Leonardo da Vinci

O espírito entendido como vácuo entre os elementos

Leonardo da Vinci (1452-1519)

Extraído de:

Anotações de Da Vinci por ele mesmo, manuscritos de Leonardo da Vinci

Um espírito dentre os elementos: suas limitações

Dos espíritos

            Dissemos que a definição de um espírito é um poder unido a um corpo, pois sozinho ele não pode subir nem assumir qualquer espécie de movimento no espaço, e se você disser que ele sobe sozinho, não pode estar dentro dos elementos, pois se o espírito for uma quantidade incorpórea, essa quantidade é chamada de vácuo, e o vácuo não existe na natureza; e, pressupondo-se que um vácuo tenha sido formado, ele seria imediatamente preenchido pela precipitação do elemento no qual tal vácuo tenha sido gerado. Portanto, segundo a definição de peso, que diz que a gravidade é uma força acidental criada por um elemento que é atraído ou impelido em direção ao outro, conclui-se que qualquer elemento sem peso adquire peso passando para o elemento acima, que, por sua vez, é mais leve que ele. Vê-se que uma parte da água não tem gravidade nem leveza quando fundida na outra água, mas adquire peso se for atraída para o ar; e se se quiser atrair o ar pela água, então a água, encontrando-se acima deste ar, adquiriria peso, o qual não poderia suportar-se a si mesmo; daí seu colapso seria inevitável, e ele cairia na água, no ponto em que existe vácuo. O mesmo aconteceria a um espírito se ele estivesse em meio aos elementos nos quais geraria continuamente um vácuo em qualquer local em que estivesse, e por essa razão estaria continuamente voando em direção ao céu até abandonar esses elementos.

 

Se o espírito tem um corpo em meio aos elementos

            Já provamos que um espírito não pode existir sozinho em meio aos elementos sem um corpo, nem pode mover-se por movimento voluntário exceto em movimento de subida. E agora dizemos que tal espírito, ao assumir um corpo de ar, deve necessariamente misturar-se a este ar; e se ele se misturasse ao ar, duas dificuldades surgiriam: uma é que ele ficaria rarefeito naquela porção do ar em que ele se imiscuiu e, por tal motivo, o ar rarefeito voaria para cima, independente, e não ficaria com o ar mais pesado que ele; e, além disso, estando essa essência espiritual assim disseminada, ela se tornaria separada, e sendo sua natureza modificada, perderia parte de sua primeira força. Acrescentemos a essas, uma terceira dificuldade, que seria a de que esse corpo de ar, tomado do espírito, é exposto a ventos penetrantes que, incessantes, dilaceram e partem em pedaços as porções unidas do ar, revolvendo-as e fazendo-as girar no ar; portanto, o espírito infundido deste ar seria desmembrado ou rasgado, e partido com a dilaceração do ar no qual estava incorporado.

 

Se o espírito, tendo tomado um corpo de ar, pode se mover sozinho ou não

            É impossível que um espírito, infundido a uma certa quantidade de ar, tenha o poder de mover esse ar; e isto é comprovado anteriormente, quando dissemos que o espírito rarefaz aquela porção de ar na qual entrou; portanto, esse ar elevar-se-á acima do outro ar, e esse movimento será feito pelo ar por meio de sua própria leveza, e não por meio de um movimento voluntário do espírito; e se o ar confrontar-se com o vento, pela terceira parte desta exposição, o ar será movido pelo vento e não pelo espírito nele difundido.

 

Se o espírito pode falar ou não

            Se quisermos provar se o espírito pode ou não falar, será necessário, antes, definir o que é voz e como ela é gerada; descrevê-la-emos desta maneira: a voz é movimento de ar em atrito contra um corpo denso, ou de um corpo denso em atrito contra o ar – o que é a mesma coisa; e esse atrito do denso com o rarefeito condensa o rarefeito e causa resistência; alem disto, o rarefeito em movimento rápido e o rarefeito movendo-se lentamente condensam-se mutuamente no contato, e fazem um barulho ou um grande tumulto; e o som ou murmúrio causado por um rarefeito movendo-se por intermédio de outro em velocidade moderada é como uma grande chama que cria barulhos no ar. E o mais alto tumulto feito por um rarefeito com outro é quando aquele que se move rapidamente penetra o outro que não se move, como, por exemplo, a chama do fogo de um grande canhão lançando contra o ar; e também como a chama de uma nuvem que atinge o ar e produz relâmpagos.

            Podemos dizer, portanto, que o espírito não pode produzir uma voz sem movimento do ar; nele, em si, não há voz, e ele não pode emitir o que não possui; e se deseja mover o ar não qual está difundido, é necessário que o espírito multiplique-se, e aquilo que não se multiplica não tem quantidade. E na quarta parte é dito que nada rarefeito pode se mover, a menos que tenha um ponto estável de onde tirar esse movimento; e, mais ainda, no caso de um elemento movendo-se em seu próprio elemento, que não se move sozinho, exceto por evaporação uniforme no centro do algo evaporado: assim como ocorre com uma esponja espremida na mão que se encontra sob a água; a água escapa dela em todas as direções com igual movimento através das aberturas que surgem entre todos os dedos da mão que a espreme.

Se o espírito tem uma voz articulada, e se o espírito pode ser ouvido, e o que significa ouvir e ver; e como a onda da voz passa pelo ar e como as imagens de objetos passam para o olho.

            Não pode existir voz se não há movimento ou choque do ar; não pode haver choque do ar se não há instrumento; não pode haver instrumento sem um corpo; isto posto, um espírito não pode possuir voz, ou forma, ou força; e se ele assumir um corpo, ele não pode penetrar ou entrar através de portas que estão fechadas... E se alguém dissesse que através do ar se compõe e se comprime um espírito, podendo assumir corpos de várias formas e por meio de tal instrumento poder falar e se mover com força, a este eu respondo que onde não há nem nervos nem ossos, não pode haver nenhuma força exercida em qualquer movimento realizado por espíritos imaginários.

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