Camille Flammarion

A filosofia acerca da vida em outros planetas

Camille Flammarion (1842-1925)

Astrônomo e escritor francês

Fundador do Observatório Juvisy-sur-Orge

Presidente-Fundador da Sociedade Astronômica da França

Extraído de:

A Pluralidade dos Mundos Habitados, de Camille Flammarion

DIVERSIDADE INFINITA DOS MUNDO E DOS SERES

Mostramos nesta obra, no livro da Fisiologia dos seres, que variedade prodigiosa se manifesta nas produções da Terra; mostramos que todo ser nasce harmoniosamente organizado, segundo as condições de vida reunidas em torno de seu berço, e que, após o nascimento mesmo, no curso da vida, a ação dos meios influi poderosamente no organismo e modifica lentamente o estado primitivo original. É o ensinamento da natureza terrestre, da Terra, átomo infinitamente pequeno na universalidade dos mundos. Ora, se a Terra é tão rica em sua exiguidade, se a variedade de suas produções é tal que não existem duas folhas semelhantes, dois homens idênticos, qual não deve ser a opulência dos vastos céus e seus mosaicos de estrelas! Qual não deve ser o número de espécies que um poder tão maravilhoso multiplicou em todos os pontos do espaço! Que infinidade de vidas encerradas nos campos do espaço, sob o sopro fecundante da força da vida!

Mas, mesmo que a observação terrestre não nos induzisse a reconhecer a variedade infinita nas riquezas da natureza, a razão nos conduziria ao mesmo resultado, reportando-nos às origens e nos mostrando na diversidade destas origens uma prova irrecusável de sua presente diversidade. Mesmo assim, os elementos atômicos seriam os mesmos para diversos astros; mesmo assim haveria uma unidade de substância para diversos mundos ou mesmo para todos, a homogeneidade e a identidade não existiriam nas combinações que se operam em cada mundo na sua primeira idade, pois as circunstâncias e as condições diferem para cada um dos astros. Aqui, o calor solar prevaleceu sobre o calor central planetário; mais adiante, este ficou mais forte. Aqui, as forças plutônicas sobrepujaram as forças netunianas, e se tornaram soberanas do mundo; ali, a operação foi oposta. Sobre tal astro, combinações químicas permitiram que a eletricidade, gases, vapores, entrassem em ação simultânea; sobre um outro, estas combinações não puderam se produzir ou foram substituídas por combates entre elementos de uma natureza totalmente diferente. Acolá, tais influências reinaram sem a presença de outras; em outro lugar, foram equilibradas; mais longe, anuladas. Aqui, o oxigênio e o azoto formaram, por sua mistura, um envoltório atmosférico imenso que pode se estender por toda a superfície do globo e cobri-la; nasceram seres, organizados para viver sob esta camada permanente. Mais longe, o carbono dominou, revestido de propriedades heterogêneas; em outros lugares, a atmosfera foi uma combinação de gases diversos, em vez de ser uma mistura; os líquidos aquosos foram um corpo simples em lugar de ser um composto, e toda a criação, desde o mineral inerte até a inteligência, apareceu sob uma forma e seguindo um modo em harmonia com o estado do mundo.

Uma última dificuldade detém talvez as concepções de nossa mente, a de conceber um tipo humano diferente do nosso. Ora, esta dificuldade se refere unicamente, como dissemos, ao hábito fatal que temos de não poder observar senão os seres de nosso mundo; e, se temos alguma espécie de repugnância para admitir a existência de outros tipos, isso deve ser atribuído à nossa maneira de ver, limitada e puramente terrestre. Mas, se considerarmos que o organismo humano é, na Terra, a soma dos organismos animais que sobem até ele pelos graus da zoologia terrestre, admitiremos da mesma maneira que, nos mundos em que o estado fisiológico difere fundamentalmente do nosso, e onde a animalidade teve que ser construída sobre um mundo diferente, o tipo humano, que deve resumir lá como aqui as formas das raças inferiores, difere no mesmo grau do nosso organismo terrestre. Seria retirar poucos frutos do estudo da natureza não querer compreender que ela age necessariamente segundo os agentes e forças que estão à sua disposição, e crer obstinadamente, contra o conjunto dos testemunhos os mais positivos, que ela seguiu uma regra abstrata e arbitrária para a criação das formas físicas. Adiantar que ela verteu todos os homens e todos os mundos num mesmo molde é falar contra sua maneira de agir em todas as coisas e contra as próprias leis que ela se impôs para o governo de seu império. Devemos acrescentar, porém, que, sendo toda negação uma afirmação contra, seria contraditório em relação aos nossos próprios princípios negar absolutamente a possibilidade de individualidades humanas semelhantes à nossa sobre outras terras. Apesar das razões precedentes, não se deve perder de vista que, sendo o plano divino profundamente misterioso para nós, não podemos com sensatez nos basear unicamente no ensinamento da natureza aqui embaixo para emitir uma assertiva rigorosa. Deus pode ter desejado que a substância da alma fosse uma e universalmente a mesma; que ela fosse a força agregadora e a forma substancial de todos os corpos; que um só tipo fosse revestido pela humanidade pensante e ter ordenado as coisas de tal sorte que este tipo existisse por todos os lugares, mais ou menos modificado segundo os mundos. Mas ainda uma vez, esta ideia é puramente metafísica e não tem nenhum fundamento na ciência positiva.

Eis aqui, pois, a mais sábia e rigorosa conclusão que poderíamos tirar do espetáculo do mundo, e pela qual poderíamos resumir o nosso estudo:

I – As forças diversas que estiveram em ação na origem das coisas deram nascimento, nos mundos, a uma grande diversidade de seres, seja nos reinos inorgânicos, seja nos reinos orgânicos;

II – Os seres animados foram, desde o começo, constituídos segundo formas e organismos em correlação com o estado fisiológico de cada uma das esferas habitadas;

III – Os homens dos outros mundos diferem de nós, tanto em sua organização íntima quanto em seu tipo físico exterior. 

 

—  CAMILLE FLAMMARION

A pluralidade dos mundos habitados.

_________________________________

Envie seu comentário ao texto para teociencia@gmail.com. Indique o título do texto comentado, o seu nome e sua formação/atividade, bem como uma foto (opcional) para publicação. Obrigado e boas reflexões!