Régis Jolivet

Teodicéia: demonstração da existência de Deus

Régis Jolivet (1891-1966)

Professor de Filosofia

Decano da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Lyon

Extraído e adaptado de:

Tratado de Filosofia; vol. III: Metafísica;

e Curso de Filosofia, de Régis Jolivet.

II. PROVA PELA EFICIÊNCIA

No argumento precedente, colocamo-nos na perspectiva do devir fenomenal, isto é, no ponto de vista da passividade dos seres. Vamos agora encarar a própria atividade dos seres. É, pois, o ponto de vista da causalidade propriamente dita que intervém agora, isto é, da atividade causal que produz não somente o movimento e o devir do efeito (causa in fieri), mas o próprio ser do efeito (causa in agendo), de tal modo que este não possa explicar-se senão pelo influxo atual de uma causa eficiente.

 

A. ELEMENTOS DE DEMONSTRAÇÃO

Como na prova precedente, temos aqui que estabelecer um fato: a realidade da eficiência e a subordinação das causas, — e um princípio, a saber, que nada pode ser causa de si mesmo. 

1. A eficiência e a subordinação. — A causalidade de que se trata aqui é aquela que se exerce por subordinação, mais ou menos, se assim o quisermos, como um movimento de relógio, onde as engrenagens múltiplas não exercem a sua causalidade pró­pria senão em dependência umas das outras. Que exista no mundo uma tal subordinação de causas eficientes é o que a experiência, assim como a ciência, bastam para o demonstrar. Constatamos, com efeito, e as ciências positivas põem em evi­dência, não somente a realidade de um encadeamento que faz os seres e os fenômenos dependerem uns dos outros por via de geração ou de condicionamento (subordinação acidental), mas também um encadeamento pelo qual as causas, na sua própria atividade causal, são efeitos com relação às causas superiores (subordinação essencial). 

2. Nada é causa de si mesmo. — Este princípio é evi­dente por si próprio, como o vimos em Ontologia, porque a sua negação levará ao absurdo de que um ser poderia exis­tir antes dele mesmo. A única objeção que vale a pena ser levada em conta con­tra este princípio, ou, pelo menos, contra a conclusão que dele se tira e que afirma a existência de uma primeira causa incausada, está fundada sobre a hipótese da causalidade circular. Os elementos do universo estariam em causalidade recíproca, a matéria se transformando em diversas energias para voltar em seguida a seu estado original e recomeçar o ciclo indefi­nido de suas transformações. Sabemos que muitas doutrinas antigas e, entre os modernos, Nietzsche, admitiram este retorno eterno. Ora, esta hipótese, supondo-se que ela tenha um fundamento, não mudaria nada à nossa argumentação, porque, quer a evolução seja circular, quer seja linear, refere-se apenas à transmissão da causalidade, e não à fonte desta. A fonte primeira deveria, pois, ser procurada fora do universo, já que, segundo a própria hipótese, ela não se encontra em nenhum dos elementos que a com­põem. — Dir-se-á que esta fonte está no universo conside­rado como um Todo? Entretanto, esta concepção, que nós já encontramos, é uma pura petição de princípio, porque o Todo não pode ele próprio resultar senão do concerto e da ordem dos elementos. Ele nada explica, portanto, mas requer ser expli­cado, o que não se pode fazer se o considerarmos como um sistema de causas ordenadas (seja este sistema linear ou cí­clico), a não ser por meio de uma causa superior a todo o universo.

 

B. O ARGUMENTO

1. A causa primeira universal. — Escreve Santo Tomás (Suma Teológica, I. a, q. 2, art. 3): 

Constatamos no mun­do sensível a exis­tência de causas eficientes. É, entretanto, impossível que uma coisa seja sua própria causa eficiente, porque, se assim fosse, esta coisa existiria antes de existir, o que não tem nenhum sentido. Ora, não é possível proceder até o infinito na série de causas eficientes, porque, em qualquer série de causas ordenadas, a primeira é causa da intermediária, e esta, causa da últi­ma, quer haja uma ou várias causas intermediárias. — Com efeito, se suprimirdes a causa, fareis desaparecer o efeito: portanto, se não há causa primeira, também não haverá nem última nem intermediária. Ora, se fosse regredir até o infi­nito dentro da série de causas eficientes, não haveria causa primeira, e assim, não haveria também nem efeito nem causas intermediárias, o que é evidentemente falso. Portanto, é pre­ciso, por necessidade, colocar uma causa primeira, que todo mundo chama: Deus. 

2. Transcendência da causa primeira. — Esta causa pri­meira é necessariamente transcendente a todas as séries causais, isto é, ela não pode ser um elemento da série das causas. Com efeito, se ela fosse apenas o primeiro elemento da série causal, seria necessário explicar como este primeiro elemento teria começado a ser causa, porque, como elemento, isto é, causa particular unívoca, está afetado de todas as ca­racterísticas da série como tal, isto é, ele é causado. Como ele não pode ser causa de si mesmo, seria, portanto, necessário recorrer a uma causa superior àquela que queríamos considerar como primeira, o que é contraditório. É preciso, pois, ne­cessariamente, que a Causa primeira transcenda a todas as séries causais, que ela seja causa por si mesma (a se), incau­sada absolutamente na ordem da eficiência. 

3. O Ser por si mesmo. — A causa suprema incausada à qual nos conduz o argumento da eficiência se identifica, como tal, com o primeiro motor universal, e, como este, age por si (a se), o que equivale a dizer que se identifica com seu agir e que ela é por si mesma (aseidade). Segue-se daí que ela é o Ato puro, quanto à operação e quanto ao ser ao mesmo tempo, porque de nenhum ponto de vista ela tem de passar da potência ao ato. Ela possui, portanto, os outros atributos que pertencem necessariamente ao Ato puro, isto é, é una, imaterial, onipresente e causa universal, criadora e conservadora de tudo o que existe.

 

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