Blaise Pascal

Vale mais apostar na existência de Deus, do que na inexistência

Blaise Pascal (1623-1662)

Extraído de:

Pensamentos, n. CCXI, de Blaise Pascal

INFINITO – NADA

Nossa alma está lançada no corpo, no qual acha número, tempo, dimensões. Raciocina sobre isso e lhe dá o nome de natureza, necessidade, sem poder acreditar em outra coisa.

A unidade agregada ao infinito em nada o aumenta, do mesmo modo que um pé nada acrescenta a uma medida infinita. O finito se aniquila na presença do infinito e se torna um simples nada. Assim o nosso espírito diante de Deus; assim a nossa justiça diante da justiça divina.

Não há tão grande desproporção entre a nossa justiça e a de Deus como entre a unidade e o infinito.

É preciso que a justiça de Deus seja enorme como a sua misericórdia: ora, a justiça para com os réprobos é menos enorme e deve aliviar menos do que a misericórdia para com os eleitos.

Sabemos que há um infinito e ignoramos a sua natureza, assim como sabemos que é falso que os números sejam finitos. É, pois, verdade que há um infinito em número, mas não sabemos o que ele é. É falso que seja par, é falso que seja ímpar; porque, acrescentando-lhe a unidade, ele não muda de natureza: no entanto, é um número, e todo número é par ou é ímpar; isso é verdadeiro para todos os números finitos.

Pode-se, então, saber que existe um Deus sem saber o que ele seja.

Conhecemos, pois, a existência e a natureza do finito, porque somos finitos e extensos como ele.

Conhecemos a existência do infinito e ignoramos sua natureza, porque ele tem extensão como nós, mas não tem limites como nós. Não conhecemos, porém, nem a existência nem a natureza de Deus, porque ele não tem extensão nem limites.

Mas, pela fé, conhecemos sua existência; pela glória, conheceremos sua natureza. Ora, já mostrei que não se pode conhecer bem a existência de uma coisa sem conhecer a sua natureza.

Falemos, agora, segundo as luzes naturais.

Se há um Deus, ele é infinitamente incompreensível, de vez que, não tendo nem partes nem limites, nenhuma relação possui conosco: somos, pois, incapazes de conhecer não só o que ele é, como também se ele é. Assim sendo, quem ousará empreender resolver essa questão? Não somos nós, que nenhuma relação temos com ele.

Quem, pois, censurará os cristãos por não poderem dar satisfação de sua crença, eles que professam uma religião de que não podem dar satisfação? Expondo-a ao mundo, eles declaram que isso é uma tolice, uma insensatez; e você ainda os lastima porque eles não provam! Se a provassem, faltariam à sua palavra; é por não carecerem de provas que não carecem de senso.

― “Sim; mas, embora isso desculpe os que assim a oferecem, e os livre da censura de produzi-la sem razão, não desculpa os que a aceitam.”

― Examinemos, pois, esse ponto e digamos: ou Deus existe ou não existe. Mas, para que lado nos inclinaremos? A razão nada pode determinar aí. Há um caos infinito que nos separa. Na extremidade dessa distância infinita, joga-se cara ou coroa. Que você apostará? Pela razão, você não pode fazer nem uma nem outra coisa; pela razão, não pode defender nem uma nem outra coisa.

Não acuse, pois, de falsidade os que fizeram uma escolha, pois você nada sabe disso.

― “Não, mas eu os acusarei de terem feito, não essa escolha, mas uma escolha. Porque, embora o que prefere coroa e o outro estejam igualmente em falta, ambos estão em falta: o justo é não apostar.”

― Sim, mas é preciso apostar: isso não é voluntário; você é obrigado a isso. Que você tomará, então? Vejamos, já que é preciso escolher, vejamos o que menos lhe interessa: você tem duas coisas a perder, o verdadeiro e o bem, e duas coisas que empenhar, sua razão e sua vontade, seu conhecimento e sua beatitude; e sua natureza tem duas coisas a evitar, o erro e a miséria. Sua razão não é mais atingida, desde que é preciso necessariamente escolher, escolhendo um dentre os dois. Eis um ponto liquidado. Mas, e sua beatitude?

Pesemos o ganho e a perda, preferindo coroa, que é Deus. Estimemos as duas hipóteses: se você ganhar, ganhará tudo; se perder, nada perderá. Aposte, pois, que ele existe, sem hesitar.

― “Isso é admirável: sim, é preciso apostar, mas talvez eu aposte demais.”

― Vejamos. Uma vez que é tal a incerteza do ganho e da perda, se você só tivesse que apostar duas vidas por uma, ainda poderia apostar. Mas, se devessem ser ganhas três, seria preciso jogar (desde que tem necessidade de jogar) e você seria imprudente quando, forçado a jogar, não arriscasse sua vida para ganhar três num jogo em que é tamanha a incerteza da perda e do ganho. Há, porém, uma eternidade de vida e de felicidade. E, assim sendo, quando houvesse uma infinidade de probabilidades, das quais somente uma fosse a seu favor, ainda teria você razão em apostar um para ter dois; e agiria mal, quando obrigado a jogar, se recusasse jogar uma vida contra três num jogo em que, numa infinidade de probabilidades, há uma a seu favor, havendo uma infinidade de vida infinitamente feliz que ganhar. Mas há, aqui, uma infinidade de vida infinitamente feliz que ganhar, uma probabilidade de ganho contra uma porção finita de probabilidades de perda, e o que você joga é finito. Jogo é jogo: sempre onde há o infinito e onde não há infinidade de probabilidades de perda contra a de ganho, não há que hesitar, é preciso dar tudo. E, assim, quando se é forçado a jogar, é preciso renunciar à razão, para conservar a vida e não arriscá-la pelo ganho infinito que tem tanta probabilidade de se verificar quanto a perda do nada.

Por conseguinte, de nada serve dizer que é incerto ganhar e que é certo se arriscar, e que a infinita distância entre a certeza do que se arrisca e a incerteza do que se deve ganhar iguala o bem finito, que certamente se arrisca, ao infinito incerto. Não é assim: todo jogador arrisca com certeza para ganhar incertamente o finito, sem pecar contra a razão. Não há infinidade de distância entre essa certeza do que se expõe e a incerteza do ganho; isso é falso. Há, na verdade, infinidade entre a certeza de ganhar e a certeza de perder. Mas a incerteza de ganhar é proporcional à certeza do que se arrisca, segundo a proporção das probabilidades de ganho e de perda. De onde se conclui que, havendo tantas probabilidades de um lado como do outro, a aposta deve ser igual; e, então, a certeza do que se arrisca é igual à incerteza do ganho; bem longe está de ser infinitamente distante. E, assim, a nossa proposição é de uma força infinita, quando há o finito que arriscar num jogo em que há tantas probabilidades de ganho como de perda, e o infinito que ganhar. Isso é demonstrativo; e, se os homens são capazes de algumas verdades, essa é uma delas.

― “Eu o declaro e o confesso. Mas não haverá ainda um meio de ver o segredo do jogo?”

— Sim, há a Escritura e o resto, etc.

― “Sim, mas tenho as mãos atadas e a boca muda. Forçam-me a apostar, e não estou em liberdade; não me soltam, e sou feito de tal maneira que não posso crer. Que você quer, então, que eu faça?”

― É verdade. Mas conheça ao menos a sua impotência para crer, já que a razão a isso o conduz, e que todavia não o pode. Trabalhe, então, não para se convencer pelo aumento das provas de Deus, mas pela diminuição das suas paixões. Você quer chegar à fé, mas ignora o caminho; quer se curar da descrença e pede os remédios: aprenda com os que estiveram atados como você e que apostam agora todo o seu bem; são pessoas que se curaram do mal de que você deseja se curar. Siga a maneira pela qual começaram: fazendo como se acreditassem, tomando água benta, mandando rezar missas, etc. Naturalmente, isso o fará crer e o embrutecerá.

― “Mas, é isso o que receio.”

― Por quê? O que tem a perder? Mas, para lhe mostrar que isso é eficaz, considere que há de diminuir as suas paixões, que são o seu grande obstáculo.

Fim deste discurso. ― Ora, que mal lhe acontecerá se tomar este partido? Será fiel, honesto, humilde, grato, benfazejo, amigo sincero, verídico. É verdade que você deixará de viver nos prazeres malsãos, nas glórias, nas delícias, mas porventura não terá outros? Afirmo que você sairá ganhando mesmo nesta vida; e a cada passo que der nesse caminho verá tanta certeza de ganho e tanta inanidade no que sacrificou, que acabará reconhecendo que apostou numa coisa certa, infinita, e, em troca dela, deu o nada.

― “Oh! Suas palavras me empolgam, me arrebatam, etc.”

― Se este discurso o agrada e lhe parece forte, saiba que ele foi feito por um homem que se ajoelhou antes e depois, para implorar a esse Ser infinito e indiviso, ao qual ele submete todo o ser dele, que submetesse também o seu para o seu próprio bem e para a sua glória; e que a força, como você vê, se acomoda com essa baixeza [de se ajoelhar e rezar]. 

 

—  Blaise Pascal

Pensamentos, n.º 211.