrar naqueles espaços triangulares [entre eles, como entre bolas,] que não seja da natureza do céu nem dos elementos. Porque nós temos um céu em que os mundos têm os seus espaços, regiões e distâncias que lhe competem, e que se difunde por tudo, penetra em tudo e é continente, toca e é contínuo a tudo, não deixando vácuo algum; a não ser que, como lugar em que tudo se move, lhe agradasse chamá-lo de vácuo, como muitos o chamaram. De modo que nada se conclui existir senão em lugar finito ou infinito, corpórea ou incorporeamente, no todo ou nas partes: e o lugar, enfim, é somente espaço, que, por sua vez, é somente o vácuo; (...) que, se quisermos concebê-lo como coisa coexistente, dizemos ser o espaço em que estão o campo etéreo e os mundos, e que não se podem compreender como existindo em outra parte. Eis porque não temos necessidade de imaginar novos elementos e mundos. (...) Respondemos ser único o universo infinito, como um contínuo e composto de regiões e mundos etéreos; serem infinitos os mundos, cuja existência se deve admitir em diversas regiões daquele pela mesma razão que a deste em que habitamos, a deste espaço e região que se estende e existe. 

—  GIORDANO BRUNO

Acerca do infinito, do universo e dos mundos.

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Apêndice (vídeo):

Explicação da cosmologia de Giordano Bruno

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