Luiz Gustavo Oliveira dos Santos

A relação entre ética e política, conforme Aristóteles

Luiz Gustavo Oliveira dos Santos

Relação entre ética e política, conforme Aristóteles

Para Aristóteles, a pólis é decorrente da própria natureza humana; o homem é um animal político (zoón politikón). Assim, Aristóteles afirma que não é possível ao homem viver separado da sociedade. A conformação humana exige a agregação em comunidades, pois o homem necessita da sociabilidade. Um homem fora da sociedade é como um órgão fora do corpo, ou seja, “o homem não pode fazer desabrochar os dons que a Natureza lhe conferiu senão na sociedade e através da sociedade” (MOSCA & BOUTHOUL, 1987). Como toda comunidade possui seus próprios fins, assim ocorre com a pólis, “que é a comunidade política mais perfeita para a coexistência humana, lugar necessário do ser racional” (BITTAR, 2007).

            Mas, para se chegar à pólis auto-suficiente (autarkeía), o homem passa por uma série de organizações: um conjunto de pessoas chamado casa (oikía), o conjunto de casas chamado aldeia (apoikía) e o conjunto de aldeias que constitui a cidade-estado (pólis), conforme explica Bittar (2007).

            Pelo estudo dos fins (teleologia), Aristóteles chega à concepção da pólis como oriunda da própria natureza. Seu raciocínio para chegar à natureza política do homem é o seguinte: 

(a) Tudo está ordenado para um melhor fim, inclusive a conformação política; 

(b) O fim há de ser algo que é o melhor; 

(c) A pólis é fim, por sua auto-suficiência, e o é para as comunidades que a antecederam no tempo. Tem-se, então, que apólis é uma das coisas que existe por natureza, e, por conseguinte, que o homem é um animal político por natureza (BITTAR, 2007). 

            Considerando a teleologia, Aristóteles acaba aceitando uma forma de progresso das comunidades, pois existe um fim (télos) melhor e almejado naturalmente, ou seja, a política passa por um desenvolvimento natural das comunidades, tendo por detrás a finalidade da realização ética e da consolidação da felicidade (eudaimonía) humana. Aristóteles considera tão natural a associação humana que aquele que tentasse evitá-la, isolando-se do convívio social, seria ou uma besta (um ser corrompido) ou um deus (um ser auto-suficiente).

            Considerando a sociedade política, Aristóteles analisa as constituições. A constituição seria o princípio máximo da sociedade política, “seu corpo orgânico, sua ordem, sua dimensão formal e sua estrutura” (BITTAR, 2007). Em sua análise, ele não acreditava dignas de estudo, à parte raras exceções, “as organizações políticas dos bárbaros”, que considerava, “em grande parte com razão, como inferiores às dos gregos” (MOSCA & BOUTHOUL, 1987). A pólis grega é a melhor organização, em sua proporção, para a conformação final do ser humano. Ela “constitui um agregado suficientemente grande para que o homem possa aí desenvolver todo o seu potencial de aptidões diversas” (idem). Por isso, Aristóteles “não se ocupa de agregados políticos mais vastos que a Cidade helênica, isto é, dos grandes impérios asiáticos, porque ele os julga, povoados que são de bárbaros, como produtos de uma civilização inferior” (idem).

Ao considerar as constituições, ou as formas de governo, Aristóteles traça um quadro semelhante ao de Platão. As formas de governo são classificadas por Platão “em seis, com base em três grandes grupos, formados em torno do governo de um, de poucos ou de muitos” (BITTAR, 2007) e “considerando os caracteres que essas formas apresentarem, opressão ou liberdade, pobreza e riqueza, legalidade ou ilegalidade” (PLATÃO, 1972).

No Político, de Platão, a classificação é a seguinte: 

 Nesta classificação, Platão considera como as melhores formas a monarquia e a aristocracia. Em ambas os governantes devem ser filósofos, ou seja, devem ter avistado a ideia do Bem, segundo a descrição da sua alegoria da caverna. É isso o que faz com que o governo traga proveito para todos, pois o rei ou os aristocratas terão conhecimento verdadeiro da natureza humana e conseguirão dirigir o melhor possível a sociedade. Sendo guiados pela “parte racional” da sua alma, os governantes controlarão os guardiães e o povo constituindo uma boa cidade, assim como nossa razão, controlando a parte irascível e sensual da nossa alma, constitui um bom homem.

Da mesma maneira, a democracia “é a pior forma de constituição quando submetida à lei, e a melhor quando estas são violadas” (PLATÃO, 1972). Ao passo que a tirania é definitivamente a pior de todas, por ser a que “torna a vida mais penosa e insuportável” (idem), pois o tirano é o “inimigo natural de todos os que excelem pela inteligência ou pela virtude” (MOSCA & BOUTHOUL, 1987).

Tanto Platão como Aristóteles admitem um critério ético, “segundo o qual o poder encontra sua justificação e torna-se legal à medida em que é exercido no interesse dos governados” (idem). Quanto a isso, Aristóteles conserva o primeiro critério da classificação segundo o número de governantes, mas difere de Platão no segundo critério. Se Platão faz do arbítrio do sábio a melhor orientação para decisões políticas, Aristóteles, diferentemente, pensa que a lei, por não fazer conta dos casos particulares, “é um produto da razão humana isenta de paixões, enquanto o poder arbitrário sofre sempre a influência das humanas paixões” (idem). Assim, a inflexibilidade da lei garante melhor a justiça quando aplicada aos casos particulares. Mas ele não se prende apenas à lei. O segundo critério político aristotélico é, em verdade, o bem comum (koínon agathón), que, para ele, está acima da lei. A preocupação ou não com o bem comum é, então, o que vai diferenciar o governo reto do governo corrompido. Entretanto, segundo Mosca & Bouthoul (1987),

um tal critério não oferece certeza, uma vez que se torna difícil distinguir de uma maneira nítida o interesse dos governados do interesse dos governantes; e, ainda mais, os governantes podem de boa fé acreditar que o seu governo é o melhor, sem que isto importe em conformidade com a verdade. 

Aristóteles delineia dois quadros em sua teoria política. Em Ética a Nicômaco, o esquema seria o seguinte: 

           Aristóteles propõe aqui a demagogia como a forma corrompida da democracia, sendo uma forma de governo em que muitos governam, mas divididos em facções, destruindo a unidade do bem. Assim a democracia se degenera, perdendo de vista o bem comum e passando a se ocupar com os interesses de grupos, reduzindo a possibilidade de ordem e felicidade, chegando à situação de demagogia. Também acrescenta a plutocracia, que, nesse caso, é sinônima da oligarquia, pois ambas significam o governo dos ricos.

            Entretanto, o modelo traçado na Ética a Nicômaco não é o mais usualmente estudado em Aristóteles, e sim aquele que consta na Política, pois este traz uma inovação importante: o conceito de politia, que poderia ser entendida como “regime comum”. No quadro da Política, temos a seguinte classificação: 

         Aqui, a democracia volta a ser uma forma de governo negativa, pois Aristóteles a vê como uma forma de governo dos “despojados” (pobres) revoltados, em que o povo se tornou rebelde pela exploração dos oligarcas. Não há, portanto, na democracia aqui considerada, a unidade social, e sim uma situação de “cada um por si”, sem orientação unitária, sem lei.

  É por essa razão que Aristóteles propõe a politia. Esta seria uma forma de governo mais abrangente, que compreende a maioria da população, ou, em outras palavras, todos governam de uma maneira equilibrada. Isso porque Aristóteles vê que, nas constituições comumente em voga, há constantes conflitos entre as classes ricas e pobres, principalmente nas freqüentes oligarquias. Haveria, então, uma constituição que defendesse ambos os interesses, chegando-se a uma situação média, em que governaria uma classe intermediária. Mosca & Bouthoul (1987) explicam os motivos que Aristóteles crê importantes para se evitarem as rebeliões:

Acredita ele, antes de tudo, e com razão, que a principal condição é a existência de uma classe média numerosa, pois quando numa Cidade existem poucos cidadãos ricos e muitos pobres, acontece que os primeiros oprimem os pobres ou que estes saqueiam os ricos. 

          Nessa forma contrabalançada que é a politia, porém, as classes estariam equilibradas, pois haveria a fiscalização de uma pela outra. Assim, a politia seria um misto de oligarquia e de democracia; duas formas de governo corrompidas que, coexistindo com um poder central, resultariam numa forma reta. A politia é uma forma de governo classificada por Aristóteles como de fato preocupada com o interesse comum. Posteriormente, essa forma de governo seria chamada pelos romanos (como Políbio, no séc. II), de república.

Considerando que Aristóteles vê no equilíbrio a própria virtude, como bem demonstrado na Ética a Nicômaco, em que desenvolve sua conhecida doutrina do justo meio, vê-se que esta mesma politia tem reais possibilidades de ser a forma mais adequada de governo para garantir a felicidade dos cidadãos. Tomando as qualidades e rejeitando os defeitos da oligarquia e da democracia, temos um governo que contempla a classe média, a qual tem a maior possibilidade de ter uma vida virtuosa, já que não vive na avareza nem na prodigalidade, nem na suntuosidade nem na miséria, mas é promissora em liberalidade e em magnificência, que detém “posses moderadas de bens, que sabe obedecer e mandar” (BITTAR, 2007), que não é assediada por muita fortuna nem se entrega à pequena vileza e “constitui um grupo de iguais, capaz de manter a ordem sob os princípios da igualdade e da amizade” (idem).

Aristóteles, assim, elaborou uma teoria política que aproveitou conceitos platônicos e os aplicou à realidade das diversas constituições por ele pesquisadas. Sua teoria tece estreita relação entre ética e política, chegando mesmo a afirmar que a política deve garantir a postura ética dos cidadãos, promovendo a virtude (justo meio), e levando todos, igualmente, a ter acesso à felicidade, fim último do ser humano e, por conseguinte, das associações políticas.

 

—  Luiz Gustavo O. dos Santos

Referências bibliográficas 

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2003.

_______. Política. Trad. Pedro Constantin Tolens. São Paulo: Martin Claret, 2006. 

BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia política. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2007. 

BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Trad. Sérgio Bath. 9. ed. Brasília: UnB, 1997. 

MOSCA, Gaetano; BOUTHOUL, Gaston. História das doutrinas políticas desde a Antiguidade. Trad. Marco Aurélio de Moura Matos. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. 

PLATÃO. A República. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004. 

_______. Político. (Col. Os Pensadores, t. III). Trad. Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo: Abril Cultural, 1972.

_________________________________

Envie seu comentário ao texto para teociencia@gmail.com. Indique o título do texto comentado,  o seu nome e sua formação/atividade, bem como uma foto (opcional) para publicação. Obrigado e boas reflexões!