Huberto Rohden

Como o cristianismo desfaz confusões a respeito da felicidade

Huberto Rohden (1893-1981)

Filósofo, teólogo, educador, conferencista e escritor brasileiro

Formado em Ciências (Innsbruck, Áustria), Filosofia (Valkenburg, Holanda) e Teologia (Nápoles, Itália)

Professor da Universidade de Princeton (EUA), American University de Washington D.C. (EUA) e Universidade Mackenzie (São Paulo-SP)

Propositor da Filosofia Univérsica

Fundador da Instituição Cultural e Beneficente Alvorada (São Paulo, 1952)

Extraído de:

Por Que Sofremos?, de Huberto Rohden

APOTEOSE DO SOFRIMENTO FELIZ

Encontramos no Evangelho oito repetições sucessivas de “bem-aventurados”.

Quem são esses oito grupos de felizardos celebrados por Jesus?

São precisamente as pessoas que o mundo profano considera infelizes.

Felizes — os pobres...

Felizes — os famintos...

Felizes — os injustiçados...

Felizes — os enlutados...

Felizes — os mansos...

Felizes — os misericordiosos...

Felizes — os puros...

Felizes — os perseguidos, os caluniados, os difamados...

E a razão desta felicidade dos aparentemente infelizes é esta: “Porque deles é o reino dos céus... porque eles são filhos de Deus... porque eles serão recompensados...”

Quem não é capaz de assumir a perspectiva do Cristo, não compreenderá jamais porque esses infelizes possam ser chamados felizes.

Tudo depende da perspectiva.

Os iniciados chamam felizes os que estão na linha reta rumo ao seu destino, rumo à sua realização, rumo ao reino dos céus.

Os profanos chamam felizes os que possuem muito dinheiro, os que gozam muitos prazeres, os que são muito glorificados, os que têm muitos divertimentos.

Quer dizer, esse critério de felicidade ou infelicidade é, essencialmente, uma questão de perspectiva, de atitude, de autoconhecimento.

O homem profano, espiritualmente analfabeto, se identifica invariavelmente com o seu ego material, mental ou emocional; e, se neste setor, tudo lhe corre à medida dos seus desejos, quando ele goza tudo que pode gozar, então é considerado feliz.

É feliz porque tirou a sorte grande na loteria.

É feliz porque fez um ótimo casamento.

É feliz porque toda a família está com saúde.

É feliz porque tem um bom nome na sociedade.

É feliz porque tem uma profissão lucrativa e garantida.

Mas, se algum desses itens falhar, o homem profano se considera infeliz.

Quer dizer, o homem profano não é dono da sua felicidade; ela vem de fora, das circunstâncias da natureza ou da sociedade.

Enquanto o homem apenas tem felicidade ele não é realmente feliz, porque é apenas senhor dos teres, que lhe podem ser tirados a qualquer momento.

Quem faz depender a sua felicidade de algo que não depende dele, esse não é realmente feliz.

Enquanto a felicidade ou a infelicidade é algo que nos acontece, não somos solidamente felizes, porque amanhã pode acontecer o contrário.

Pode ser que sob o véu da minha felicidade de hoje, esteja incubada a minha infelicidade de amanhã — e poderá eclodir sem eu querer.

Essa felicidade que alguém pode ter, mas que ele não é, é uma pseudo felicidade, chamada gozo.

O profano chama felicidade esse fantasma de felicidade, que lhe pode acontecer, mercê das circunstâncias externas.

Mas o iniciado não considera felicidade nenhum gozo, nem considera infelicidade nenhum sofrimento.

Felicidade ou infelicidade é, para ele, somente aquilo que ele é, e não aquilo que ele tem. A sua felicidade ou infelicidade está no âmago da sua substância central, do seu Eu, da sua consciência, da sua alma.

E por isso nenhuma circunstância externa o pode tornar feliz ou infeliz, mas pode apenas fazê-lo gozar ou sofrer.

Gozo e sofrimento são coisas que nos acontecem — felicidade ou infelicidade é aquilo que nós somos.

Por isto, o maior dos mestres chamou bem-aventurados, felizes, os sofredores, contanto que tenham realizado em si o reino dos céus.

Os que se identificam com o seu ego externo se julgam felizes quando gozam.

Os que se identificam com o seu Eu interno, podem ser felizes, mesmo no meio dos sofrimentos.

Esse autoconhecimento, ou falta de autoconhecimento, é decisivo.

Por isso, acima de tudo, deve o homem dar resposta clara e definitiva à eterna pergunta do homem de todos os tempos e países: “Quem sou eu?”.

O conhecimento da verdade sobre si mesmo e a vivência de acordo com essa consciência e felicidade, que libertará o homem de toda a infelicidade, ainda que nem sempre o liberte do sofrimento. O principal está salvo e garantido: a sua felicidade.

Essa felicidade essencial consiste em que o homem estabeleça e mantenha perfeita harmonia, no seu Ser e no seu Viver, entre sua consciência individual e a Consciência Universal.

O homem que resolveu manter invariavelmente esta harmonia de Ser e Viver, é profundamente feliz, quer sofra, quer goze.

Mas quem não mantém essa harmonia é infeliz, quer goze, quer sofra.

Todo o homem pode dizer: “Eu sou o senhor do meu destino — eu sou o comandante da minha vida” — e é ser essencialmente feliz.

Por isto, ninguém pode dizer que é infeliz contra a sua vontade; que a sorte, os azares da fortuna, o fizeram infeliz.

Ninguém tem obrigação de ser infeliz — Deus não quer criaturas infelizes.

Quem é infeliz é culpado da sua infelicidade, embora não seja culpado dos seus sofrimentos.

Se o mundo está cheio de infelizes, é por que o mundo está cheio de ignorantes, de profanos, que não encontraram a verdade sobre si mesmos, que se identificam com algo que não são, e não se identificam com aquilo que realmente são.

“Bem-aventurados... deles é o reino dos céus”.

— HUBERTO ROHDEN

Por que sofremos?