Parmênides de Eleia

Reconstrução completa do poema de Parmênides sobre o Ser

Parmênides de Eleia (c. 540-460 a.C.)

Extraído e adaptado de:

Vários autores, citados e organizados por Prof. Evaldo Pauli,

na Enciclopédia Simpózio: <http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/Megahist-filos/Prim-fil/0335y560.htm>

     Poema filosófico.

O texto filosófico de Parmênides não poderia ter sido mais solene do que na forma de poema que lhe deu.

 

“Nosso filósofo expôs suas doutrinas em verso, tal como fizeram Hesíodo, Xenófanes e Empédocles” (DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas, IX, 22).

 

Pelo conteúdo, teria o nome Sobre a Natureza, tal como acontece com as obras de Anaximandro, Anaxímenes e Heráclito.

 

            Reconstrução do poema de Parmênides. Embora restando apenas fragmentos, consegue-se conectá-los entre si, reconstruindo-se o texto. Sexto Empírico (VII,111) citou os versos 1 a 30. Estes se aglutinam com as citações de Simplício (Do Céu, 557, 20) com os versos de 28 a 32. Da combinação de ambos se obtém a ordem interna do Frag. l do poema de Parmênides. Eis a Introdução, ou Proêmio, que solenemente introduz o poema e que nesta parte inicial se lê espontaneamente. Seguem-se, em pequenas dimensões, os fragmentos 2, 3, 4, 5 e 6, respectivamente citados por Proclo, Clemente de Alexandria (duas vezes) e de novo Proclo. Esta página introduz as teses fundamentais sobre o ser e se fazem admirar pelo impacto com que são apresentadas. Continua a reconstrução do texto com o grande enredo dos fragmentos 7 e 8. Representam mais duas páginas no texto geral do poema e que se ocupam com a doutrina do ser. O fragmento 7 deriva das citações de Platão (Sofista 237 a), versos 7, 1-2; e das citações de Sexto Empírico (VII, ll4), versos 3, 3-6. O fragmento 8 reúne duas citações de Simplício (Física, 114,29), versos 8,1-52; e (Física, 38,28) versos 50-61. Depois deste texto central, seguem-se os 11 textos menores finais, ocupando-se com a doutrina de Parmênides sobre a natureza: fragmento 9 de Simplício; fragmento 10 de Clemente de Alexandria; fragmentos 11 e 12 de novo, de Simplício; fragmento 13 de Platão (Banquete 178 b); fragmentos 14 e 15 de Plutarco; fragmento 16 de Aristóteles (Metafísica 1009 b 21); fragmento 17 de Galeno; fragmento 18 de Célio Aureliano; fragmento 19 de Simplício (sendo este autor o que apresenta maior número de versos, seguido de Sexto Empírico).

            Na tradução, o que nos importa hoje não é a reprodução cadenciada dos versos, mas a enunciação direta do conteúdo das proposições. Importa atender primeiramente para o texto mesmo do poema do ser de Parmênides, para assimilá-lo como um todo, para somente depois fazer sua leitura literária, lógica, física e metafísica. Redistribuímos o texto, dado a seguir, em 3 partes: primeiramente a introdução, ou proêmio, depois a doutrina do ser e, finalmente, a doutrina sobre a natureza. (Prof. Evaldo Pauli, Enciclopédia Simpózio)

 

POEMA DE PARMÊNIDES

Introdução

As éguas, que me conduziam tão longe quanto meu coração desejava, levaram-me pelo famoso caminho das deusas, que conduz o sábio por todas as cidades. Por ele era eu conduzido; por ele me levavam as muito hábeis éguas puxando o carro; e as moças indicavam o caminho.

Os eixos ardiam nos cilindros e ressoavam com estridente zumbido – pois duas rodas se aceleravam de ambos os lados – sempre que as jovens gregas aumentavam a velocidade, deixando a morada da Noite na direção da luz, afastando os véus da cabeça.

Ali estão os portais dos caminhos da Noite e do Dia, tendo em cima uma trave e embaixo um degrau de pedra; a porta mesma, etérea, é fechada com duas imensas folhas; a chave da porta, de uso alternante, é guardada pela Justiça muito castigadora.

As jovens lhe falam com suaves palavras e a convencem habilmente para que lhes retire da porta as férreas traves. Então, esta abriu largamente o abismo entre seus batentes de bronze, que giraram sobre seus gonzos providos de dobradiças e cravos. As jovens conduziram, então, o carro e as éguas pelo portal sobre o caminho.

E a deusa me acolheu com afeto, tomou a minha mão direita com a sua e me dirigiu a palavra, dizendo-me: “Jovem companheiro de imortais condutores, que chegas à nossa morada com as éguas que te conduzem, saúdo-te!

Pois não foi nenhum mau destino que te induziu a vir por este caminho – que está longe do caminho dos homens –, mas a Lei e a Justiça.

Porém, é preciso que conheças tudo, tanto o coração imperturbável da verdade bem redonda, como as opiniões dos mortais, nas quais não reside a verdadeira confiança. Aprenderás também como as aparências são um saber ilusório, fazendo passar todas as coisas através de tudo.

             

Doutrina do ser

Pois bem, eu te quero instruir – guarda as palavras que ouves – sobre quais são os únicos caminhos da investigação em que importa pensar.

O primeiro: O que é, é; e o não-ser, não é. Esta é a vereda da convicção – pois segue à Verdade.

O outro: o não-ser é; e o ser necessariamente não é. Este caminho, eu te digo, é totalmente impraticável, pois não conhecerias o não-ser – porque isto é impossível –, nem o expressarias.

Pois o mesmo é pensar e ser.

Observa como as coisas, apesar de longínquas, se fazem firmemente presentes ao pensamento; pois não separará o ser de sua conexão com o ser, nem quando o dispersa totalmente por todas as partes, conforme o cosmos, nem quando o reúne.

É igual, para mim, por onde comecei, pois ali mesmo novamente retornarei.

É necessário dizer e pensar que o ser permanece; pois o ser é, o nada não é – eu te exorto que consideres isto. Deste primeiro caminho da investigação, eu te afasto. E assim também daquele onde erram os mortais ignorantes, bicéfalos. Pois a incapacidade de seu peito dirige o pensamento vacilante. São impelidos como surdos e mudos, estupefatos, gente incerta, a crer que o ser e o não-ser pareçam iguais e diferentes, como se houvesse para todas as coisas duas vias contrárias.

Pois é impossível conseguir que o ser não seja; afasta, pois, teu pensamento deste caminho de investigação. E que o costume não te obrigue a este caminho frequente, deixando valer a vista oscilante, o ouvido que zune e a língua. Mas julga com a razão a discutida questão por mim proposta.

Resta então um só caminho para o discurso: Ser. Há nele muitos sinais; é ser não-gerado e imperecível, é completo, imóvel e sem fim. Não foi nem será, pois é agora tudo de uma vez, uno, contínuo. Pois que nascimento lhe acharias? Como, de onde teria nascido? Nem do não-ser permitirei que digas ou penses. Porque não é nem exprimível nem pensável que o ser seja como o não-ser. Que necessidade teria de nascer antes ou depois, se procedesse do nada? Assim, é necessário que seja todo, ou nada. Tampouco a força da verdade permitirá que do não-ser nasça algo. Por isso a Justiça não relaxa as cadeias, nem para que gerem nem para que destruam algo, antes, as mantêm firmes. O juízo sobre isso reside no seguinte: é ou não é. Decidido está, como necessário, que um [caminho] é impensável – pois não é o caminho da verdade –, em vista do outro que avança e é verdadeiro. Como poderia, aliás, o ser perecer? Como poderia nascer? Se nasceu, não é; nem mesmo é se vier-a-ser alguma vez. Assim, está extinto o nascimento e desacreditada a destruição. Nem é tampouco divisível, pois é todo homogêneo. Nem é mais aqui, pois impediria que fosse contínuo; nem é menos ali, pois tudo está pleno de ser. Todo ele é contínuo, pois o ser toca o ser.

É imóvel entre o vínculo de poderosas cadeias; é sem começo nem fim, pois o nascimento e a destruição foram afastados para muito longe, rechaçados pela verdadeira convicção.

Ele permanece e descansa sobre si mesmo, e assim residirá imutável ali mesmo. A poderosa Necessidade o mantém nas cadeias envolventes, cercando-o inteiramente. Por isso, não é permitido ao Ser que seja incompleto [indefinido], pois não é privado de nada; e se o fosse, o seria de tudo.

O mesmo é o pensar e aquilo pelo qual o pensamento é. Pois, sem o ser, em que ele [o pensamento] é expresso, não encontrarás o pensar. Não há, pois, nada ou outra coisa, senão o ser, visto que o Destino o encadeou para que permaneça inteiro e imóvel. Por isso, são apenas nomes o que os mortais, em sua linguagem, consideram verdade: nascer e morrer, ser e não-ser, deslocamento e mudança de cores resplandecentes.

Sendo o seu limite o último, ele está completo por todos os lados, à maneira da massa de uma esfera bem redonda, igual em equilíbrio a partir do centro. Não é maior nem mais pesado aqui ou ali. Já que não existe nada, nem o não-ser, que o possa impedir de ser homogêneo; nem um ser que tivesse mais ser aqui, menos lá, porquanto é todo inviolável. Sendo igual em todas as direções, encontra de igual maneira em todos os seus limites.

Com isso, encerro para ti o meu fidedigno discurso e pensamento sobre a verdade.

Aprende, porém, a partir daqui, as opiniões dos mortais escutando a ordem enganosa das minhas palavras.

Pois eles [os mortais] decidiram dar nomes a duas formas, à maneira de interpretação, das quais não deveriam nomear uma – nisso desandaram em erro. Julgaram-nas com aparência oposta e atribuíram marcas diferentes uma da outra; a uma, o fogo etéreo da chama, doce, muito leve, idêntico a si mesmo por toda a parte, todavia, não idêntica à outra. Esta, diferentemente, é em si mesma o contrário, noite escura, corpo pesado e espesso.

Esta racional ordem do mundo eu te revelo, para que nunca ingresses em nenhuma interpretação dos mortais.

 

Doutrina sobre a natureza

Posto, porém, que todas as coisas foram chamadas luz e noite, esta e aquelas conforme as suas potências, tudo é pleno tanto de luz como de escura noite, por igual, por nada haver entre ambas.

Conhecerás, pois, a natureza do éter, todas as constelações no éter e a força ofuscante da pura tocha clara do sol; e terás notícia de onde procedem as operações, do giro da lua e sua natureza; saberás também, sobre o céu, que ele tudo circunda e de onde ele vem; e, ainda, como a Necessidade, que o rege, o acorrentou para manter os limites dos astros.

[Eu quero começar a narrar] como a terra, o sol, a lua, o éter comum a todas, a via láctea celeste, o Olímpio remoto e a força ardente dos astros se esforçaram para nascer.

Os círculos mais estreitos estão cheios de fogo puro; os que vêm depois, cheios de noite, mas com uma parcela de chama injetada no seu meio. No centro, está a deusa que tudo dirige, pois é ela quem governa o odioso nascimento e a união por toda parte, impelindo a fêmea a se unir ao macho e, inversamente, o macho à fêmea.

Primeiramente, dentre todos os deuses, foi Eros por ela concebido. 

[A lua, uma] luz noturna em torno da terra, errante e com luz de outro. 

[A lua] sempre olhando para os raios do Sol.

Como, em qualquer tempo, a mistura torna os órgãos enganosos, assim se apresenta o pensamento dos homens. São a mesma coisa: a inteligência e a natureza dos órgãos nos homens, em todos os homens e para todo o homem, pois o que predomina no corpo faz o pensamento.

À direita, os moços, à esquerda, as moças.

Quando o homem e a mulher misturam as sementes do amor, a força, que informa as veias com sangues opostos, modela corpos bem constituídos, se se exerce com mistura exata. Se, porém, as forças conflitam e não realizam nenhuma unidade, tornarão funesto o sexo daquele que nasce.

Assim, segundo a opinião, estas coisas nasceram e agora são. Depois, passado o tempo, crescerão e morrerão. Para cada uma, os homens estabeleceram um nome determinado”.

—  Parmênides 

___________________________________________

Para maiores detalhes sobre esta reconstrução do poema, feita pelo Prof. Evaldo Pauli a partir de vários fragmentos espalhados por diversas obras antigas, acesse:

<http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/Megahist-filos/Prim-fil/0335y560.htm>