Léon Denis e Nietzsche

Léon Denis critica o niilismo de Nietzsche

                                                                                                                 Friedrich Nietzsche                                   Léon Denis

Trechos de obras em que Léon Denis critica a visão de mundo de Nietzsche

Quanto à Alemanha, não temos elogios para as ideias que, há mais de um século, nos vêm deste lado. (...) Aquelas mais refinadas, porém não menos egoístas de Nietzsche (...); tudo isto desprovido de generosidade e de grandeza e não leva senão à investida, ao esmagamento de uns pelos outros.

(Léon Denis. Socialismo e espiritismo, 1924)

*     *     * 

O ilustre professor Raoul Pictet assinala esse estado de espírito na introdução de sua última obra sobre as ciências psíquicas. Ele fala do efeito desastroso produzido pelas teorias materialistas sobre a mentalidade de seus alunos e conclui assim:

Esses pobres jovens admitem que tudo o que se passa no mundo é efeito necessário e fatal de condições primárias, em que a vontade não intervém. Consideram que sua própria existência é, forçosamente, joguete da fatalidade inevitável, à qual estão ligados, de pés e mãos atados. Esses jovens param de lutar logo que encontram as primeiras dificuldades. Não acreditam mais em si mesmos. Tornam-se túmulos vivos, onde guardam, confusamente, suas esperanças, seus esforços, seus desejos, fossa comum de tudo o que lhes fez bater o coração até o dia do envenenamento. Tenho visto esses cadáveres diante de suas carteiras e no laboratório e têm-me causado pena. 

Tudo isso não é somente aplicável a uma parte de nossa juventude, mas também a muitos homens de nosso tempo e de nossa geração, nos quais podemos constatar um sintoma de cansaço moral e de abatimento. F. Myers também o reconhece: “Há como que uma inquietude, um descontentamento, uma falta de confiança no verdadeiro valor da vida. O pessimismo é a doença moral de nosso tempo”. As teorias de além-Reno, as doutrinas de Nietzsche, de Schopenhauer, Haeckel, dentre outros, muito contribuíram para desenvolver esse estado de coisas. Sua influência se espalha por toda parte. Deve-se atribuir a eles, em grande parte, esse lento trabalho, obra obscura de ceticismo e desencorajamento que se desenvolve na alma contemporânea.

É tempo de reagir com vigor contra essas doutrinas funestas e de procurar, fora da órbita oficial e das velhas crenças, novos métodos de ensino que respondam às imperiosas necessidades do momento presente. É preciso preparar os espíritos para as necessidades, os combates da vida atual e das vidas futuras; é preciso, sobretudo, ensinar o ser humano a se conhecer, a desenvolver, em vista de seus objetivos, as forças latentes que nele dormem.

(Léon Denis. O Problema do Ser, do Destino e da Dor, 1905)

*     *     * 

Que é o bom? − diz Friedrich Nietzsche [em O Anticristo].

− O poder!

Que é o mau?

− A fraqueza!

Que é a felicidade?

− O sentimento de que o poder se engrandece, de que foi superada uma resistência. Comedimento, não; porém mais poder; não a paz antes de tudo, mas a guerra; não a virtude, mas o valor! Pereçam os fracos e os estropiados. E que ainda os ajudemos a desaparecer.

Que pode haver de mais pernicioso do qualquer vício?

− A piedade pelos fracos e desclassificados! 

Eis aí o que os escritores e filósofos materialistas difundem nas folhas públicas. Têm eles verdadeiramente consciência da responsabilidade que contraem? Consideram a safra que tal sementeira produzirá? Sabem que, vulgarizando essas doutrinas desesperadoras e iníquas, metem na mão dos deserdados a tocha dos incêndios e os instrumentos de morte?

Ah! Essas doutrinas parecem anódinas, inofensivas aos felizes, aos satisfeitos, aos céticos que gozam, que possuem com o necessário o supérfluo, e com elas justificam todos os seus apetites, desculpam todos os seus vícios; mas os que a sorte fere, os que padecem e sofrem, que uso, que aplicação farão de tais doutrinas?

O exemplo de Vaillant e de Emílio Henry nos demonstra.

Vaillant declarou perante o Tribunal do Sena, em janeiro de 1894, que foi na leitura de obras materialistas que hauriu a ideia do seu crime.

Emílio Henry usava da mesma linguagem: “Estudos científicos me iniciaram no jogo das forças naturais; eu sou materialista e ateu”.

E quantos outros, depois, afirmaram as mesmas teorias perante seus juízes!

Ó ciência da matéria! Com as suas implacáveis afirmações, com as suas inexoráveis leis do atavismo e da hereditariedade, quando ensina que a fatalidade e a força regem o mundo, você aniquila todo impulso, toda energia moral nos fracos e nos deserdados da existência; faz penetrar o desespero no lar de inúmeras famílias; instila o seu veneno até o âmago das sociedades!

Ó materialistas! Apagaram o nome de Deus no coração do povo: disseram-lhe que tudo se resumia nos prazeres da terra; que todos os apetites eram legítimos, que a vida era uma sombra efêmera.

E o povo acreditou; calaram-se as vozes íntimas que lhe falavam de esperança e de justiça. As almas fecharam-se à fé, para se abrirem às más paixões. O egoísmo expulsou a piedade, o desinteresse, a fraternidade.

Sem ideal em sua triste vida, sem fé no futuro, sem luz moral, o homem retrogradou ao estado bestial; sentiu o despertar dos ferozes instintos, entregou-se à cobiça, à inveja, aos arrastamentos desordenados. E agora, as feras rugem na sombra, tendo no coração o ódio e a raiva, prontas a despedaçar, a destruir, a amontoar ruínas sobre ruínas.

A sociedade está afetada de profundos males. O espetáculo das corrupções, do impudor, que em torno de nós se ostentam, a febre das riquezas, o luxo insolente, o frenesi da especulação que, em sua avidez, chega a esgotar, a estancar as fontes naturais da produção, tudo isso enche de tristeza o pensador.

E, como na ordem das coisas tudo se encadeia, tudo produz os seus frutos, o mal profusamente semeado parece atrair a dor e a tempestade. Esse é o aspecto formidável da situação. Parece que atingimos uma hora sombria da História:

Desgraçados dos que sufocaram as vozes da consciência, que assassinaram o ideal puro e desinteressado, que ensinaram ao povo que tudo era matéria, e a morte, o nada! Desgraçados dos que não quiseram compreender que todo ser humano tem direito à existência, à luz e, mais ainda, à vida espiritual; que deram o exemplo do egoísmo, do sensualismo e da imoralidade!

Contra essa sociedade que não oferece ao homem nem amparo, nem consolação, nem apoio moral, uma tempestade furiosa se prepara. Fuzilam, por vezes, raios do seio das multidões; a hora da cólera se avizinha. Porque não é sem perigo que se comprime a alma humana, que se impede a evolução moral do mundo, que se encerra o pensamento no círculo de ferro do ceticismo e do negativismo. Chega um dia em que esse pensamento retrocede violentamente, em que as camadas sociais são abaladas por terríveis convulsões.

Levante, porém, a sua fronte, ó homem! e recobre a esperança. Um novo clarão vai descer dos espaços e iluminar o seu caminho. Tudo o que até agora lhe ensinaram era estéril e incompleto. Os materialistas não perceberam das coisas mais que a aparência e a superfície. Eles não conhecem da vida infinita senão os aspectos inferiores. O sonho deles é um pesadelo.

(Léon Denis. Cristianismo e espiritismo, 1898)