O grande responsável pelos transtornos sociais e sua solução racional

Régis Jolivet

Régis Jolivet

(1891-1966)

O Liberalismo econômico

O direito e o dever do Estado foram completamente desconhecidos e negados, nos séculos XVIII e XIX, pelas doutrinas econômicas e sociais de ADAM SMITH, CL. FRÉDÉRIC BASTIAT e J. B. SAY. Estes economistas partem do princípio de que as leis econômicas são tão necessárias e fatais quanto as do mundo físico-químico, e que não se pode intervir na sua trama. A regra será então (segundo a fórmula de QUESNAY) a do “laissez-faire” e do “laissez-passer”, quer dizer, a liberdade ilimitada do trabalho, da produção e da concorrência, do comércio e das transações. Automaticamente, as leis de ordem econômica, deixadas a seu livre exercício, produzirão efeitos favoráveis à prosperidade material da sociedade e ao bem geral dos indivíduos. Daí o nome de liberalismo econômico, dado a estas doutrinas.

O erro fundamental do liberalismo econômico consiste na confusão entre a lei física e a lei moral. Que haja “leis econômicas” inevitáveis, é certo. Mas estas constituem apenas fatos, como os da natureza, e não se segue daí que o homem não deva intervir no seu processo, assim como intervém na trama das forças naturais para orientá-las em seu favor. O homem, como um ser moral, é superior à natureza e compete a ele fazê-la servir a seus fins morais.

Por outro lado, a liberdade de fazer e de agir não é um absoluto, está limitada pela justiça e pelos direitos alheios. Deixada a si mesma, sem controle, nem contrapeso, ela só poderia gerar a iniquidade e a anarquia. O direito do mais fraco ficaria constantemente sacrificado; em nome da liberdade, instaurar-se-ia um regime de arbitrariedade e de força. O liberalismo é, na realidade, responsável em grande parte pelos atuais transtornos sociais e pela anarquia econômica em que se debate o mundo contemporâneo.

A liberdade do trabalho. O liberalismo não assegura, pois, na realidade, senão a liberdade do capital, mas torna o trabalho servil. A expressão “mercado de trabalho”, tão empregada hoje, caracteriza bem um regime em que o trabalho, tratado como mercadoria, deve obedecer à lei do mais forte, sob pena de ser excluído do “mercado”. Não haverá verdadeira liberdade de trabalho senão quando for restabelecida uma igualdade suficiente entre o empregador e o trabalhador. O sistema de contrato coletivo contribui, de certa forma, para assegurar esta igualdade, mas de uma maneira excessivamente mecânica. A solução racional parece consistir na instauração de um regime comunitário, em que os instrumentos de trabalho sejam propriedade comum da profissão organizada. A judiciosa administração coletiva dos instrumentos de trabalho terá como consequência suprimir a anarquia da produção, e, em consequência, garantir aos operários o direito ao trabalho, e, aos chefes de empresa, o exercício livre de suas faculdades criadoras, uma vez que o regime liberal fez deles, juntamente com os operários, servidores do dinheiro e escravos do lucro. Este regime, como se vê, seria completamente diferente do regime coletivista que, transferindo ao Estado os instrumentos da produção (sob forma de “nacionalizações”), acentua a escravidão proletária e ora fornece ao Estado os meios de exercer a mais impiedosa das tiranias, — ora o submete (pela greve dos serviços públicos) a pressões que comprometem sua independência.

RÉGIS JOLIVET,

Curso de Filosofia, cap. 2, § 3, item 304 d-e.