Allan Kardec

Unidade religiosa futura, para uma nova ordem social

Allan Kardec (1804-1869)

Educador, filósofo, escritor e tradutor francês, discípulo e colaborador de H. Pestalozzi

Bacharel em Ciências e Letras (Instituição de Pestalozzi, Yverdon - Suíça)

Professor de Astronomia, Física, Química, Matemática, Fisiologia e Anatomia

Presidente-Fundador da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas

Extraído e adaptado de:

A Gênese, de Allan Kardec

OS TEMPOS SÃO CHEGADOS

(...) A fraternidade deve ser a pedra angular da nova ordem social. Mas não há fraternidade real, sólida e efetiva, se ela não se apóia sobre uma base inabalável. Esta base é a fé. Não a fé em tais ou quais dogmas particulares, que mudam com os tempos e os povos, e que se atiram pedra uns nos outros, porque, anatematizando-se, eles mantêm o antagonismo; mas a fé em princípios fundamentais que todo o mundo pode aceitar: Deus, a alma, o futuro, o progresso individual indefinido, a perpetuidade das relações entre os seres. Quando todos os homens estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para todos; que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada pode querer de injusto; que o mal vem dos homens e não dEle, eles se olharão como os filhos de um mesmo Pai e se estenderão as mãos.

(...) O progresso intelectual realizado até hoje nas mais vastas proporções é um grande passo e marca a primeira fase da humanidade, mas sozinho é impotente para regenerá-la. Enquanto o homem estiver dominado pelo orgulho e pelo egoísmo, ele utilizará a sua inteligência e os seus conhecimentos em proveito de suas paixões e de seus interesses pessoais; é por isso que os aplicam no aperfeiçoamento dos meios para prejudicar os seus semelhantes e de destrui-los.

Só o progresso moral pode assegurar a felicidade dos homens sobre a Terra, pondo um freio às más paixões; só ele pode fazer reinar entre eles a concórdia, a paz, a fraternidade.

Será ele que abaixará as barreiras dos povos, que fará caírem os preconceitos de castas e calar os antagonismos de seitas, ensinando os homens a se olharem como irmãos, chamados a se entreajudarem, e não a viverem às expensas uns dos outros.

É ainda o progresso moral, secundado aqui pelo progresso da inteligência, que fundirá os homens numa mesma crença estabelecida sobre as verdades eternas, não sujeitas a discussões e, por isso mesmo, aceita por todos.

A unidade de crença será o laço mais poderoso, o mais sólido fundamento da fraternidade universal, quebrada em todos os tempos pelos antagonismos religiosos que dividem os povos e as famílias, que fazem ver, nos dissidentes, inimigos dos quais é necessário fugir, combater, exterminar, em vez de irmãos que é preciso amar.

Um tal estado de coisas supõe uma mudança radical no sentimento das massas, um progresso geral que somente poderia se cumprir saindo do círculo das ideias estreitas e terra-a-terra, que fomentam o egoísmo. Em diversas épocas, homens de elite procuraram impelir a humanidade nesse caminho; mas a humanidade, ainda muito jovem, se manteve surda, e os seus ensinamentos foram como a boa semente caída sobre a pedra.

Hoje, a humanidade está madura para dirigir seus olhares mais alto do que o fazia, para assimilar ideias mais amplas e compreender o que não havia compreendido. (...)

Esta fase já se revela por sinais inequívocos, por tentativas de reformas úteis, por ideias grandes e generosas que nascem e que começam a encontrar ecos. Assim é que se vê fundar uma multidão de instituições protetoras, civilizadoras e emancipadoras, sob o impulso e por iniciativa de homens predestinados à obra da regeneração; que as leis penais se impregnam, a cada dia, de um sentimento mais humano. Os preconceitos de raça se enfraquecem, os povos começam a se olhar como membros de uma mesma família. Pela uniformidade e a facilidade dos meios de transação, suprimem as barreiras que os dividem; de todas as partes do mundo, reúnem-se em comícios universais para os torneios pacíficos da inteligência.

Mas falta a essas reformas uma base para se desenvolver, completar-se, consolidar-se, uma predisposição moral mais geral para frutificar e se fazer aceita pelas massas. (...)

Uma repulsa instintiva se manifesta contra as ideias materialistas. O espírito de incredulidade que se apoderou das massas, ignorantes ou esclarecidas, e as fez rejeitar, junto com a forma, o próprio fundo de toda crença, parece ter sido um sono ao sair do qual se experimenta a necessidade de respirar um ar mais vivificante. Involuntariamente, onde o vazio se faz, procura-se alguma coisa, um ponto de apoio, uma esperança.

Supondo-se a maioria dos homens imbuída desses sentimentos, pode-se facilmente imaginar as modificações que trariam às relações sociais: caridade, fraternidade, benevolência para com todos, tolerância para com todas as crenças, tal será a sua divisa. É o objetivo para o qual evidentemente tende a humanidade, o objeto de suas aspirações, de seus desejos, sem que se dê muita conta dos meios para realizá-los. Ela ensaia, tateia, mas se detém pelas resistências ativas ou pela força de inércia dos preconceitos, das crenças estacionárias e refratárias ao progresso. São essas resistências que é preciso vencer, e isso será a obra da nova geração; seguindo-se o curso atual das coisas, reconhecer-se-á que tudo parece predestinado a lhe abrir o caminho; terá para ela o duplo poder do número e das ideias, e, além disso, a experiência do passado.

A nova geração marchará, pois, para a realização de todas as ideias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento ao qual terá chegado. (...) Nesse estado de coisas, que poderão fazer aqueles que gostariam de se colocar em oposição?

(...) O número de retardatários, sem dúvida, é ainda muito grande, mas o que podem contra a onda que se levanta, senão jogar-lhe algumas pedras? Essa onda é a geração que se levanta, ao passo que eles desaparecem com a geração que se vai cada dia a largos passos. Até lá, defenderão o terreno passo a passo; há, pois, uma luta inevitável, mas uma luta desigual, porque é a do passado decrépito que cai em farrapos, contra o futuro juvenil; da estagnação contra o progresso; da criatura contra a vontade de Deus (...).

  

Extraído e adaptado de:

 

—  ALLAN KARDEC

A Gênese, cap. 18.