Tomás de Aquino

Por que o amor ao dinheiro é eticamente errado

Tomás de Aquino (1225-1274)

Extraído de:

Suma Teológica, part. 2, q. 118, art. 1 e 2, de Tomás de Aquino

A AVAREZA É PECADO?

Objeções pelas quais parece que a avareza não é pecado.

1. A avareza é algo como “avidez por metal”, porque consiste na ânsia pelo dinheiro, no qual estão representados todos os bens exteriores. Mas desejar os bens exteriores não é pecado, pois são desejados naturalmente, seja porque por sua natureza estão submetidos ao homem, seja porque mediante eles sustenta a sua vida; daí serem chamados “substância” do homem. Portanto, a avareza não é pecado.

2. Mais ainda: todo pecado é contra Deus, ou contra o próximo, ou contra si mesmo, como explicamos (1-2, q. 72, a. 4). Mas a avareza não é propriamente um pecado contra Deus, pois não se opõe nem à religião nem às virtudes teologais, pelas quais o homem se ordena a Deus. Tampouco é pecado contra si mesmo, o que pertence, falando com propriedade, à gula e à luxúria, da qual diz o Apóstolo [Paulo] em 1 Coríntios 6,18 que quem fornica peca contra seu próprio corpo. Igualmente, tampouco parece ser um pecado contra o próximo, porque a ninguém se faz injustiça retendo o que é próprio. Portanto, a avareza não é pecado.

3. E mais: o que acontece naturalmente não é pecado. Mas a avareza acompanha naturalmente a velhice e qualquer deficiência, como diz o Filósofo [Aristóteles] em Ética, IV. Portanto, a avareza não é pecado.

Ao contrário, está o que lemos em Hebreus últ,5: Seja a vida de vocês isenta de avareza, contentando-se com o que têm.

Solução. Deve-se dizer: O bem consiste sempre na medida justa; daí que o mal surge necessariamente por excesso ou por defeito de tal medida. Mas em tudo que se diz ordenado a um fim, o bem radica numa certa medida, pois os meios devem estar adaptados ao fim, como a medicina com respeito à saúde, segundo consta pelo Filósofo [Aristóteles], em Política, I. Dessa forma, os bens exteriores são meios úteis para o fim, como vimos (q. 117, a. 3; 1-2, q. 2, a. 1). Portanto, exige-se que o bem do homem nesses bens exteriores guarde uma certa medida, quer dizer, que o homem busque as riquezas exteriores mantendo certa proporção, na medida em que são necessários para a vida segundo sua condição. E, por conseguinte, o pecado se dá no excesso dessa medida, quando se querem adquirir e reter as riquezas ultrapassando a devida moderação. Isso é próprio da avareza, que é definida como o desejo desmedido de possuir. Portanto, é claro que a avareza é pecado.

Resposta às objeções: 1. À primeira, deve-se dizer: O desejo das coisas exteriores é natural ao homem enquanto meios para conseguir um fim. Por isso, enquanto se mantiver dentro dos limites impostos pelo fim, esse desejo não será pecaminoso. Mas a avareza ultrapassa esta regra e, portanto, é pecado.

2. À segunda, deve-se dizer: A avareza pode implicar imoderação nos bens exteriores de dois modos. Um, imediato, referido à aquisição e retenção dos mesmos, e se dá quando alguém os adquire e retém mais do que é devido. Neste aspecto, a avareza é pecado diretamente contra o próximo, porque um não pode nadar na abundância de riquezas exteriores sem que outro passe necessidade, pois os bens temporais não podem ser possuídos ao mesmo tempo por muitos. De um segundo modo, a avareza pode importar imoderação no afeto interior que se tem pelas riquezas, por exemplo, se alguém as ama ou deseja gozar delas desmedidamente. Então, a avareza é pecado contra si mesmo pelo que implica de desordem, não do corpo, como nos pecados carnais, mas dos afetos. Como consequência lógica, é pecado contra Deus, como todos os pecados mortais, na medida em que se deprecia o bem eterno por um bem temporal.

3. À terceira, deve-se dizer: As inclinações naturais devem ser regidas pela razão, que tem a supremacia na natureza humana. Portanto, embora os anciãos, pela deficiência de sua natureza, busquem com mais ansiedade a ajuda dos bens externos − como todo necessitado busca suprir sua indigência −, não estão por isso livres de pecado se excedem a justa medida da razão acerca das riquezas.

 

A AVAREZA É UM PECADO ESPECIAL?

Objeções pelas quais parece que a avareza não é um pecado especial.

1. Diz Santo Agostinho, em Do Livre-Arbítrio, III: A avareza, que em grego se chama “filargíria”, não deve ser entendida unicamente como o desejo da prata ou do dinheiro, e sim de qualquer coisa que se deseja imoderadamente. Mas em todo pecado se dá o desejo imoderado de algo: porque o pecado consiste em aderir a um bem caduco depreciando o bem imperecedouro, segundo vimos (1-2, q. 71, a. 6, arg. 3). Portanto, a avareza é pecado geral.

2. Mais ainda: segundo Santo Isidoro, em seu livro Etimol., o avaro é como o “ávido por metal”, quer dizer, pelo dinheiro; por isso em grego se chama “filargíria”, ou seja, “amor pela prata”. Mas o vocábulo “prata”, que é sinônimo de dinheiro, significa os bens exteriores, cujo valor se mede em dinheiro, conforme dito (q. 117, a. 2, ad. 2). Portanto, a avareza consiste no desejo de qualquer bem exterior. Em consequência, parece ser pecado geral.

3. E mais: comentando o texto de Romanos 7,7: Pois não conhecia a concupiscência, etc., diz a Glosa: A lei boa é a que, ao proibir a concupiscência, proíbe todo mal. Mas parece que a lei proíbe especialmente a concupiscência da avareza, ao dizer Êxodo 30,17: Não cobiçarás os bens alheios. Portanto, a concupiscência da avareza está em todo pecado. E assim, a avareza é um pecado geral.

Em contrário, está que em Romanos 1,29 é citada a avareza entre outros pecados especiais, quando diz: Cheios de toda iniquidade, maldade, fornicação, avareza, etc.

Solução. Deve-se dizer: Os pecados são especificados por seus objetos, como vimos (1-2, q. 72, a. 1). Mas o objeto do pecado é aquele bem para o qual tende o desejo desordenado. Portanto, onde haja uma razão especial de bem desejado desordenadamente, ali terá que se dar uma razão especial de pecado. Mas uma coisa é a razão de bem útil e outra, distinta, a do bem deleitável. As riquezas têm sua razão de bem útil, pois são desejadas porque servem para utilidade do homem. Portanto, a avareza é um pecado especial, porque é o amor desordenado por ter riquezas, que designamos com o nome de “dinheiro”, do qual provém a palavra “avareza” (arg. 2). Mas, como o verbo “ter”, numa primeira acepção, parece que se referia às riquezas das quais somos totalmente donos, e depois passou a significar muitas outras coisas − assim se diz que o homem tem saúde, mulher, veste, etc., segundo explica [Aristóteles] em Categorias −, como consequência lógica, também o nome de avareza se ampliou a todo desejo imoderado de ter qualquer coisa; é o que ensina São Gregório em uma Homilia: a avareza não se refere só ao dinheiro, mas também à ciência e à excelência, sempre que sejam ambicionados desmedidamente. E, nesse sentido, não seria pecado especial. Este é o modo como fala Santo Agostinho da avareza no texto citado.

Resposta às objeções: 1. À primeira, deve-se dizer: Fica solucionada com o que acabamos de expor.

2. À segunda, deve-se dizer: Todas as coisas exteriores utilizadas na vida humana ficam compreendidas sob o nome de “dinheiro”, na medida em que têm razão de bem útil. Mas há alguns bens exteriores que podem ser obtidos mediante dinheiro, como são os prazeres, honras e demais, os quais são desejáveis por outra razão. Portanto, o desejo deles não se chama propriamente avareza como pecado especial.

3. À terceira, deve-se dizer: A glosa citada fala da concupiscência desordenada por qualquer coisa. Com efeito, pode-se entender que, pela proibição da cobiça aos bens possuídos, fique também proibida a concupiscência por qualquer outra coisa que se consiga por esses bens.

—  TOMÁS DE AQUINO

Suma Teológica, parte 2, q. 118, a. 1-2.