Paul Gibier

Átomos são fluídicos e matéria é energia condensada

Paul Gibier (1851-1900)

Médico e naturalista, discípulo de Louis Pasteur

Cavaleiro da Legião de Honra

Diretor do Laboratório de Patologia Experimental do Museu de História Natural de Paris

Diretor do Instituto Pasteur de Nova York

Membro da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres

 

Extraído do livro:

Análise das Coisas, de Paul Gibier

QUE É A MATÉRIA?

A análise filosófica, a teoria atômica, como a dos equivalentes químicos, ambas deduzidas de proporções determinadas e constantes, encontradas nas combinações dos corpos entre si, induzem-nos a considerar a matéria como sendo um composto de elementos extremamente sutis, grupados uns com os outros, de diferentes modos: dá-se o nome de moléculas a estes elementos. Mas, a análise vai mais longe: estas moléculas, por menores que as possamos imaginar, compõem-se de aglomerações de outros elementos “indivisíveis”, como o indica o seu nome; estes elementos da molécula são os átomos.

Se a esta pergunta: “que é a matéria?” se respondesse: “é uma coisa que podemos ver e tocar, coisa formada de partes elementares, que, consideradas como matéria, não existem absolutamente”, suponho que muitas pessoas ficariam surpreendidas ouvindo tal definição. E, entretanto, isso é sustentado por personagens eminentes, tudo o que há de mais eminente, os partidários da teoria do átomo inextensível.

Não sei com segurança se essa ideia foi discutida pelos antigos filósofos gregos; o certo é que ela existe simbolicamente expressa nas filosofias indostânicas. Em todo caso, por meados do século passado, ela foi apresentada pelo padre Boscowich. Sábios como Ampère, Faraday, Cauchy, etc., e filósofos como Dugald-Stewart, Victor Cousin, Vacherot (Revista dos Dois Mundos, agosto de 1876), etc., constituíram-se campeões convencidos da ideia do átomo inextensível, que se não deve confundir com a teoria sustentada por Hume, Berkeley, Hamilton, Stuart Mill, Coyteux, entre outros, e segundo a qual nada existe. Górgias, o célebre sofista de Leontinos, havia ensinado a doutrina de que nada existe, mais de 400 anos antes da nossa era.

Que seria o átomo então? Uma ficção matemática? Certamente que não, mas os elementos da matéria parecem ser unos e semelhantes para todos os corpos; os alquimistas, apoiados nessa ideia, procuravam e ainda procuram a transmutação dos metais. Além disso, podia suceder que, nesse ponto, a força e a matéria se encontrassem e se confundissem; eis um assunto do qual nos tornaremos a ocupar.

Seja como for, em virtude da grande lei da conservação da matéria, que Lavoisier definitivamente estabeleceu, apesar de seus movimentos e migrações perpétuas, o átomo não varia nem se destrói: é indestrutível e invariável, constituindo apenas um elemento fluídico, cíclico, giratório do fluido universal de que a matéria é formada (Helmholtz, William Thomson, Tait, etc.)1.

A energia animal dos átomos, de um movimento tão rápido que a imaginação não pode fazer uma ideia dele, seria, pois, o agente real que fixa a molécula e esta, por sua vez, não será senão a energia condensada? Simples teoria!... A verdade é que os físicos estão hoje de acordo, considerando os corpos mais densos como representando apenas em aparência uma superfície contínua, como, por exemplo, uma esfera, oca, de prata, cheia de água e soldada hermeticamente. Colocando sobre uma bigorna esta bola e batendo nela com um martelo, a água escapa por todos os poros do metal a cada golpe do martelo e vem aljofrar a sua superfície, segundo experiências dos acadêmicos de Florença. Outros fatos nos demonstram que a ideia da impenetrabilidade da matéria dos corpos é absolutamente falsa. Sem falar da mistura de uma parte de álcool e outra de água, que dá um volume total inferior aos dois volumes primitivos dos dois líquidos separados – porque pode se dar, neste caso, uma variedade de combinação –, os fatos persistentes de penetrabilidade produzidos sob a influência da força psíquica – como o anel de vidro e o anel de marfim, que subitamente aparecem enfiados um no outro como elos de uma corrente, não guardando vestígio de solução de continuidade – estes fatos demonstram, não somente a penetrabilidade dos corpos, mas também a sua desmolecularização e reconstituição possíveis ad integrum, sob a influência de certas forças das quais a ciência futura vai fazer um dos objetos principais de observação.

O volume das moléculas pode ser, quando muito, avaliado por milionésimos de milímetros e, mesmo levando em conta o espaço relativamente considerável que as separa, é ainda por trilhões, quintilhões, sextilhões que devemos contá-las em um milímetro cúbico.

Elas estão em um estado contínuo de agitação, de projeção, de choques violentos, de atração, de repulsões enérgicas, das quais é sem dúvida um pálido reflexo o movimento browniano das partículas microscópicas. Fazemos uma ideia do seu tremendo turbilhão, quando vemos que no hidrogênio, em pressão e temperatura ordinárias, as moléculas deste gás estão animadas da velocidade mais ou menos de 2.000 metros por segundo (Joule) e que cada uma sofre de suas vizinhas cerca de 17 bilhões de choques no mesmo espaço de tempo (Clausius, Maxwell, Boltzmann). “É o bombardeio operado por essa multidão de pequenos projéteis contra a parede envolvente, que constitui a tensão dos gases”, diz M. E. Jouffret em notável trabalho, onde encontramos, a respeito da reconstituição da matéria, numerosas exposições desenvolvidas e claras, sabiamente estudadas (Introdução ao Estudo da Energia).

Cada molécula, formada por uma multidão de átomos-turbilhões, é hoje considerada por alguns sábios do modo pelo qual ela o foi antigamente por iniciados da Índia e do Egito, isto é, como um sistema planetário “com todas as complicações de movimento e de vida”, dirigida esta, segundo os pandits da Índia atual, por inteligências elementares inferiores (élémentals). Os corpos, que são aglomerações de moléculas, seriam assim os análogos das vias-lácteas e das nebulosas resolúveis.

Em resumo, tomando uma partícula microscópica de matéria qualquer, se a dividirmos em pensamento muitos milhares de vezes, chegaremos a obter uma molécula que só seria percebida por meio de nossos instrumentos mais poderosos, se o poder de aumento dos mais fortes microscópios crescesse cerca de mil vezes. E esta molécula é por sua vez uma aglomeração de átomos, que podemos considerar como turbilhões, círculos de energia, produzindo, por movimentos variados, as aparências da matéria, tal como a percebemos. Uma parcela de dinamite, onde se acumulasse enorme quantidade de energia mecânica, poderia representar uma imagem grosseira da molécula considerada segundo as mais sábias teorias, comparando a energia mecânica da dinamite à energia condensada na matéria, e os gases, condensados indiretamente pelas manipulações químicas na dinamite, ao éter arranjado sob a forma de átomos na molécula. A matéria não passaria, pois, de uma aparência da energia.

Em presença desta análise da matéria e dos resultados a que ela conduz, não estaríamos autorizados a admitir, com Hume, Berkeley, Hamilton, Stuart Mill, Coyteux, etc., que nada existe realmente? Sim, se só houvesse matéria e energia (força) no mundo, porque a própria energia, assim como veremos mais adiante, tende, não a desaparecer, mas a repousar “no sétimo dia”, e o dinâmico tende a se tornar puramente potencial. Em outras palavras, o universo tende ao repouso absoluto.

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No momento de terminar este estudo sumário, que, todavia, nos fez mergulhar em pensamento nas profundezas do infinitamente pequeno, formulemos a nossa opinião. Não obstante a perturbação que podem lançar no espírito as conclusões atuais da Ciência acerca da constituição da matéria, não pensamos dever adotar a teoria de que acabamos de falar e segundo a qual nada existe. Somos, entretanto, forçados a concluir, à vista destas análises, que nos mostram as coisas tão diferentes do modo pelo qual as concebemos habitualmente, que andamos incessantemente enganados com a aparência dos objetos. De sorte que, levando em conta a imperfeição dos nossos sentidos, podemos avançar, como uma espécie de axioma, que a ilusão mais forte é a que denominamos realidade. 

—  PAUL GIBIER

 Análise das coisas.

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Nota:

1 Este livro foi escrito em 1890, época em que não se conhecia a desintegração atômica.

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