Léon Denis

A república fomenta a união e o progresso

Articulista da Revista Suíça de Ciências Psíquicas 

Presidente de Honra da União Espírita Francesa

Patrono da Sociedade Brasileira de Filosofia

Léon Denis (1846-1927)

Filósofo, escritor, jornalista e conferencista francês 

Extraído de:

O Progresso (conferência feita em Tours, França, em 29 de fevereiro de 1880), de Léon Denis

O PROGRESSO POLÍTICO

Examinemos a situação atual de nosso país, da França; examinemos não como apologistas, não como admiradores, mas como homens nos quais, acima de suas opiniões, de suas tendências, acima de todas as coisas, paira a verdade.

Esse exame, nós o faremos colocando-nos em três pontos de vista sucessivos: político, social e religioso. Nós o faremos dispensando tudo quanto poderia ter um caráter polêmico e nos colocando num plano elevado, na esfera serena dos princípios.

A França, após ter tentado, durante meio século, todas as formas de governo monárquicas, após ter sido jogada numa multidão de aventuras comprometedoras, após ter derramado seu sangue sobre todos os campos de batalha da Europa para a consolidação de dinastias efêmeras, abandonada pelas nações, diminuída em seu território e na sua honra, refugiou-se na república como em uma derradeira e suprema esperança, como a única forma de governo capaz de lhe dar o que ela deseja ardentemente: a paz e a liberdade!

A república democrática é a mais racional e a mais lógica forma de liberdade, e só ela pode levantar, valorizar as almas que o despotismo humilhou. Só ela pode fazer a verdadeira igualdade entre os homens, sem rebaixar os grandes ao nível dos pequenos, porém, dando aos pequenos os meios de se elevarem gradualmente ao nível dos grandes, pela instrução, pela liberdade de trabalho e de associação, pela uniformidade dos direitos.

O governo da república é a expressão da vontade nacional. O povo, reunido em seus comícios, nomeia seus representantes e estes elegem o chefe do poder. É, portanto, o povo que se governa a si próprio por meio do sufrágio universal. Cada cidadão participa da soberania. Uma nação republicana é um vasto organismo, um grande corpo, do qual cada eleitor é um membro.

Ela será, portanto, em geral, o que cada um de nós é em particular. O Estado social valerá o que nós valemos. Se nós somos retos, justos, esclarecidos, o Estado será grande; se somos pequenos, ignorantes e viciosos, o próprio Estado será frágil e miserável. Portanto, o progresso social só é possível com o progresso de cada um de nós.

Vejam, cidadãos, quanto, com a república, nossa responsabilidade aumenta, pois a sorte de nosso país está em nossas mãos. Somos nós que, por nossas escolhas e nossos sufrágios, fazemos nossos destinos. Compreendam, agora, quanto é necessário que cada um de nós se esclareça e se aperfeiçoe, quanto é necessário que o julgamento de todos se fortifique, porque, eu lhes pergunto: que faríamos dos direitos e das liberdades, se não soubéssemos empregá-los com sabedoria, com discernimento?

Republicano significa quem se governa, quem se dirige por si mesmo em todas as esferas de suas atividades.

Esse título impõe a todos os que o adotam mais mérito, mais valor intelectual e moral. E, além disso, sondem a História e verão que todos os governos, quaisquer que sejam, pereceram pela corrupção ou pela ignorância.

Os gregos e os romanos foram vencidos pelo luxo, pela indolência. Foi após as orgias da regência que a aristocracia francesa perdeu seu prestígio. Foi pela corrupção do orleanismo que a burguesia se amesquinhou.

Portanto, a república não pode viver, prosperar, engrandecer-se, sem que cada um de nós trabalhe sem cessar, para um futuro melhor, mais sábio, mais virtuoso.

Nossos antepassados da primeira Revolução tinham razão para colocar a virtude como ordem do dia da pátria. Inspiremo-nos no exemplo desses republicanos austeros, desses grandes patriotas, cujo espírito de devotamento e de sacrifício fizeram deles eternos modelos para gerações do porvir. Com efeito, não basta combater o despotismo para fazer nascer a liberdade; não basta afastar a tirania do poder para implantar os costumes republicanos. Se o servilismo, a paixão e a noite permanecerem em nossas almas, nada teremos feito, e o despotismo um dia renascerá. Entretanto, nós, republicanos, que desejamos uma ordem social baseada na justiça e na liberdade, façamos inicialmente justos e virtuosos a nós mesmos, tornemos nossos corações livres, as razões esclarecidas, os costumes dignos, as consciências honestas e marchemos nós, em frente, sem fraquejar.

Não atingiremos a perfeição, sem dúvida, porém, cada um de nossos passos para frente nos mostrará um ideal, uma ordem maior e mais harmoniosa; cada um de nossos esforços nos livrará de um mal, de uma paixão e de um erro. Contribuiremos, assim, para elevar a França e estabelecer a república definitiva, impedindo que a democracia caia no cesarismo.

Todavia, senhores, se devemos não abusar dessas coisas, devemos também nos alegrar diante de um grande exemplo que nosso país dá, nesse momento, à Europa. Se, após vinte anos de realeza burguesa, depois de vinte anos de império, os costumes republicanos, austeros e sérios, não puderam se desenvolver espontaneamente em nós, devemos dizer, entretanto, que a França, amadurecida pelas provações do ano terrível, fortalecida pelo sofrimento, recolheu de suas instituições republicanas, embora ainda incompletas, um grande bem, uma nova força moral.

Se estendermos, nesse momento, nosso olhar sobre a Europa, ali veremos, realmente, um vento de guerra que passou sobre as nações. Soberanos belicosos e diplomatas astuciosos se preparam para a luta. Por toda a parte, alguém se arma, como na proximidade de um terrível choque.

Desperdiçam-se recursos, aguardando que o sangue corra; os povos sofrem e a miséria é profunda. Por toda a parte, surdos estrondos anunciam sangrentas revoltas. A Irlanda se agita, os socialistas alemães se preparam. Na Rússia, os negativistas prosseguem sua obra sinistra, a Turquia agoniza e o Oriente inteiro se desconjunta.

Durante esse tempo, o que faz a França? A França republicana trabalha, fortifica-se e se esclarece; reduz seus impostos e se cobre de escolas. A França quer nascer para uma nova vida, desembaraça-se do vírus da Idade Média e se torna laica. Põe-se em situação de resolver pacífica e gradualmente a questão social.

Bem armada, mas para a defesa e não para o ataque, ela deixa os déspotas se atirarem uns contra os outros.

Que ela persevere em sua política de paz e de justiça; que ela esqueça para sempre as funestas tradições de um passado cheio de lágrima e de sangue.

Que a França dos corsos morra! Que a França republicana viva para sempre! Que suas livres instituições se desenvolvam e cresçam. Que o espírito do Syllabus1 dela se afaste; que seu povo se fortifique pelo trabalho e pelo estudo e, então, sua influência se estenderá de novo sobre o mundo.

As mesmas nações que a evitavam, que outrora a odiavam, porão nela sua esperança, no dia em que, no meio da miséria geral e dos conflitos armados, a França se mostre para a Europa como um poderoso exemplo do que pode fazer um grande povo em um regime de paz, de luz e de liberdade.

—  LÉON DENIS

O Progresso.

(Conferência feita em Tours, França, em 29 de fevereiro de 1880.)

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Nota:

1 Syllabus (em português, sílabo): lista de erros condenados pelo papa. O sílabo promulgado por Pio IX, em 1864, é uma coletânea de 80 proposições latinas que contém os principais erros filosóficos, políticos, morais, doutrinários, etc., condenados pela Igreja (conforme o Dicionário Lello Universal).