Pietro Ubaldi

Crítica ao sistema de trocas do "regime livre cambista" atual

Pietro Ubaldi (1886-1972)

Filósofo, educador, conferencista e escritor italiano

 Formado em Direito e Música (Universidade de Roma, Itália)

Professor de Língua e Literatura Inglesa

Pensador e autor de filosofia científica espiritualista e ética antropológica

Extraído e adaptado de: 

A Grande Síntese, de Pietro Ubaldi 

O PROBLEMA ECONÔMICO

A ciência econômica acredita se justificar, como se partisse de um princípio de justiça original, afirmando, com sua premissa hedonística, a presença de um tipo abstrato de homo economicus, como que se pudesse isolar, na realidade, um aspecto; como se cada fenômeno não estivesse vinculado a todos os fenômenos, na lei universal. As ciências sociais se baseiam facilmente em qualquer mentira piedosa. Mas, diga-se a verdade: diga-se que quase sempre o homem é realmente – não como hipótese econômica – um perfeito hedonista; no campo dos negócios, limita-se a aplicar sua natureza egoísta. Que o do ut des1 não é um equilíbrio de direitos, mas um medir as forças para estrangular-se mutuamente. Declare-se a impotência da maioria para compreender uma aproximação, ainda que mínima, do amor evangélico. Diga-se que o homem é uma fera envernizada de civilização e, então, ter-se-á as bases reais do fenômeno econômico. Reconheça-se: a ciência que o estuda é a codificação do egoísmo, isto é, do instinto mais desagregador do complexo social.

A premissa hedonística é princípio anticolaboracionista por excelência. É um princípio de dissolução, que o edifício econômico carrega consigo, como insanável vício de origem, reaparecendo sempre nos momentos de crise. Egoísmo de capital, egoísmo de trabalho, egoísmo de produtor, egoísmo de consumidor; egoísmo individual, de classe, de nação (sistema protecionista); coalizão de egoísmos, organização de egoísmos, sempre egoísmo! As mercadorias, a riqueza, o trabalho, precipitam-se atraídos (no regime livre cambista) ou subjugados por essa grande força, mesmo que seja ilógica e contraste com as supremas exigências das ascensões humanas. No entanto, esta é a meta inderrogável, ética elevada, à qual todas as funções sociais têm de se subordinar para o objetivo único da evolução. Ao contrário, egoísmo é luta, atrito, dispersão, germe de destruição. É o ponto fraco do mecanismo, um fardo enorme que tem de ser arrastado, e o torna imperfeito, ameaça-lhe a jornada, como cego que avança entre choques e reações. Para quantas dores haveria fácil remédio, se cada um amasse o próprio semelhante como a si mesmo!

Se o fenômeno econômico é a expressão da lei do menor esforço, assume sempre a forma de coação. O equilíbrio entre oferta e procura é resultante de uma luta, o oferecimento de uma mercadoria é apenas a exigência de um preço. Tudo se move pela própria necessidade, não pela consciência das necessidades recíprocas. Um sistema carregado de atritos, um equilíbrio forçado entre forças antagônicas, tensas para se eliminarem, sobrecarrega-se pelo peso do egoísmo. Não era possível deixar de se chocar, mesmo neste campo, numa manifestação da lei universal, e não encontrar equilíbrios. Mas, diante do princípio do ut des, da procura e da oferta, o egoísmo caminha triunfante, seguindo a lei do menor esforço, para equilíbrios móveis, mas matematicamente exatos, que se podem calcular, mas que conservam sempre a marca da premissa original: o egoísmo demolidor. O instinto hedonista, em sua inconsciência de todos os outros valores sociais, caminha calcando todos eles, contanto que se realize a si mesmo. Força primitiva, brutal que, se em seu nível é impulso de criação, também constitui princípio de destruição, pelo qual se sofrem infinitas crises e reveses.

Mas a evolução, fenômeno universal, tinha que funcionar também neste campo, com a gradual eliminação do princípio hedonístico, por cerceamento, por limitações e elevações progressivas, até saber compreender os interesses de ordem geral no próprio âmbito. Encontramos por toda a parte o mesmo processo ascensional, pelo qual a força tende à justiça, o egoísmo ao altruísmo, a guerra à paz, o mal ao bem. Na evolução, não se pode isolar um campo do outro. Todos os fenômenos sociais, porém, devem ser concebidos e fundidos numa ética superior. O conceito hedonístico, colocado como base das ciências econômicas, é filho do agnosticismo de outros tempos, já agora superados. Se, num primeiro momento, o perfeito equilíbrio da balança – do ut des – é o máximo de justiça que a psicologia das permutas pode conter, nos momentos superiores, o progresso impõe a introdução do fator moral no fenômeno econômico em proporção cada vez mais ampla. Como na evolução do egoísmo, o próprio cálculo utilitário os levará a isso, pois nele se exprime a lei do menor esforço. Sendo a luta cheia de atritos que implicam enorme dispersão de energia, é vantagem suprimi-los.

No atual mundo, raramente a riqueza segue a estrada do bem. Não é meio para conquistas mais altas, mas fim para gozos que premiam as aptidões mais rapaces e antissociais. Atenção, porém, porque essa psicologia é supremamente demolidora, mesmo no campo do utilitarismo individual (inconsciência coletiva), o oposto do colaboracionismo (consciência coletiva). Quando um fenômeno nasce envenenado por impulsos negativos, estes, indestrutíveis como todas as forças, acompanham-no e o corroem até sua destruição. Quando uma ação está infeccionada no momento decisivo do nascimento pelo germe da desonestidade, ela se arrastará corroída por dentro, como um enfermo, até que a desagregação interna a resolva com a morte. Eis porque o mundo econômico está cheio de crises inevitáveis, sem remédio, e porque elas surgem sobre esses equilíbrios instáveis e fictícios. A solução não se encontra na criação de um rebanho de irresponsáveis, de mendigos, sustentados pelo Estado, mas na criação de uma sociedade de responsáveis, que saiba manejar conscientemente a grande força econômica. Não pressuponho uma mutilação, mas um aumento de consciência, de poder, de liberdade, de confiança, de responsabilidade. O homem não deve se anular, mas manejar as forças da vida para aprender; deve correr livremente o risco de errar para que, ao sofrer as consequências, emende-se; deve bater a cabeça para aprender a não batê-la mais. À força de crises, de derrocadas, de desastres financeiros, aprenderá que o negócio mais estável, mais sábio, mais lucrativo é a honestidade; que a posição mais utilitária é a que leva em conta o interesse de todos, a que se funde e não se isola no organismo coletivo econômico. Estas são as leis da vida e não constituem utopias.

Na direção desta renovação, o órgão máximo só pode ser a consciência coletiva: o Estado. O fenômeno econômico compete à autoridade central do Estado, como personificação integral da ética humana, das inoculações cada vez mais enérgicas de fator moral, constrições e correções que purificam a atividade econômica e a riqueza, e as canalizam para objetivos mais elevados. Compete ao Estado intervir e corrigir, introduzindo um mínimo ético cada vez mais alto, no fenômeno econômico, dirigindo de dentro e de fora o árduo equilíbrio das permutas para um regime de colaboração, que não é apenas compensação, mas compressão de egoísmos; não apenas coordenação, mas fusão num organismo econômico universal. Uma ciência econômica diferente da atual que suporta a Lei, mas consciente dela, não deve surgir de bases hedonísticas, mas colaboracionistas, porque, numa sociedade mais adiantada, a fase ética e utilitária é cooperação. Esta é a revolução econômica fundamental que, neste campo, exprime a atual maturação biológica. Infelizmente, os sistemas que hodiernamente dominam no mundo levam a uma seleção às avessas, a do mais astuto e desonesto, enquanto o honesto é eliminado. A sociedade não exalta o homem que dá, porque esse fica pobre, mas o homem que apanha e acumula, porque esse fica rico. No entanto, o primeiro dá aos outros o que é seu, o segundo tira dos outros para si. Este só poderá se justificar realizando sua função de conservar e fecundar a riqueza com seu trabalho.

No mundo, os melhores estão escondidos, porque são sensíveis, modestos, endereçados a outras metas, não têm as qualidades agressivas que condicionam o êxito. Ao invés, os ambiciosos e ávidos sabem pisotear tudo sem escrúpulos para consegui-lo. O que brilha no mundo raramente coincide com os valores intrínsecos; o triunfo econômico muito rápido só pode significar ausência de honestidade. Ainda se movem no nível da força econômica (princípio hedonístico) e não ainda no da justiça econômica (colaboracionismo). Qualquer crise no regime hedonístico tem de descer até o fundo. Só pode parar por saturação, só pode se reerguer por uma reação natural do próprio fenômeno, depois de haver sido esgotado o impulso, pois não possui as capacidades compensativas do regime colaboracionista.

Não há proporção entre trabalho e lucro. O furto é autorizado na especulação; parasitismos são inevitáveis como consequência direta da premissa hedonística. O princípio do do ut des gera luta para tirar o máximo e dar o mínimo. Isto não apenas é o precedente da luta, mas implica toda a psicologia do furto, macula todo o mundo econômico, fazendo nele brilhar o egoísmo em lugar da justiça. Se o ponto de partida é a motivação hedonista, a vontade estará toda voltada para a exclusiva vantagem individual, à qual só se renuncia quando constrangido pela vontade alheia, que está voltada para outra vantagem individual. A oferta é apenas um pedido de dinheiro, oculto totalmente pela mentira; não visa o interesse do consumidor, mas ao egoísmo do produtor. Por isso, o edifício econômico é torturado e desgastado por esse constante atrito de exploração, que arrasa segurança e confiança, que são as bases desse edifício. Por isso, o mundo econômico não é um organismo de justiça, mas um campo de competições sem piedade.

Não existe proporção entre valor e preço. Este, o mais das vezes, não corresponde ao custo da produção, mas à maior ou menor capacidade que apresenta de suportar o peso da exploração. Verdade, porém, que o poder esfaimado da procura gera imediatamente a superprodução e se equilibra com a oferta, mas esse equilíbrio espontâneo é com frequência ultrapassado pelo desequilíbrio originário do egoísmo, sempre voltado para reassumir a vantagem logo que possa. Além disso, não há quem não veja que o aumento de preço, pelo simples fato de que a procura é intensa e a oferta escassa, esteja distante da justiça, especialmente quando o consumidor se acha em condição de necessidade e a penúria seja causada pela açambarcação.

Os bens na Terra não buscam o caminho da necessidade. A riqueza é atraída pela riqueza e foge da pobreza. Ao invés de constituir uma ajuda, é frequentemente um mal na vida social. A psicologia hedonista carreia o dinheiro para onde não serve, afasta-o de onde poderia aliviar uma dor, proteger uma vida. Todos fogem do fraco e do vencido. Logo que se manifesta uma fraqueza, tudo ocorre para agravá-la, empurrando-a para a beira do precipício. A necessidade do próprio semelhante é um não-valor econômico, enquanto é valor a confiança que inspira uma sólida riqueza. Por isso, ela dificilmente executa a função que deveria ser para ela a primordial, ou seja, um meio de vida e de melhoria. Por vezes, transforma-se até em meio de opressão que absorve e destrói, em lugar de fecundar e soerguer a vida. Essa hipertrofia do egoísmo constitui o mal que onera o mundo econômico e o ameaça. É ilógica e prejudicial essa canalização da riqueza para a riqueza, ao invés de sê-lo para a pobreza; essa atração levada a agigantar desigualdades que são a base dos desequilíbrios sociais e morais, essa tendência à concentração, enquanto a saúde está na descentralização.

Não existe acordo entre capital e trabalho. Esses dois extremos do campo econômico deveriam estender-se as mãos como irmãos. Torna-se inútil a determinação de leis e sistemas, pois o capital está poluído em suas origens pela desonestidade, que o tornará infecundo. Cada remédio e cada controle ficam na superfície, pois na alma não existe a consciência da função social dessa destilação do produto do trabalho, que é o capital, e se torna um meio de opressão. Para superar os conflitos que oneram a humanidade neste campo, é preciso também superar a inconsciência egoísta, elevando-a até à consciência colaboracionista. Os dois pólos, capital e trabalho – como todos os contrários – são complementares, feitos para se completar, porque cada um deles, sozinho, não se sustenta. São feitos para se unir e fecundar-se mutuamente, numa corrente de permutas contínuas, que devem ser, também, amplexos de espíritos. Somente na compreensão das duas forças podem praticamente se combinar os impulsos da balança econômica. O único fato substancial que justifica as lutas é que elas constituem um meio para chegar à compreensão, já que, também neste campo, como em qualquer outro, a evolução é irrefreável. 

 

Adaptado de:

—  PIETRO UBALDI

A Grande Síntese, cap. 92: "O problema econômico".

1 Princípio da troca: “dou se deres”.