Jornal da Comunidade sobre Filosofia, em texto

Motivações para cursar Filosofia

JORNAL DA COMUNIDADE

Brasília, 6 a 12 de janeiro de 2007

 

EDUCAÇÃO

 

Carreira reedita o verso

Mora na Filosofia

 

Os cursos que formam filósofos têm atraído um grande número de estudantes porque, além de fortalecer o lado intelectual dos alunos, oferecem várias oportunidades de colocação profissional, o que garante para o setor um índice quase zero de desemprego 

Carlos Oliveira

cantonio@jornaldacomunidade.com.br

   

A Filosofia tem, desde a Grécia antiga, instigado muita gente e, nos dias de hoje, ainda mobiliza uma legião de candidatos a filósofos que além do desejo de fortalecer o lado intelectual, quer aproveitar as oportunidades oferecidas pela profissão.

         Pelo menos é o que garante a professora Areolenes Curcino, a diretora da Faculdade IESCO, instituição de ensino que mais forma filósofos em Brasília, que acrescenta: “O índice de desemprego nessa carreira é quase zero”.

         Segundo Areolenes, a disciplina voltou a ser obrigatória na educação básica, mas faltam professores, “tanto é que os nossos ex-alunos que passaram nos concursos da Fundação Educacional dão aulas também na rede privada”.

         Ainda segundo ela, de uma média de 50 filósofos formados por semestre na IESCO, quase todos arranjam emprego antes de concluírem o curso. “Além disso, quem escolhe Filosofia dificilmente não se apaixona por ela”.

         O coordenador do curso de Filosofia da IESCO, professor Albeiro Mejia Trujillo, lista quais são as oportunidades de trabalho para um filósofo atualmente. “Além do magistério, há muitas empresas que estão contratando esses profissionais para atuarem nas áreas gerenciais. Elas estão descobrindo nos filósofos um perfil muito amplo”, destaca. Esse profissional, diz o professor, não é aquele que executa operações mecânicas, mas é o que tem uma visão de mundo ampliada.

         Outra possibilidade para quem trabalha nessa área, explica Trujillo, é a interdisciplinaridade. “No Brasil, por exemplo, encontramos um caso particular: a maioria dos grandes críticos de literatura é filósofo”, informa o professor.

         Também, acrescenta ele, há filósofos que atuam na área do Direito, da Física, das Relações Internacionais, da Ciência Política, da Matemática e da Educação. “Estas são algumas das interfaces da Filosofia. O filósofo navega com muita facilidade por essas áreas”, afirma.

         Ao contrário do que muitos têm afirmado, existem, na opinião do professor Trujillo, grandes possibilidades de novas reflexões filosóficas a respeito da humanidade. “Penso que há muito mais na Filosofia moderna do que desdobramentos e revisões do que foi escrito pelos gregos. Acho que sempre há como se desenvolver um pensamento novo”, diz. Aí está, de acordo com o professor, uma outra possibilidade para filósofos que pretendam ser pesquisadores, acadêmicos.

         “Entendo que a Filosofia não se esgota, ela absorve a vida. Tudo que é humano, que envolve o universo humano, quando falamos de conhecimento, é passível de análise e interpretações filosóficas”, pondera o coordenador.

         Um bom exemplo de mudanças na humanidade, que precisa de muita análise, para Albeiro Trujillo, é a questão da tecnologia. “O desenvolvimento tecnológico e suas consequências na sociedade necessitam de muita reflexão. Acredito, portanto, que há muitas coisas para serem analisadas por filósofos hoje, e sempre haverá”.

 

Perfil de filósofo

         Existem algumas pessoas, segundo o professor Trujillo, que, com certeza, deveriam fazer esse curso. “O próprio significado do nome Filosofia, que é amigo da sabedoria, é um grande convite”, pondera.

         Então, dessa forma, detalha o professor, quem for muito inquieto mentalmente, que gosta de questionar, interagir, com outras áreas de conhecimento, que não pretende simplesmente decorar fórmulas, mas que goste de construir conhecimento, esse deve ser filósofo.

         Há pessoas, conta Trujillo, que percebem o gosto pela Filosofia quando estão em outros cursos e fazem matérias de abrangência filosófica. “Tenho um aluno que deixou o curso de Direito quase no final e passou a fazer Filosofia”, relata.

         Outro caso interessante, relata ele, foi o de uma aluna que se formou em Letras, mas não conseguiu atuar nessa área. “Ela começou a cursar Filosofia e arranjou um emprego, ainda no 1º ano de formação filosófica”

 

Histórias de muita paixão

         Uma das histórias mais interessantes em relação ao gosto pela Filosofia é a de Luiz Gustavo Oliveira dos Santos. Ele cursou Direito até o 4º semestre, depois fez alguns semestres de Física na Universidade de Brasília (UnB), mas largou tudo para ser um filósofo. “Eu tive um verdadeiro contato com a Filosofia no início do curso de Direito, apesar de já ter visto alguma coisa no Ensino Médio”. Segundo ele, essa disciplina chamou a atenção, principalmente porque incentivava a questionar os conteúdos e por causa da abrangência dos temas discutidos.

         Na opinião de Santos, na Filosofia todas as respostas admitem novas perguntas, pois, segundo ele, busca-se o fundamento das coisas. “Foi com essa empolgação que continuei o curso de Direito, mas percebi aos poucos que os limites se estreitavam”, relata. Ele reclama que os questionamentos sobre o porquê das coisas no Direito, geralmente tinham como resposta: porque é a lei. “Também percebi certas funções sociais e políticas das leis, que se prestam a garantir o status quo, com o que alguns professores concordavam”, destaca.

         Luiz Gustavo detalha como foi a sua trajetória, desde o Direito até a Filosofia. “Saí do curso e cheguei a fazer Física na UnB, pois, entre as leis humanas e as leis da natureza, as últimas pareciam mais razoáveis”. Porém, narra o estudante, devido a certas dificuldades para encaixar os horários, ele não pôde continuar na UnB. “Finalmente, eu me decidi pela Filosofia, uma paixão antiga, que nutria desde os grupos de estudos da disciplina no Ensino Médio. Agora, todas as leis e mesmo todos os temas são discutidos, da Ética até a Cosmologia, e pude vislumbrar até mais do que eu esperava no que se refere ao alcance das investigações filosóficas”.

         Depois dessa escolha, diz Santos, algumas pessoas estranharam sua iniciativa. “As escolhas que fiz após o contato com a Filosofia pareceram, para muitos, estranhas, para outros, acertadas”. Contudo, pondera o estudante, a verdade é que a Filosofia nos transforma, e deve mesmo começar pelo indivíduo para então afetar o meio. “Alguns valores atuais não convivem muito bem com o filósofo (e vice-versa), resultando em divergências de opinião com algumas pessoas. Mas isso é normal”, afirma.

 

Filosofia da Linguagem

         Outra história de amor pela Filosofia é a de Menzo da Silva, que é formado em Letras, e acha que os conceitos filosóficos são essenciais à sua atuação. “No meu caso específico, penso que esses conceitos estão mais voltados para a Filosofia da Linguagem, que é o ramo dessa ciência que estuda a essência e natureza dos fenômenos linguísticos”, diz. Ele, que atua como técnico de Nutrição no Hospital São Vicente de Paulo, faz o 3º semestre de Filosofia, na Faculdade IESCO.

         A Filosofia, para ele, é uma ciência especulativa, que trabalha com categorias abstratas, mas que obedecem a uma lógica extremamente rigorosa. “A qual somente o homem sábio domina, e que tem como tarefa delimitar uma concepção mínima de racionalidade”, define. É por isso que o estudante conclui e diz que escolheu se tornar um filósofo. Ele até cita, para enfatizar seu gosto por essa ciência, um pensamento do escritor e filósofo Carlos Rost, que diz: “A Filosofia é a capacidade de manter sempre em vista uma utopia que – como um horizonte – jamais será alcançada; mas que nos faz caminhar, ao invés de parar e ficar pastando feito cordeirinhos mansos à espera do abate”.