Robin Collins

O argumento do ajuste-fino do universo para a existência de Deus

Robin Collins

Filósofo  estadunidense 

Professor de Filosofia (Messiah College, Pensilvânia-EUA)

O Argumento do Desígnio pelo Ajuste-Fino:

Um argumento científico para a existência de Deus

Robin Collins1

Reimpresso de Reason for the Hope Within

1º de setembro de 1998.

[Texto original em inglês disponível em: <http://home.messiah.edu/~rcollins/Fine-tuning/FINETLAY.HTM>]

Tradução do original por Luiz Gustavo O. dos Santos.

 

I. INTRODUÇÃO 

 

A Evidência do Ajuste-fino

         Suponha que nós fomos em uma missão a Marte, e encontramos uma estrutura abobadada na qual todas as coisas foram montadas da maneira certa para a vida existir. A temperatura, por exemplo, foi ajustada para cerca de 20°C e a umidade estava em 50%; além disso, havia um sistema de reciclagem de oxigênio, um sistema de coleta de energia e um sistema inteiro para produção de comida. Posto simplesmente, a estrutura abobadada parecia ser uma biosfera em pleno funcionamento. Qual conclusão deveríamos tirar de encontrarmos essa estrutura? Deveríamos tirar a conclusão de que apenas aconteceu de ela se formar por acaso? Certamente, não. Em vez disso, deveríamos unanimemente concluir que ela foi projetada por algum ser inteligente. Por que tiraríamos essa conclusão? Porque um projetista inteligente parece ser a única explicação possível para a existência da estrutura. Pois a única explicação alternativa em que podemos pensar ― a de que a estrutura foi formada por algum processo natural ― parece extremamente inverossímil. Claro, é possível que, por exemplo, por meio de alguma erupção vulcânica, vários metais e outros componentes pudessem ser formados e, então, separados justamente da maneira certa para produzir a “biosfera”, mas tal cenário nos parece extraordinariamente inverossímil, tornando, assim, essa explicação alternativa inacreditável.

         O universo é análogo a tal “biosfera”, de acordo com as descobertas recentes na física. Quase tudo em torno da estrutura básica do universo ― por exemplo, as leis e os parâmetros fundamentais da física e a distribuição inicial de matéria e energia ― está equilibrado sobre um fio de navalha para ocorrer a vida. Como nota o eminente físico de Princeton, Freeman DYSON, “Há muitos ... acidentes afortunados em física. Sem tais acidentes, a água não poderia existir como líquido, as cadeias de átomos de carbono não poderiam formar moléculas orgânicas complexas e os átomos de hidrogênio não poderiam formar pontes quebráveis entre as moléculas” (p. 251) ― em suma, a vida como a conhecemos seria impossível.

         Os cientistas chamam este extraordinário equilíbrio dos parâmetros da física e das condições iniciais do universo de “ajuste-fino do cosmos”. Isso tem sido extensamente discutido por filósofos, teólogos e cientistas, especialmente a partir do início dos anos 1970, com centenas de artigos e dúzias de livros escritos sobre o tópico. Hoje, ele é amplamente considerado como o que oferece, de longe, o argumento atual mais persuasivo para a existência de Deus. Por exemplo, o físico teórico e escritor de ciência popular Paul Davies ― cujos primeiros escritos não eram particularmente simpáticos ao teísmo ― alega que, a respeito da estrutura básica do universo, “a impressão do desígnio é esmagadora” (DAVIES, 1988, p. 203). Similarmente, em resposta ao ajuste-fino permissivo à vida das ressonâncias nucleares responsáveis pela síntese de oxigênio e carbono nas estrelas, o famoso astrofísico Sir Fred Hoyle declara que

Eu não acredito que quaisquer cientistas que examinassem a evidência falhariam em fazer a inferência de que as leis da física nuclear foram deliberadamente designadas a respeito das consequências que elas produzem dentro das estrelas. Se isso é assim, então minhas peculiaridades aparentemente aleatórias se tornaram parte de um esquema profundo. Se não, então voltamos outra vez à monstruosa sequência de acidentes. [Fred Hoyle, em Religião e os Cientistas, 1959; citado em BARROW & TIPLER, p. 22]

         Uns poucos exemplos desse ajuste-fino estão listados abaixo:

         1. Se a explosão inicial do big bang tivesse diferido em força por apenas 1 parte em 1060, o universo teria ou rapidamente colapsado sobre si mesmo, ou se expandido rapidamente demais para as estrelas se formarem. Em qualquer caso, a vida seria impossível. [Veja DAVIES, 1982, pp. 90-91] (Como aponta John Jefferson DAVIS (p. 140), uma precisão de uma parte em 1060 pode ser comparada a atirar uma bala num alvo de dois centímetros e meio do outro lado do universo observável, a vinte bilhões de anos-luz de distância, e acertar o alvo.)

         2. Cálculos indicam que, se a força nuclear forte, a força que mantém prótons e nêutrons juntos num átomo, tivesse sido mais forte ou mais fraca em apenas 5%, a vida seria impossível. (LESLIE, 1989, pp. 4, 35; BARROW & TIPLER, p. 322.)

         3. Os cálculos de Brandon Carter mostram que, se a gravidade tivesse sido mais forte ou mais fraca em 1 parte em 1040, então estrelas sustentadoras de vida, como o sol, não poderiam existir. Isso tornaria, muito provavelmente, a vida impossível. (DAVIES, 1984, p. 242.)

         4. Se o nêutron não fosse cerca de 1.001 vezes a massa do próton, todos os prótons teriam decaído em nêutrons ou todos os nêutrons teriam decaído em prótons e, assim, a vida não seria possível. (LESLIE, 1989, pp. 39-40.)

         5. Se a força eletromagnética fosse levemente mais forte ou fraca, a vida seria impossível, por uma variedade de diferentes razões. (LESLIE, 1988, p. 299.)

         Imaginativamente, poder-se-ia pensar em cada instância do ajuste-fino como um sintonizador de rádio: a menos que todos os sintonizadores estivessem ajustados exatamente da maneira certa, a vida seria impossível. Ou se poderiam pensar nas condições iniciais do universo e nos parâmetros fundamentais da física como um alvo de dardos que preencha toda a galáxia e as condições necessárias para a vida existir como uma pequena mosca de trinta centímetros de largura: a menos que o dardo acerte na mosca, a vida seria impossível. O fato de que os sintonizadores estejam perfeitamente ajustados, ou o dardo tenha acertado na mosca, sugere fortemente que alguém ajustou os sintonizadores ou mirou o dardo, pois parece enormemente improvável que tal coincidência pudesse ter acontecido por acaso.

         Embora os cálculos individuais do ajuste-fino sejam somente aproximativos e possam estar em erro, o fato de que o universo esteja finamente ajustado para a vida está praticamente fora de questionamento por causa do grande número de instâncias independentes de aparente ajuste-fino. Como o filósofo John LESLIE apontou, “pistas amontoadas sobre pistas podem constituir pesada evidência, a despeito das dúvidas sobre cada elemento na pilha” (1988, p. 300). O que é controverso, entretanto, é o grau em que o ajuste-fino fornece evidência para a existência de Deus. Por mais impressionante que o argumento a partir do ajuste-fino pareça ser, os ateus levantaram várias objeções significativas a ele. Consequentemente, aqueles que estão cientes dessas objeções, ou pensaram nelas por conta própria, frequentemente acharão o argumento não convincente. Isso não é verdade somente para os ateus, mas também para muitos teístas. Eu conheci, por exemplo, um cineasta de Hollywood cristão comprometido e um bioquímico cristão comprometido que permanecerem não convencidos por causa de certas objeções ateístas ao argumento. Isso é lamentável, particularmente porque o argumento do ajuste-fino é provavelmente o mais poderoso argumento atual para a existência de Deus. Minha meta neste capítulo, portanto, é tornar o argumento do ajuste-fino tão forte quanto possível. Isto envolverá desenvolver o argumento de modo tão objetivo e rigoroso quanto pudermos e, então, responder às maiores objeções ateístas a ele. Antes de nos lançarmos a isto, no entanto, precisaremos fazer uma distinção preliminar.

 

A. Distinção Preliminar

         Para desenvolver rigorosamente o argumento do ajuste-fino, ser-nos-á útil distinguir entre o que eu chamarei de a hipótese ateísta do universo-único e a hipótese ateísta dos muitos-universos. De acordo com a hipótese ateísta do universo-único, há somente um universo e é, em última instância, um fato inexplicável e “bruto” que o universo exista e seja finamente ajustado. Muitos ateus, no entanto, advogam outra hipótese, pela qual se tenta explicar como o aparentemente improvável ajuste-fino do universo poderia ser o resultado do acaso. Essa hipótese é conhecida como a hipótese ateísta dos muitos-mundos, ou hipótese ateísta dos muitos-universos. De acordo com esta hipótese, existe o que poderia ser imaginativamente pensado como um “universo gerador” que produz um número muito grande ou infinito de universos, com cada universo tendo um conjunto aleatoriamente selecionado de condições e valores iniciais para os parâmetros da física. Porque esse gerador produz tantos universos, por puro acaso, ele produzirá eventualmente um que seja finamente ajustado para a vida inteligente ocorrer.

 

Plano do Capítulo

         Abaixo, usaremos esta distinção entre a hipótese ateísta do universo-único e a hipótese ateísta dos muitos-universos para apresentar dois argumentos separados para o teísmo baseados no ajuste-fino: um que argumenta que o ajuste-fino fornece fortes razões para se preferir o teísmo em vez da hipótese ateísta do universo-único e um que argumenta que deveríamos preferir o teísmo em vez da hipótese ateísta dos muitos-universos. Desenvolveremos o argumento contra a hipótese ateísta do universo-único na Seção II, abaixo, referindo-o como o argumento central. Então, responderemos às objeções a este argumento central na Seção III e, finalmente, desenvolveremos o argumento para se preferir o teísmo em vez da hipótese ateísta dos muitos-universos na Seção IV. Um apêndice é também incluído, que elabora e justifica, ainda mais, uma das premissas-chave do argumento central apresentado na Seção III.

 

 

II. ARGUMENTO CENTRAL RIGOROSAMENTE FORMULADO

 

Princípio Geral de Raciocínio Usado

 

O Princípio Explicado

         Formularemos o argumento do ajuste-fino contra a hipótese ateísta do universo-único nos termos do que eu chamo de primeiro princípio de confirmação. O primeiro princípio de confirmação é um princípio geral de raciocínio que nos diz quando alguma observação conta como evidência em favor de uma hipótese em lugar de outra. Colocado de forma simples, o princípio diz que, sempre que estivermos considerando duas hipóteses concorrentes, uma observação conta como evidência em favor da hipótese na qual a observação tenha probabilidade mais alta (ou seja menos improvável). (Ou, colocado de forma ligeiramente diferente, o princípio diz que, sempre que estivermos considerando duas hipóteses concorrentes, H1 e H2, uma observação, O, conta como evidência em favor de H1 em lugar de H2, se O for mais provável em H1 do que é em H2.) Além disso, o grau em que a evidência conta em favor de uma hipótese em lugar de outra é proporcional ao grau em que a observação é mais provável em uma hipótese do que em outra.2 Por exemplo, o ajuste-fino é muito, muito mais provável no teísmo do que na hipótese ateísta do universo-único, logo, ele conta como evidência mais forte para o teísmo do que para esta hipótese ateísta. Na principal subseção seguinte, apresentaremos uma interpretação mais formal e elaborada do argumento do ajuste-fino nos termos do primeiro princípio. Antes, no entanto, vamos ver um par de ilustrações do princípio e, então, apresentar algum suporte para ele.

 

Ilustrações Adicionais do Princípio

         Para nossa primeira ilustração, suponha que eu estivesse caminhando nas montanhas e encontrasse, debaixo de certo penhasco, um grupo de rochas arranjadas numa formação que claramente formasse o padrão “Bem-vindo às montanhas, Robin Collins”. Uma hipótese é a de que, por acaso, apenas aconteceu de as rochas estarem arranjadas nesse padrão ― em última instância, talvez, por causa de certas condições iniciais do universo. Suponha que a única hipótese alternativa viável seja que o meu irmão, que esteve nas montanhas antes de mim, arranjou as rochas dessa maneira. Muitos de nós tomaríamos imediatamente o arranjo das rochas como sendo forte evidência em favor da hipótese do “irmão” em lugar da hipótese do “acaso”. Por quê? Porque nos parece extremamente improvável que as rochas fossem arranjadas desse modo pelo acaso, mas nem um pouco improvável que meu irmão as tivesse colocado nessa configuração. Assim, pelo primeiro princípio de confirmação, concluiríamos que o arranjo das rochas sustenta fortemente a hipótese do “irmão” em lugar da hipótese do acaso.

         Ou considere outro caso, o de achar as impressões digitais do réu na arma do crime. Normalmente, tomaríamos tal achado como forte evidência de que o réu seja culpado. Por quê? Porque julgamos que seria inverossímil que essas impressões digitais estivessem na arma do crime se o réu fosse inocente, mas não inverossímil se o réu fosse culpado. Isto é, passaríamos pelo mesmo tipo de raciocínio que no caso acima.

 

Suporte para o Princípio

         Várias coisas poderiam ser ditas em favor do primeiro princípio de confirmação. Primeiro, muitos filósofos pensam que este princípio pode ser derivado do que é conhecido como cálculo de probabilidade, o conjunto de regras matemáticas que tipicamente se assume governar a probabilidade. Segundo, não parece haver qualquer caso de raciocínio reconhecidamente bom que viole este princípio. Finalmente, o princípio parece ter um amplo alcance de aplicabilidade, subjazendo a muitos dos nossos raciocínios na ciência e na vida cotidiana, como os exemplos acima ilustrados. Com efeito, tem-se mesmo alegado que uma versão ligeiramente mais geral deste princípio subjaz a todos os raciocínios científicos. Por causa de todas estas razões em favor do princípio, podemos estar bem confiantes nele.

 

Desenvolvimento Adicional do Argumento

         Para desenvolver ainda mais a versão central do argumento do ajuste-fino, resumiremos o argumento listando explicitamente suas duas premissas e sua conclusão:

 

Premissa 1. A existência do ajuste-fino não é improvável no teísmo.

Premissa 2. A existência do ajuste-fino é muito improvável na hipótese ateísta do universo-único.

Conclusão: Das premissas (1) e (2) e do primeiro princípio de confirmação, segue-se que os dados do ajuste-fino fornecem forte evidência a favor da hipótese do desígnio em lugar da hipótese ateísta do universo-único.

         Neste ponto, deveríamos fazer uma pausa para notar duas características deste argumento. Primeiro, o argumento não diz que a evidência do ajuste-fino prova que o universo foi projetado, ou mesmo que é provável que o universo fosse projetado. A fim de justificar esses tipos de alegações, teríamos de olhar para todo o alcance da evidência, tanto pró como contra a hipótese do desígnio, algo que não estamos fazendo neste capítulo. Antes, o argumento meramente conclui que o ajuste-fino sustenta fortemente o teísmo em lugar da hipótese ateísta do universo-único.

         Desse modo, a evidência do argumento do ajuste-fino é muito parecida com as impressões digitais achadas na arma: embora estas possam fornecer forte evidência de que o réu cometeu o crime, não se poderia concluir meramente, a partir delas apenas, que o réu seja culpado; também se teriam de olhar para todas as outras evidências oferecidas. Talvez, por exemplo, dez testemunhas confiáveis alegassem ter visto o réu em uma festa na hora do tiro. Nesse caso, as impressões digitais ainda contariam como significativa evidência de culpa, mas essa evidência seria contrabalançada pelo relato das testemunhas. Similarmente, a evidência do ajuste-fino sustenta fortemente o teísmo em lugar da hipótese ateísta do universo-único, apesar de ela mesma não mostrar que tudo o que é considerado teísmo seja a explicação mais plausível do mundo. Não obstante, como eu defendo na conclusão deste capítulo, a evidência do ajuste-fino fornece um argumento muito mais forte e mais objetivo para o teísmo (em lugar da hipótese ateísta do universo-único) do que o mais forte argumento ateísta o faz contra o teísmo.

         A segunda característica do argumento que devemos notar é que, dada a verdade do primeiro princípio de confirmação, a conclusão do argumento se segue das premissas. Especificamente, se as premissas do argumento são verdadeiras, então estamos garantidos de que a conclusão é verdadeira: isto é, o argumento é o que os filósofos chamam de válido. Assim, na medida em que possamos mostrar que as premissas do argumento são verdadeiras, teremos mostrado que a conclusão é verdadeira. Nossa próxima tarefa, portanto, é tentar mostrar que as premissas são verdadeiras, ou, pelo menos, que temos fortes razões para acreditar nelas.

 

Suporte para as Premissas

 

Suporte para a Premissa (1)

         A premissa (1) é fácil de sustentar e bastante incontroversa. O argumento em suporte a ela pode ser simplesmente expresso como segue: uma vez que Deus é um ser todo-bom, e que para os seres inteligentes e conscientes é bom existir, não é surpreendente ou improvável que Deus criasse um mundo que pudesse sustentar a vida inteligente. Assim, o ajuste-fino não é improvável no teísmo, como a premissa (1) assevera.

 

Suporte para a Premissa (2)

         Ao olhar para os dados, muitas pessoas acham bem óbvio que o ajuste-fino seja altamente improvável na hipótese ateísta do universo-único. E é fácil ver o porquê, quando pensamos no ajuste-fino nos termos das analogias oferecidas anteriormente. Na analogia do alvo de dardos, por exemplo, as condições iniciais do universo e os parâmetros fundamentais da física são pensados como um alvo de dardos que preenche toda a galáxia e as condições necessárias para a vida existir, como uma pequena mosca de trinta centímetros de largura. Por conseguinte, a partir dessa analogia, parece óbvio que seria altamente improvável o ajuste-fino ocorrer na hipótese ateísta do universo-único ― isto é, o dardo acertar a mosca por acaso.

         Tipicamente, os advogados do argumento do ajuste-fino se satisfazem em repousar a justificação da premissa (2), ou algo parecido com ela, sobre esse tipo de analogia. Muitos ateus e teístas, no entanto, questionam a legitimidade desse tipo de analogia e, assim, acham o argumento não convincente. Para essas pessoas, o Apêndice deste capítulo oferece uma rigorosa e objetiva justificação da premissa (2) usando princípios padrão do raciocínio probabilístico. Entre outras coisas, no processo de justificar rigorosamente a premissa (2), responderemos efetivamente à comum objeção ao argumento do ajuste-fino de que, como o universo é um evento único e irrepetível, não podemos atribuir significativamente uma probabilidade para ele ser finamente ajustado.

 

 

III. ALGUMAS OBJEÇÕES À VERSÃO CENTRAL

        

Por mais poderosa que seja a versão central do argumento do ajuste-fino, várias objeções importantes foram levantadas a ela, tanto por ateus como por teístas. Nesta seção, consideraremos, por sua vez, estas objeções.

 

Objeção 1: Objeção da Lei Mais Fundamental

         Uma crítica ao argumento do ajuste-fino é a de que, até onde sabemos, poderia haver uma lei mais fundamental, sob a qual os parâmetros da física devem ter os valores que têm. Assim, dada tal lei, não é improvável que os parâmetros conhecidos da física caiam dentro do intervalo permissivo à vida.

         Além de ser inteiramente especulativo, o problema de se postular tal lei é que isso simplesmente move a improbabilidade do ajuste-fino para um nível acima, para o das próprias leis físicas postuladas. Segundo essa hipótese, o que é improvável é que todas as leis físicas fundamentais concebíveis poderiam existir, o universo apenas acontece de ter aquelas que constrangem os parâmetros da física a uma maneira permissiva à vida. Assim, tentar explicar o ajuste-fino postulando esse tipo de lei fundamental é como tentar explicar por que o padrão das rochas embaixo do penhasco escreve “Bem-vindo às montanhas, Robin Collins” postulando que um terremoto ocorreu e que todas as rochas na face do penhasco foram arranjadas na configuração exatamente certa para cair dentro do padrão em questão. Claramente, essa explicação meramente transfere a improbabilidade para um nível acima, já que parece enormemente improvável que, de todas as configurações possíveis nas quais as rochas poderiam estar na face do penhasco, elas estejam naquela que resulta no padrão “Bem-vindo às montanhas, Robin Collins”.

         Um tipo similar de resposta pode ser dado à alegação de que o ajuste-fino não é improvável porque deve ser logicamente necessário que os parâmetros da física tenham valores permissivos à vida. Isto é, de acordo com esta alegação, os parâmetros da física devem ter valores permissivos à vida, do mesmo modo que 2 + 2 deve ser igual a 4, ou que os ângulos internos de um triângulo devem somar 180 graus na geometria euclidiana. Tal como a “lei mais fundamental” proposta acima, no entanto, este postulado simplesmente transfere a improbabilidade para um nível acima: de todas as leis e parâmetros da física que concebivelmente poderiam ter sido logicamente necessários, parece altamente improvável que seriam aqueles que são permissivos à vida.3

 

Objeção 2: Objeção das Outras Formas de Vida

         Outra objeção que as pessoas comumente levantam ao argumento do ajuste-fino é a de que, até onde nós sabemos, outras formas de vida poderiam existir, mesmo se os parâmetros da física fossem diferentes. Logo, alega-se, o argumento do ajuste-fino acaba pressupondo que todas as formas de vida inteligente devam ser parecidas conosco. A resposta a esta objeção é que muitos casos do ajuste-fino não assumem este pressuposto. Considere, por exemplo, o caso do ajuste-fino da força nuclear forte. Se ela fosse ligeiramente maior ou menor, não poderiam existir outros átomos além do hidrogênio. Ao contrário do que se poderia ver em Jornada nas Estrelas, uma forma de vida inteligente não pode ser composta meramente de gás hidrogênio: simplesmente, não há complexidade estável suficiente. Logo, em geral, o argumento do ajuste-fino pressupõe apenas que a vida inteligente exige algum grau de complexidade organizada estável e reprodutível. Esta é, certamente, uma suposição muito razoável.

 

Objeção 3: Objeção do Princípio Antrópico

         De acordo com a versão fraca do assim chamado princípio antrópico, se as leis da natureza não fossem finamente ajustadas, nós não estaríamos aqui para comentar sobre o fato. Alguns argumentaram, portanto, que o ajuste-fino não é realmente improvável ou surpreendente no ateísmo, mas que simplesmente se segue do fato de que nós existimos. A resposta a essa objeção é simplesmente reafirmar o argumento nos termos da nossa existência: a nossa existência, como seres corporais e inteligentes, é extremamente inverossímil na hipótese ateísta do universo-único (uma vez que a nossa existência exige o ajuste-fino), mas não improvável no teísmo. Logo, nós simplesmente aplicamos o primeiro princípio de confirmação para tirar a conclusão de que a nossa existência confirma fortemente o teísmo em lugar da hipótese ateísta do universo-único.

         Para ilustrar ainda mais esta resposta, considere a seguinte analogia do “pelotão de fuzilamento”. Como aponta John LESLIE (1988, p. 304), se, dos cinquenta atiradores de elite, todos me errarem, a resposta “se eles não me errassem eu não estaria aqui para considerar o fato” não é adequada. Em vez disso, eu concluiria naturalmente que houve alguma razão pela qual todos eles erraram, como a de que eles realmente nunca intentaram me matar. Por que eu concluiria isso? Porque a minha existência continuada seria muito improvável na hipótese de que eles me erraram por acaso, mas não improvável na hipótese de que houve alguma razão pela qual me erraram. Assim, pelo primeiro princípio de confirmação, minha existência continuada confirma fortemente a última hipótese.

 

Objeção 4: Objeção do “Quem Projetou Deus?”

         Talvez a objeção mais comum que os ateus levantam ao argumento a partir do desígnio, do qual o argumento do ajuste-fino é uma instância, é a de que postular a existência de Deus não resolve o problema do desígnio, mas meramente o transfere para um nível acima. O ateu George SMITH, por exemplo, alega que

Se o universo é maravilhosamente projetado, seguramente, Deus é ainda mais maravilhosamente projetado. Ele deve, portanto, ter tido um projetista ainda mais maravilhoso do que Ele é. Se Deus não requer um projetista, então não há razão pela qual uma coisa relativamente menos maravilhosa, como o universo, precise de um. (1980, p. 56.)

         Ou, como o filósofo J. J. C. SMART expõe a objeção:

Se nós postulamos Deus em adição ao universo criado, aumentamos a complexidade da nossa hipótese. Nós temos toda a complexidade do próprio universo e temos, em adição, a pelo menos igual complexidade de Deus. (O projetista de um artefato deve ser pelo menos tão complexo quanto o artefato projetado) ... Se o teísta pudesse mostrar ao ateu que postular Deus realmente reduz a complexidade da visão de mundo total de alguém, então o ateu deveria ser um teísta. (pp. 275-276; itálico meu)

         A primeira resposta à objeção ateísta acima é salientar que a alegação do ateu, de que o projetista de um artefato deve ser tão complexo quanto o artefato projetado, certamente não é óbvia. Mas eu acredito que sua alegação tem alguma plausibilidade intuitiva: por exemplo, no mundo que experimentamos, a complexidade organizada parece ser produzida somente por sistemas que já a possuam, tal como o cérebro/a mente do ser humano, uma fábrica, ou um pai biológico de organismos.

         A segunda, e melhor, resposta é salientar que, no máximo, a objeção ateísta só funciona contra uma versão do argumento do desígnio que alega que toda complexidade organizada necessita de uma explicação e que Deus é a melhor explicação da complexidade organizada encontrada no mundo. A versão do argumento que eu apresentei contra a hipótese ateísta do universo-único, no entanto, só exigia que o ajuste-fino fosse mais provável no teísmo do que na hipótese ateísta do universo-único. Mas essa exigência ainda seria satisfeita, mesmo se Deus exibisse tremenda complexidade interna, excedendo em muito a do universo. Assim, mesmo se concedêssemos a suposição ateísta de que o projetista de um artefato deve ser tão complexo quanto o artefato, o ajuste-fino ainda nos daria fortes razões para preferirmos o teísmo em lugar da hipótese ateísta do universo-único.

         Para ilustrar, considere a exemplo da “biosfera” em Marte, apresentado no começo deste artigo. Como mencionado acima, a existência da biosfera seria muito mais provável na hipótese de que uma vida inteligente alguma vez visitou Marte, do que na hipótese do acaso. Assim, pelo primeiro princípio de confirmação, a existência de tal “biosfera” constituiria forte evidência de que uma vida inteligente extraterrestre esteve alguma vez em Marte, mesmo que essa vida alienígena tivesse de ser provavelmente muito mais complexa do que a própria “biosfera”.

         A resposta final que os teístas podem dar a esta objeção é mostrar que uma supermente, tal como Deus, não exigiria um alto grau de complexidade organizada inexplicada para criar o universo. Embora eu tenha apresentado esta resposta em outro lugar (manuscrito não publicado), apresentá-la aqui está além do escopo deste capítulo.

 

 

IV. A HIPÓTESE DOS MUITOS-UNIVERSOS

 

A Hipótese Ateísta dos Muitos-Universos Explicada

         Em resposta à explicação teísta do ajuste-fino do cosmos, muitos ateus ofereceram uma explicação alternativa, que eu chamarei de hipótese ateísta dos muitos-universos. (Na literatura, ela é muito comumente referida como hipótese dos Muitos Mundos, embora eu acredite que este nome seja algo enganoso.) De acordo com esta hipótese, há um número muito grande ― talvez infinito ― de universos, com os parâmetros fundamentais da física variando de universo para universo.4 É claro que, na vasta maioria desses universos, os parâmetros da física não teriam valores permissivos à vida. Não obstante, em uma pequena proporção de universos, eles o seriam e, consequentemente, não é tão improvável que existam universos como o nosso, que sejam finamente ajustados para a vida ocorrer.

         Os advogados desta hipótese oferecem vários tipos de modelos acerca de onde esses universos vieram. Apresentaremos os que são provavelmente os dois mais populares e plausíveis, os assim chamados modelos de flutuação do vácuo e os modelos do big bang oscilante. De acordo com os modelos de flutuação do vácuo, o nosso universo, juntamente com esses outros universos, foram gerados por flutuações quânticas em um superespaço pré-existente (p. ex., veja Quentin SMITH, 1986, p. 82). Imaginativamente, pode-se pensar nesse superespaço pré-existente como um oceano infinitamente extenso, cheio de sabão, e cada universo gerado desse superespaço, como uma bolha de sabão que espontaneamente se forma no oceano.

         O outro modelo, o modelo do Big Bang oscilante, é uma versão da teoria do Big Bang. De acordo com a teoria do Big Bang, o universo veio à existência em uma “explosão” (isto é, um “bang”), em algum momento entre 10 e 15 bilhões de anos atrás. De acordo com a teoria do Big Bang oscilante, o nosso universo eventualmente colapsará de volta sobre si mesmo (o que é chamado de “Big Crunch”) e, então, desse “Big Crunch”, surgirá outro “Big Bang”, formando um novo universo, o qual, por sua vez, colapsará sobre si mesmo e assim por diante. De acordo com os que usam este modelo para tentar explicar o ajuste-fino, durante cada ciclo, os parâmetros da física e as condições iniciais do universo são reiniciadas aleatoriamente. Uma vez que esse processo de colapso, explosão, colapso e explosão vem acontecendo por toda a eternidade, eventualmente um universo finamente ajustado ocorrerá, com efeito, infinitamente muitos deles.

         Na próxima seção, listaremos várias razões para se rejeitar a hipótese ateísta dos muitos-universos.

 

Razões para se Rejeitar a Hipótese dos Muitos-Universos

 

Primeira razão

         A primeira razão para se rejeitar a hipótese ateísta dos muitos-universos e preferir a hipótese teísta é a seguinte regra geral: tudo o mais sendo igual, nós deveríamos preferir as hipóteses para as quais tenhamos evidência independente, ou que sejam extrapolações naturais do que nós já sabemos. Vamos primeiro ilustrar e apoiar este princípio e, então, aplicá-lo ao caso do ajuste-fino.

         Muitos de nós consideramos a existência dos ossos de dinossauro como evidência muito forte de que os dinossauros existiram no passado. Mas suponha que um cético a respeito dos dinossauros alegasse que poderia explicar os ossos, postulando um “campo-produtor-de-ossos-de-dinossauro” que simplesmente materializou os ossos em pleno ar. Além disso, suponha ainda que, para evitar objeções, tais como a de que não há leis físicas conhecidas que permitam tal mecanismo, o cético dos dinossauros simplesmente postulasse que nós ainda não descobrimos essas leis nem detectamos esses campos. Seguramente, nenhum de nós deixaria esta hipótese nos impedir de inferirmos a existência dos dinossauros. Por quê? Porque, embora ninguém tenha observado diretamente os dinossauros, nós temos experiência de outros animais que deixam para trás restos fossilizados e, assim, a explicação dos dinossauros é uma extrapolação natural da nossa experiência comum. Em contrapartida, para explicar os ossos de dinossauro, o cético dos dinossauros inventou um conjunto de leis físicas e um conjunto de mecanismos que não são uma extrapolação natural de qualquer coisa que nós conheçamos ou experimentemos.

         No caso do ajuste-fino, nós já sabemos que as mentes frequentemente produzem dispositivos finamente ajustados, tais como os relógios suíços. Postular Deus ― uma supermente ― como a explicação do ajuste-fino, portanto, é uma extrapolação natural do que nós já observamos as mentes fazerem. Em contrapartida, é difícil ver como a hipótese ateísta dos muitos-universos poderia ser considerada uma extrapolação natural do que nós observamos. Além disso, diferentemente da hipótese ateísta dos muitos-universos, nós temos alguma evidência experiencial para a existência de Deus, qual seja, a experiência religiosa. Assim, pelo princípio acima, deveríamos preferir a explicação teísta do ajuste-fino em lugar da explicação ateísta dos muitos-universos, tudo o mais sendo igual.

 

Segunda razão

        Uma segunda razão para se rejeitar a hipótese ateísta dos muitos-universos é que o “gerador de muitos-universos” parece que precisaria ser projetado. Por exemplo, em todas as propostas atuais elaboradas para o que este “gerador de universo” poderia ser ― como os modelos do big bang oscilante e da flutuação do vácuo, explicados acima ―, o próprio “gerador” é governado por um complexo conjunto de leis físicas que lhe permitem produzir os universos. Parece lógico, portanto, que, se essas leis fossem ligeiramente diferentes, o gerador provavelmente não estaria apto a produzir quaisquer universos que pudessem sustentar a vida. Afinal de contas, mesmo a minha máquina de pão foi feita da maneira certa a fim de funcionar devidamente, e ela só produz filões de pães, não universos! Ou, considere um dispositivo tão simples quanto uma ratoeira: ela requer que todas as partes, como a mola e o martelo, estejam arranjadas da maneira certa a fim de funcionar. É duvidoso, portanto, se a teoria ateísta dos muitos-universos pode eliminar inteiramente o problema do desígnio de diante dos ateus; antes, pelo menos em alguma extensão, ela parece simplesmente mover o problema do desígnio para um nível acima.5

 

Terceira razão

Uma terceira razão para se rejeitar a hipótese ateísta dos muitos-universos é a de que o gerador de universo não deve somente selecionar os parâmetros da física aleatoriamente, mas deve realmente criar ou selecionar aleatoriamente as próprias leis da física. Isto faz essa hipótese parecer mesmo mais forçada, uma vez que é difícil ver qual mecanismo físico possível poderia selecionar ou criar leis.

A razão pela qual o “gerador de muitos-universos” deve selecionar aleatoriamente as leis da física é que, assim como os valores certos para os parâmetros da física são necessários para a vida ocorrer, o conjunto certo de leis também é necessário. Se, por exemplo, certas leis da física fossem perdidas, a vida seria impossível. Por exemplo, sem a lei da inércia, que garante que as partículas não disparem a altas velocidades, a vida provavelmente seria impossível (LESLIE, Universos, p. 59.) Outro exemplo é a lei de gravidade: se as massas não atraíssem umas às outras, não haveria planetas ou estrelas e, mais uma vez, parece que a vida seria impossível. Ainda outro exemplo é o Princípio de Exclusão de Pauli, o princípio da mecânica quântica que diz que dois férmions ― tais como elétrons ou prótons ― não podem compartilhar o mesmo estado quântico. Como aponta o proeminente físico de Princeton, Freeman DYSON [Perturbando o Universo, p. 251], sem esse princípio, todos os elétrons colapsariam no núcleo e, assim, os átomos seriam impossíveis.

 

Quarta razão

A quarta razão para se rejeitar a hipótese ateísta dos muitos-universos é a de que ela não pode explicar outras características do universo que parecem exibir desígnio manifesto, enquanto que o teísmo o pode. Por exemplo, muitos físicos, como Albert Einstein, observaram que a as leis básicas da física exibem um grau extraordinário de beleza, elegância, harmonia e ingenuidade. O ganhador do Prêmio Nobel, Steven Weinberg, por exemplo, devota um capítulo inteiro do seu livro Sonhos de uma Teoria Final (capítulo 6, “Belas Teorias”) a explicar como os critérios de beleza e elegância são comumente usados para guiar os físicos a formularem as leis certas. Na verdade, um dos mais proeminentes físicos teóricos deste século, Paul DIRAC, chegou ao ponto de afirmar que “é mais importante ter beleza nas equações do que adaptá-las à experimentação” (1963, p. 47).

Ora, tal beleza, elegância e ingenuidade fazem sentido, se o universo foi projetado por Deus. Na hipótese ateísta dos muitos-universos, no entanto, não há razão para se esperar que as leis fundamentais sejam elegantes ou belas. Como escreve o físico teórico Paul DAVIES, “Se a natureza é tão ‘inteligente’ para explorar mecanismos que nos surpreendem com sua ingenuidade, não é isto persuasiva evidência para a existência do desígnio inteligente por trás do universo? Se as melhores mentes do mundo só podem desvendar com dificuldade as obras mais profundas da natureza, como se poderia supor que estas obras fossem meramente um acidente dementado, um produto do acaso cego?” (Superforça, pp. 235-36.)

 

Razão Final

Isto nos traz à razão final para se rejeitar a hipótese ateísta dos muitos-universos, que pode ser a mais difícil de apreender: a saber, nem a hipótese ateísta dos muitos-universos (nem a hipótese ateísta do universo-único) pode, no presente, contar adequadamente para o improvável arranjo inicial de matéria no universo, exigido pela segunda lei da termodinâmica. Para ver isto, note que, de acordo com a segunda lei da termodinâmica, a entropia do universo é constantemente crescente. A maneira padrão de se compreender este aumento da entropia é dizer que o universo está indo de um estado de ordem para desordem. Observamos este aumento da entropia todo o tempo em torno de nós: coisas, como um quarto de criança, que começam altamente organizadas, tendem a “decair” e se tornar desorganizadas, a menos que algo ou alguém intervenha para pará-las.

Ora, com o propósito de ilustração, poderíamos pensar no universo como um tabuleiro de scrabble, que inicialmente começa num estado altamente ordenado, em que todas as letras estão arranjadas formando palavras, mas que fica, cada vez mais, aleatoriamente sacudido. Lentamente, o tabuleiro, como o universo, move-se de um estado de ordem para desordem. O problema, para o ateu, é explicar como o universo poderia ter começado num estado altamente ordenado, uma vez que é extraordinariamente improvável que tal estado ocorresse por acaso.6 Se, por exemplo, despejasse-se um monte de letras ao acaso no tabuleiro de scrabble, seria muito improvável que a maioria delas formasse palavras. No máximo, esperaríamos grupos de letras formando palavras em poucos lugares no tabuleiro.

Ora, nossa questão é: Poderia a hipótese ateísta dos muitos-universos explicar o alto grau de ordem inicial do nosso universo pela alegação de que, dados universos o bastante, eventualmente surgirá um que seja ordenado e no qual a vida ocorra e, logo, que não é surpresa que nos encontremos num universo ordenado? O problema com essa explicação é que é esmagadoramente mais provável se formarem trechos locais de ordem em um ou dois lugares, do que o universo inteiro ser ordenado, assim como é esmagadoramente mais provável poucas letras formarem palavras no tabuleiro de scrabble, do que todas as letras, por todo o tabuleiro, aleatoriamente formarem palavras. Assim, a esmagadora maioria dos universos em que ocorre a vida serão aqueles nos quais a vida inteligente estará rodeada por um pequeno trecho de ordem necessária para a sua existência, mas nos quais o resto do universo está desordenado. Consequentemente, mesmo na hipótese ateísta dos muitos-universos, ainda seria enormemente improvável que seres inteligentes se encontrassem num universo tal como o nosso, que é altamente ordenado por toda parte. (Veja SKLAR, capítulo 8, para uma revisão das explicações não teístas para o arranjo ordenado do universo e as severas dificuldades que elas enfrentam.)

 

Conclusão

Mesmo que as críticas acima não refutem definitivamente a hipótese ateísta dos muitos-universos, mostram que ela tem algumas severas desvantagens em relação ao teísmo. Isso significa que, se os ateus adotam a hipótese ateísta dos muitos-universos para defender sua posição, então o ateísmo se tornou muito menos plausível do que costumava ser. Modificando um pouco a frase cunhada pelo filósofo Fred Dretske: estes são tempos inflacionários e o custo do ateísmo acaba de subir.

 

 

V. CONCLUSÃO GERAL

 

Nas seções acima, mostramos que temos boas e objetivas razões para alegar que o ajuste-fino fornece forte evidência para o teísmo. Primeiro, apresentamos um argumento para se pensar que o ajuste-fino fornece forte evidência para se preferir o teísmo em vez da hipótese ateísta do universo-único e, então, apresentamos uma variedade de diferentes razões para se rejeitar a hipótese ateísta dos muitos-universos como uma explicação do ajuste-fino. A fim de ajudar a apreciar a força dos argumentos que apresentamos, eu gostaria de terminar comparando a força da versão central do argumento do ajuste-fino com o que é amplamente considerado o mais forte argumento ateísta contra o teísmo, o argumento a partir do mal.7

Tipicamente, o argumento ateísta contra Deus baseado no mal toma uma forma similar à versão central do argumento do ajuste-fino. Essencialmente, o ateu argumenta que a existência do tipo de males que encontramos no mundo é muito improvável no teísmo, mas não improvável no ateísmo. Assim, pelo primeiro princípio de confirmação, eles concluem que a existência do mal fornece fortes razões para se preferir o ateísmo em vez do teísmo.

O que torna este argumento fraco em comparação à versão central do argumento do ajuste-fino é que, diferentemente do caso do ajuste-fino, o ateu não tem uma base objetiva significativa para alegar que a existência dos tipos de mal que encontramos no mundo seja altamente improvável no teísmo. De fato, seu julgamento de que ela é improvável parece, em grande parte, repousar sobre um erro de raciocínio. Para ver isto, note que, a fim de mostrar que ela é improvável, os ateus teriam de mostrar que é inverossímil que os tipos de males que encontramos no mundo sejam necessários para qualquer propósito moralmente bom e grandioso, uma vez que, se o forem, então, claramente, não é de todo inverossímil que um ser todo-bom e todo-poderoso criasse um mundo no qual esses males tivessem permissão de ocorrer. Mas como os ateus poderiam mostrar isso, sem, primeiro, examinar todos os bons propósitos moralmente possíveis que um ser possa ter, algo que eles claramente não fizeram? Consequentemente, parece, os ateus poderiam, no máximo, argumentar que, uma vez que ninguém veio com qualquer propósito adequado até hoje, é inverossímil que haja tal propósito. Este argumento, no entanto, é muito fraco, como mostrarei agora.

O primeiro problema com este argumento ateísta é que ele assume que as várias explicações que as pessoas ofereceram para um Deus todo-bom criar o mal ― tal como a teodiceia da livre vontade ―, em última instância, falham. Mas, mesmo se concedêssemos que essas teodiceias falham, o argumento ainda é muito fraco. Para ver o porquê, considere uma analogia. Suponha que alguém me diga que há uma cascavel no meu jardim, que eu examine uma porção do jardim e não ache a cobra. Eu somente estaria justificado em concluir que provavelmente não havia uma cobra no jardim se, ou: i) eu tivesse examinado pelo menos metade do jardim; ou ii) eu tivesse boas razões para acreditar que, se a cobra estivesse no jardim, provavelmente estaria na porção do jardim que eu examinei. Se, por exemplo, eu escolhesse aleatoriamente algum segmento pequeno do jardim para examinar e não achasse a cobra, eu estaria injustificado em concluir do meu exame que provavelmente não havia uma cobra no jardim. Similarmente, se eu estivesse de olhos vendados e não tivesse qualquer ideia de quão grande fosse o jardim (p. ex., se tinha 90 centímetros quadrados ou vários quilômetros quadrados), eu estaria injustificado em concluir que era improvável que houvesse uma cascavel no jardim, mesmo se eu o examinasse por horas com meus cães detectores de cascavel. Por quê? Por que eu não teria qualquer ideia de qual porcentagem do jardim eu tinha examinado.

Como no exemplo do jardim, nós não temos ideia de quão grande é o reino dos possíveis propósitos maiores para o mal que um ser todo-bom e onipotente poderia ter. Por isso, não sabemos qual proporção desse reino nós realmente examinamos. Com efeito, considerando a finitude das nossas próprias mentes, temos boas razões para acreditar que, até agora, só examinamos uma pequena proporção e temos pouca razão para acreditar que os propósitos que Deus deve ter para o mal estejam na proporção que nós examinamos. Assim, temos pequena base objetiva para dizer que a existência dos tipos de mal que encontramos no mundo seja altamente improvável no teísmo.

Da discussão acima, portanto, fica claro que as estimativas de relevante probabilidade no caso do ajuste-fino são muito mais seguras do que as estimativas no argumento ateísta a partir do mal, uma vez que, diferentemente deste último, nós podemos fornecer uma base bastante rigorosa e objetiva para elas, baseados em cálculos reais do intervalo relativo dos valores permissivos à vida para os parâmetros da física. (Veja o Apêndice deste capítulo para uma rigorosa derivação da probabilidade do ajuste-fino na hipótese ateísta do universo-único). Assim, concluo, o argumento central para se preferir o teísmo em vez da hipótese ateísta do universo-único é muito mais forte do que o argumento ateísta a partir do mal.

 

 

APÊNDICE 

Neste apêndice, oferecemos um rigoroso suporte para a premissa (2) do nosso argumento principal: isto é, a alegação de que o ajuste-fino é muito improvável na hipótese ateísta do universo-único. Nosso suporte para a premissa (2) envolverá três subseções principais. Nossa primeira subseção será devotada a explicar o ajuste-fino da gravidade, desde que frequentemente usaremos isso para ilustrar nossos argumentos. Então, em nossa segunda subseção, mostraremos como a improbabilidade do ajuste-fino na hipótese ateísta do universo-único pode ser derivada de um princípio padrão e objetivo de raciocínio chamado princípio da indiferença. Finalmente, em nossa terceira subseção, explicaremos o que poderia significar dizer que o ajuste-fino é improvável, dado que o universo é um evento único e irrepetível, como assumido pela hipótese ateísta do universo-único. O apêndice, com efeito, responderá à comum objeção ateísta de que os teístas não podem nem justificar a alegação de que o ajuste-fino é improvável na hipótese ateísta do universo-único, nem podem fornecer um relato do que possivelmente poderia significar dizer que o ajuste-fino é improvável.

 

i. O Exemplo da Gravidade

A força de gravidade é determinada pela lei de Newton F = Gm1m2/r2. Aqui, G é o que é conhecido como constante gravitacional e é basicamente um número que determina a força da gravidade em qualquer circunstância dada. Por exemplo, a atração gravitacional entre a lua e a Terra é dada, primeiro, multiplicando a massa da lua (m1) vezes a massa da Terra (m2) e, então, dividindo pela distância entre elas ao quadrado (r2). Finalmente, multiplica-se este resultado pelo número G para se obter a força total. Claramente, a força é diretamente proporcional a G: por exemplo, se G fosse o dobro, a força entre a lua e a Terra seria o dobro.

Na seção prévia, reportamos que alguns cálculos indicam que a força de gravidade deve ser finamente ajustada em uma parte em 10 à quadragésima potência, a fim de que a vida ocorra. O que tal ajuste-fino significa? Para compreendê-lo, imagine um sintonizador de rádio, que vai de 0 a 2G0, onde G0 representa o valor atual da constante gravitacional. Além disso, imagine que o sintonizador esteja quebrado acima das 1040 ― que é dez mil bilhões, bilhões, bilhões, bilhões ― de marcas de escala uniformemente espaçadas. Alegar que a força de gravidade deve estar finamente ajustada em uma parte em 1040 é simplesmente alegar que, a fim de que a vida exista, a constante de gravidade não possa variar sequer uma marca, ao longo do sintonizador, de seu valor atual de G0.

 

ii. O Princípio da indiferença

Nas subseções seguintes, usaremos o princípio da indiferença para justificar a asserção de que o ajuste-fino é altamente improvável na hipótese ateísta do universo-único.

 

a. O Princípio Declarado

Aplicado aos casos em que haja um número finito de alternativas, o princípio da indiferença pode ser formulado como a alegação de que deveríamos atribuir a mesma probabilidade para as que são chamadas alternativas equipossíveis, onde duas ou mais alternativas são ditas equipossíveis se não tivermos nenhuma razão para preferir uma das alternativas em vez de quaisquer outras. (Em outra versão do princípio, as alternativas que são relevantemente simétricas são consideradas equipossíveis e, por isso, às quais poderiam ser atribuídas igual probabilidade.) Por exemplo, no caso de uma moeda padrão de dois lados, nós não temos mais razão para pensar que a moeda cairá em cara do que cairá em coroa e, então, atribuímos a cada um dos lados uma probabilidade igual. Uma vez que a probabilidade total deve somar um, isso significa que a moeda tem uma chance de 0,5 de cair cara e uma chance de 0,5 de cair coroa. Similarmente, no caso de um dado padrão de seis lados, nós não temos mais razão para pensar que ele cairá em um lado, digamos um 6, do que em qualquer outro número, como um 4. Assim, o princípio da indiferença nos diz para atribuir, a cada maneira possível de cair, uma probabilidade igual ― qual seja, de 1/6.

A explicação do princípio dada acima se aplica somente quando há um número finito de alternativas, por exemplo, seis lados em um dado. No caso do ajuste-fino, no entanto, as alternativas não são finitas, mas formam uma magnitude contínua. O valor de G, por exemplo, poderia concebivelmente ter sido qualquer número entre 0 e a infinidade. Ora, as magnitudes contínuas são normalmente pensadas em termos de intervalos, áreas ou volumes, dependendo de se estamos ou não considerando uma, duas, três ou mais dimensões. Por exemplo, a quantidade de água em um copo de 230ml poderia estar em qualquer lugar dentro do intervalo de 0ml a 230ml, tal como 177,8063ml. Ou, a exata posição em que um dardo acerta um alvo pode estar em qualquer lugar dentro da área do alvo. Com algumas qualificações a ser discutidas abaixo, o princípio da indiferença se torna, no caso contínuo, o princípio de que, quando não temos nenhuma razão para preferir qualquer valor de um parâmetro em vez de outro, deveríamos atribuir probabilidades iguais para intervalos, áreas ou volumes iguais. Assim, por exemplo, suponha que se arremesse, sem mira, um dardo num alvo. Assumindo que o dardo acerta o alvo, qual é a probabilidade dele acertar na mosca? Uma vez que o dardo é arremessado sem mira, não temos mais razão para acreditar que ele acertará uma parte do alvo do que qualquer outra parte. O princípio da indiferença, portanto, diz-nos que a probabilidade dele acertar na mosca é a mesma que a probabilidade dele acertar qualquer outra parte do alvo de área igual. Isso significa que a probabilidade dele acertar na mosca é simplesmente a razão da área da mosca pelo resto do alvo. Assim, por exemplo, se a mosca forma só 5% da área total do alvo, então a probabilidade dele acertar na mosca será de 5%.

 

b. Aplicação ao Ajuste-Fino

No caso do ajuste-fino, não temos mais razão para pensar que os parâmetros da física caem dentro do intervalo permissivo à vida do que em qualquer outro intervalo, considerada a hipótese ateísta do universo-único. Assim, de acordo com o princípio da indiferença, a intervalos iguais destes parâmetros deveriam ser atribuídas probabilidades iguais. Como no caso do alvo mencionado na última seção, isto significa que a probabilidade dos parâmetros da física caírem dentro do intervalo permissivo à vida na hipótese ateísta do universo-único é simplesmente a razão do intervalo dos valores permissivos à vida (a “área da mosca”) pelo intervalo relevante total dos valores possíveis (a “área relevante do alvo”).

Ora, os físicos podem fazer estimativas aproximadas do intervalo dos valores permissivos à vida para os parâmetros da física, como discutido acima, no caso da gravidade, por exemplo. Mas qual é o “intervalo relevante total dos valores possíveis”? Primeiramente, pode-se pensar que esse intervalo é infinito, uma vez que os valores dos parâmetros poderiam ser, concebivelmente, qualquer coisa. Isso, no entanto, não é correto, pois, embora o intervalo de valores possíveis possa ser infinito, para a maioria desses valores, nós não temos nenhuma maneira de estimar se eles são permissivos à vida ou não. Nós não sabemos verdadeiramente, por exemplo, o que aconteceria se a gravidade fosse 1060 vezes mais forte do que o seu valor atual: até onde sabemos, uma nova forma de matéria deveria vir à existência, que poderia sustentar a vida. Assim, até onde sabemos, poderia haver outros intervalos permissivos à vida muito distantes dos valores atuais que os parâmetros têm. Consequentemente, tudo o que podemos dizer é que o intervalo permissivo à vida é muito, muito pequeno em relação ao limitado intervalo de valores para os quais podemos fazer estimativas, um intervalo que referiremos, daqui em diante, como intervalo “iluminado”.

Felizmente, no entanto, essa limitação não afeta o argumento geral. A razão é que, baseados no princípio da indiferença, podemos ainda dizer que é muito improvável que os valores para os parâmetros da física caíssem no intervalo permissivo à vida, em vez de em alguma outra parte do intervalo “iluminado”.8 E esta improbabilidade é tudo o que é realmente necessário para o nosso argumento principal funcionar. Para ver isto, considere uma analogia. Suponha que um dardo tenha caído na mosca, no centro de um enorme alvo. Ademais, suponha que essa mosca seja rodeada por uma área de mosca, livre e vazia, muito grande. Mesmo se houvesse muitas outras moscas no alvo, ainda consideraríamos o fato de o dardo cair na mosca, em vez de em alguma outra parte da área vazia rodeando a mosca, como forte evidência de que ele foi mirado. Por quê? Porque raciocinaríamos que, dado que o dardo caiu na área vazia, seria muito improvável que ele caísse na mosca por acaso, mas não improvável se ele foi mirado. Assim, pelo primeiro princípio de confirmação, poderíamos concluir que o dardo cair na mosca confirma fortemente a hipótese de que ele foi mirado, em vez da hipótese do acaso.

 

c. O Princípio Qualificado

Aqueles que estão familiarizados com o princípio da indiferença e com a matemática reconhecerão que uma importante qualificação necessita ser feita para o relato dado acima acerca de como aplicar o princípio da indiferença. (Aqueles que não são matematicamente adeptos devem querer pular este e talvez o próximo parágrafos.) Para compreender a qualificação, note que a razão dos intervalos usados para calcular a probabilidade é dependente de como se parametrizam, ou se escrevem, as leis físicas. Por exemplo, suponha, por motivo de ilustração, que o intervalo dos valores permissivos à vida para a constante gravitacional seja 0 para G0 e que o intervalo “iluminado” dos valores possíveis para G seja de 0 a 2G0. Então, a razão dos valores permissivos à vida pelo intervalo dos valores possíveis “iluminados”, para a constante gravitacional, será de ½. Suponha, no entanto, que alguém escreva a lei de gravidade na forma matematicamente equivalente F = 

m1m2/r2, em vez de F = Gm1m2/r2, onde U = G2. (Nesta maneira de escrever a lei de Newton, U se torna a nova constante gravitacional.) Isso significa que U0 = G02, onde U0, como G0, representa o valor real de U no nosso universo. Então, o intervalo de valores permissivos à vida seria de 0 a U0 e o intervalo “iluminado” dos valores possíveis seria de 0 a 4 U0 na escala U (que é equivalente a de 0 a 2G0 na escala G). Por isso, calcular a razão dos valores permissivos à vida usando a escala U, em vez da escala G, produz uma razão de ¼, em vez de ½. Com efeito, para qualquer razão que se escolha ― tal como uma na qual o intervalo permissivo à vida seja cerca do mesmo tamanho que o intervalo “iluminado” ― existem formas matematicamente equivalentes da lei de Newton que produzirão esta razão. Então, por que escolher a maneira padrão de escrever a lei de Newton para calcular a razão, em vez de uma na qual o ajuste-fino não seja de todo improvável?

A resposta a essa questão é exigir que a proporção usada para calcular a probabilidade seja entre intervalos, áreas e volumes físicos reais, não meramente representações matemáticas deles. Isto é, a proporção dada pela escala usada na representação deve corresponder diretamente às proporções atualmente existentes na realidade física. Como ilustração, considere como devemos calcular a probabilidade de que um meteorito caia no estado de Nova York, em vez de em qualquer outro lugar no norte, contíguo aos Estados Unidos. Uma maneira de fazer isto é tomar um mapa padrão do norte, contíguo aos Estados Unidos, medir a área coberta por Nova York no mapa (digamos, 13 centímetros quadrados) e dividi-la pela área total do mapa (digamos, 200 centímetros quadrados). Se fizéssemos isso, obteríamos aproximadamente a resposta certa, porque as proporções num mapa padrão correspondem diretamente às proporções reais das áreas de terra nos Estados Unidos.9 Por outro lado, suponha que temos um mapa feito por algum amante da costa Leste, no qual, por causa da escala usada, a costa Leste ocupe metade do mapa. Se usássemos as proporções das áreas como representadas por este mapa, obteríamos a resposta errada, uma vez que a escala usada não corresponderia às proporções reais das áreas de terra. Aplicado ao ajuste-fino, isso significa que os nossos cálculos dessas proporções deve ser feitos usando parâmetros que correspondam diretamente às quantidades físicas, a fim de produzirem probabilidades válidas. No caso da gravidade, por exemplo, a constante gravitacional G corresponde diretamente à força entre duas unidades de massa por uma unidade de distância, enquanto que U não o faz. (Em vez disso, U corresponde ao quadrado da força.) Assim, G é o parâmetro correto a se usar para calcular a probabilidade.10

 

d. Suporte para o Princípio

Finalmente, embora o princípio da indiferença tenha sido criticado em vários níveis, diversas razões poderosas podem ser oferecidas para sua solidez, se for restrito à maneira explicada na última subseção. Primeiro, ele tem um alcance extraordinariamente amplo de aplicabilidade. Como nota Roy WEATHERFORD, em seu livro Fundamentos Filosóficos da Teoria da Probabilidade, “um número espantoso de problemas extremamente complexos na teoria da probabilidade foram resolvidos, e muito utilmente, por cálculos baseados inteiramente na suposição das alternativas equiprováveis [isto é, no princípio da indiferença]” (p. 35). Segundo, ao princípio pode ser dado um forte fundamento teórico na teoria da informação, sendo derivável da importante e bem conhecida medida de Shannon da informação, ou entropia negativa (SKLAR, p. 191; VAN FRAASSEN, p. 345.). Finalmente, em certos casos cotidianos, o princípio da indiferença parece a única justificação que temos para atribuir a probabilidade. Para ilustrar, suponha que, nos últimos dez minutos, uma fábrica produziu o primeiro dado de cinquenta lados jamais antes produzido. Ademais, suponha que cada lado do dado seja (macroscopicamente) perfeitamente simétrico a todos os outros lados, exceto por haver números diferentes impressos em cada lado. (O dado que estamos imaginando é como um dado regular de seis lados, exceto que ele tem cinquenta lados, em vez de seis.) Ora, todos nós sabemos imediatamente que, ao ser rolado, a probabilidade do dado cair em qualquer lado é de uma em cinquenta. Porém, não sabemos isto diretamente a partir da experiência com o dado de cinquenta lados, uma vez que, por hipótese, ninguém ainda rolou tais dados para determinar a frequência relativa com que caem em cada lado. Antes, parece que a nossa única justificação para atribuir esta probabilidade é o princípio da indiferença: isto é, considerando que cada lado do dado seja macroscopicamente simétrico a todos os outros lados, não temos razão para acreditar que o dado cairá em um lado mais do que em qualquer outro lado e, assim, atribuímos a todos eles uma probabilidade igual, de uma em cinquenta.11 

 

iii. O Significado da Probabilidade

         Na última seção, usamos o princípio da indiferença para justificar rigorosamente a alegação de que o ajuste-fino é altamente improvável sob a hipótese ateísta do universo-único. Não explicamos, no entanto, o que poderia significar dizer que ele é improvável, especialmente considerando que o universo seja um evento único e irrepetível. Para abordar essa questão, vamos mostrar, agora, como a probabilidade invocada no argumento do ajuste-fino pode ser francamente compreendida, tanto como o que poderia ser chamado de probabilidade clássica, quanto como o que é conhecido como probabilidade epistêmica.

 

Probabilidade Clássica

         A concepção clássica da probabilidade define a probabilidade em termos da razão do número de “casos favoráveis” pelo número total de casos equipossíveis. (Veja WEATHERFORD, capítulo 2.) Assim, por exemplo, dizer que a probabilidade de um dado cair em “4” é de 1/6 é simplesmente dizer que o número de maneiras como um dado poderia cair em “4” é 1/6 do número de maneiras equipossíveis em que ele poderia cair. Estendendo essa definição ao caso contínuo, a probabilidade clássica pode ser definida em termos da razão relevante de intervalos, áreas ou volumes nos quais o princípio da indiferença se aplique. Assim, sob essa definição estendida, dizer que a probabilidade dos parâmetros da física caírem dentro do valor permissivo à vida é muito improvável significa simplesmente que a razão dos valores permissivos à vida pelo intervalo de valores possíveis é muito, muito pequena. Finalmente, repare que esta definição da probabilidade implica o princípio da indiferença e, assim, podemos estar certos de que o princípio da indiferença se sustenta para a probabilidade clássica.

 

Probabilidade Epistêmica

         A probabilidade epistêmica é um tipo amplamente reconhecido de probabilidade que se aplica a alegações, declarações e hipóteses ― isto é, ao que os filósofos chamam de proposições.12 Aproximativamente, a probabilidade epistêmica de uma proposição pode ser pensada como o grau de crédito ― isto é, o grau de confiança ou crença ― que racionalmente podemos ter na proposição. Colocado diferentemente, a probabilidade epistêmica é uma medida do nosso grau de crença, numa condição de ignorância, quanto a se a proposição é verdadeira ou falsa. Por exemplo, quando se diz que a teoria da relatividade especial é provavelmente verdadeira, faz-se uma afirmação de probabilidade epistêmica. Afinal de contas, a teoria é, realmente, ou verdadeira ou falsa. Mas não sabemos ao certo se é verdadeira ou falsa, então dizemos que é provavelmente verdadeira, para indicar que devemos colocar mais confiança em ser ela verdadeira do que em ser falsa. É também comumente argumentado que a probabilidade em um lance de moeda é melhor compreendida como um caso de probabilidade epistêmica. Uma vez que o lado em que a moeda cairá é determinado pelas leis da física, argumenta-se que a nossa atribuição de probabilidade é simplesmente uma medida das nossas expectativas racionais concernentes ao lado em que a moeda cairá.

         Além da probabilidade epistêmica simples, os filósofos também falam do que é conhecido como probabilidade epistêmica condicional de uma proposição sobre outra. (Uma proposição é qualquer alegação, asserção, declaração ou hipótese acerca do mundo.) A probabilidade epistêmica condicional de uma proposição R sobre outra proposição S ― escrita como P(R/S) ― pode ser definida como o grau em que a proposição S por si mesma nos levaria racionalmente a esperar que R seja verdadeira. Por exemplo, há uma alta probabilidade condicional de que choverá hoje na hipótese de que o meteorologista previu uma chance de 100% de chover, enquanto há uma baixa probabilidade condicional de que choverá hoje na hipótese de que o meteorologista tenha previsto somente uma chance de 2% de chover. Isto é, a hipótese de que o meteorologista previu uma chance de 100% de chover hoje nos levaria fortemente a esperar que choverá, enquanto a hipótese de que meteorologista tenha previsto 2% nos levaria a esperar que não choverá. Na concepção epistêmica da probabilidade, portanto, a declaração de que o ajuste-fino do Cosmos é muito improvável na hipótese ateísta do universo-único faz perfeito sentido: deve ser compreendida como fazendo uma declaração sobre o grau em que a hipótese ateísta do universo-único iria ou deveria, por si mesma, levar-nos a esperar o ajuste-fino cósmico.13

 

Conclusão

         A discussão acima mostra que temos, pelo menos, duas maneiras de compreender a improbabilidade invocada em nosso argumento principal: como probabilidade clássica, ou probabilidade epistêmica. Isto corta por baixo a comum objeção ateísta de que é sem sentido falar da probabilidade do ajuste-fino na hipótese ateísta do universo-único, uma vez que, nesta hipótese, o universo não é um evento repetível.

 

Conclusão do Apêndice

         Mostramos, neste Apêndice, que a alegação de que o ajuste-fino é muito improvável na hipótese ateísta do universo-único pode ser rigorosamente justificada.

 

 

Referências

BARROW, John & TIPLER, Frank. The Anthropic Cosmological Principle [O princípio cosmológico antrópico]. Oxford: Oxford University Press, 1986.

DAVIES, Paul. The Accidental Universe [O universo acidental]. Cambridge: Cambridge University Press, 1982.

____________. Superforce: The Search for a Grand Unified Theory of Nature [Superforça: A busca por uma grande teoria unificada da natureza]. New York: Simon and Schuster, 1984.

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DAVIS, John Jefferson. “The Design Argument, Cosmic “Fine-tuning,” and the Anthropic Principle” [“O argumento do desígnio, ajuste-fino cósmico e princípio antrópico”]. The International Journal of Philosophy of Religion 22 (1987).

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Notas

1 Este trabalho foi tornado possível em parte por uma concessão do Instituto Discovery para o ano fiscal de 1997-1998.

2 Para os familiarizados com o cálculo de probabilidade, uma precisa declaração do grau no qual a evidência conta em favor de uma hipótese em lugar de outra pode ser dada nos termos da forma da probabilidade do Teorema de Bayes: isto é, P(H1/E)/P(H2/E) = [P(H1)/P(H2)] x [P(E/H1)P(E/H2)]. A versão geral do princípio afirmado aqui, porém, não exige a aplicabilidade ou a verdade do teorema de Bayes.

3 Aqueles que têm algum treino em teoria da probabilidade vão querer notar que o tipo de probabilidade invocada aqui é a que os filósofos chamam de probabilidade epistêmica, que é uma medida do grau de crença racional que devemos ter em uma proposição. (Veja Apêndice, subseção III.) Uma vez que o nosso grau de crença racional em uma verdade necessária pode ser menor que 1, podemos sensivelmente falar de ser improvável que uma dada lei da natureza exista necessariamente. Por exemplo, podemos falar de uma hipótese matemática não provada ― como a conjectura de Goldbach de que todo número maior que 6 é a soma de dois primos ímpares ― como sendo provavelmente verdadeira ou provavelmente falsa, considerando nossa evidência atual, apesar de todas as hipóteses matemáticas serem, ou necessariamente verdadeiras, ou necessariamente falsas.

4 Defino um “universo” como qualquer região de espaço-tempo que seja desconectada de outras regiões, de tal maneira que os parâmetros da física nessa região possam diferir significativamente das outras regiões.

5 Além disso, o advogado da hipótese ateísta dos muitos-universos não poderia evitar este problema pela hipótese de que os muitos universos já existiam como um “fato bruto” sem ser produzidos por um gerador de universo. Isso simplesmente aumentaria o problema: não somente deixaria inexplicado o ajuste-fino ou o nosso próprio universo, mas deixaria inexplicada a existência desses outros universos.

6 A esta conexão entre ordem e probabilidade, e a segunda lei da termodinâmica em geral, é dada uma precisa formulação num ramo da física fundamental chamado mecânica estatística, segundo a qual um estado de alta ordem representa um estado muito improvável e um estado de desordem representa um estado altamente provável.

7 Uma discussão minuciosa do argumento ateísta a partir do mal é apresentada no capítulo de Daniel Howard-Snyder (pp. 76-115) e uma discussão de outros argumentos ateístas é dada no capítulo de John O’Leary-Hawthorn (pp. 116-34).

8 Na linguagem da teoria da probabilidade, esse tipo de probabilidade é conhecido como uma probabilidade condicional. No caso de G, cálculos indicam que essa probabilidade condicional do ajuste-fino seria menor que 1/1040, uma vez que o intervalo permissivo à vida é menor que 1/1040 do intervalo de 0 a 2G0, sendo este último intervalo certamente menor que o intervalo “iluminado” total para G.

9 Digo “aproximadamente certo” porque, neste caso, o princípio da indiferença só se aplica a faixas de terra que estejam à mesma distância do equador. A razão para isto é que só as faixas de terra equidistantes do equador são verdadeiramente simétricas com relação ao movimento da Terra. Uma vez que o norte, contíguo aos Estados Unidos, está todo a cerca da mesma distância do equador, a áreas de terra iguais deverão ser atribuídas probabilidades aproximadamente iguais.

10 Esta solução nem sempre funcionará, uma vez que, como ilustram os bem conhecidos Paradoxos Bertrand (p. ex., ver WEATHERFORD, p. 56), às vezes, há dois parâmetros igualmente bons e conflitantes que correspondem diretamente à quantidade física e aos quais o princípio da indiferença se aplica. Nestes casos, podemos dizer, no máximo, que a probabilidade é algo entre o que é dado pelos dois parâmetros conflitantes. Este problema, no entanto, tipicamente não parece surgir na maioria dos casos de ajuste-fino. Além disso, deve-se notar que o princípio da indiferença se aplica melhor à probabilidade clássica ou epistêmica, não a outros tipos de probabilidade tais como a frequência relativa. (Veja subseção (iii) abaixo.)

11 É claro que se poderia alegar que a nossa experiência com itens tais como moedas e dados nos ensinam que, sempre que duas alternativas são macroscopicamente simétricas, devemos atribuir a elas uma probabilidade igual, a menos que tenhamos uma razão particular para não fazê-lo. Tudo o que esta alegação implica, no entanto, é que temos justificação experimental para o princípio da indiferença e, assim, ela não retira do nosso ponto principal que, em certas situações práticas, devemos contar com o princípio da indiferença para justificar nossas atribuições de probabilidade.

12 Para uma discussão em profundidade da probabilidade epistêmica, veja SWINBURNE (1973), HACKING (1975) e PLANTINGA (1993), capítulos 8 e 9.

13 Deve-se notar, aqui, que esse grau racional de expectativa não deve ser confundido com o grau no qual se esperariam os parâmetros da física caírem dentro do intervalo permissivo à vida, se se acreditasse na hipótese ateísta do universo-único. Pois mesmo aqueles que acreditam nessa hipótese ateísta devem esperar que os parâmetros da física sejam permissivos à vida, uma vez que isto se segue do fato de que nós estamos vivos. Antes, a probabilidade epistêmica condicional, nesse caso, é o grau no qual a hipótese ateísta do universo-único, por si mesma, deveria nos levar a esperar que os parâmetros da física fossem permissivos à vida. Isso significa que, ao avaliar a probabilidade epistêmica condicional, nesse e em outros casos similares, devem-se excluir as contribuições para as nossas expectativas que surjam de outras informações que tenhamos, como a de que estamos vivos. No caso em questão, uma maneira de se fazer isso é por meio do seguinte tipo de experiência de pensamento. Imagine um ser incorpóreo com capacidades mentais e um conhecimento de física comparável ao dos mais inteligentes físicos vivos hoje, exceto que o ser não sabe se os parâmetros da física estão dentro do intervalo permissivo à vida. Ademais, suponha que esse ser incorpóreo acredite na hipótese ateísta do universo-único. Então, o grau em que o ser poderia racionalmente esperar que os parâmetros da física fossem permissivos à vida seria igual à nossa probabilidade epistêmica condicional, uma vez que a sua expectativa é unicamente resultado de sua crença na hipótese ateísta do universo-único, não em outros fatores tais como sua ciência da sua própria existência.