O Sr. Valter, com 81 anos, viúvo há 2 anos, é levado por sua filha à UBS próxima de sua residência devido a emagrecimento (a filha relata perda de mais de 6 kg no último ano, peso evoluiu de 80kg para 74kg). O paciente se comunica bem com a médica que o atende, mas, parece estar repetitivo, perguntando mais de uma vez a mesma coisa.
Ele ficou o período da pandemia de COVID-19 morando sozinho, e agora sua filha percebeu que não estava bem e o trouxe para morar consigo. Seu principal sustento provém da aposentadoria (trabalhou na juventude como porteiro em um prédio de SP), mas nos últimos meses não tem conseguido “fechar” as contas de aluguel e de suas despesas mensais. Além disso, apresenta também choro fácil (inclusive na consulta) e perdeu o interesse em assistir o seu futebol na televisão, o que antes lhe dava muita alegria.
Na anamnese, foi relatada hipertensão arterial, aparentemente controlada, com o uso de captopril VO 12,5mg 8/8h. O paciente não fuma e nem faz uso de bebidas alcoólicas.
A médica, ao exame físico geral, constatou que o paciente tinha realmente sinais de perda ponderal. Ela também notou que ele tinha uma força de preensão palmar bastante reduzida, uma velocidade de marcha reduzida e uma dificuldade para sentar e levantar da cadeira.
Os sinais vitais eram: P: 76bpm, rítmico; PA: 140/80 mmHg; FR: 20 irpm, T.Ax: 36,2oC e a circunferência de sua panturrilha era de 20cm (VR>31cm). Não havia alterações no exame de cabeça e do pescoço, do tórax e do abdome. Há menos de seis meses tinha realizado exames laboratoriais, que mostraram: hemograma: sem anormalidades; glicose: 96mg/dL; creatinina: 1,2mg/dL; potássio: 4,2mEq/L; lipidograma: dentro da normalidade e vitamina B12 normal.
A médica utilizou o mnemônico dos “nove D’s” para uma melhor avaliação da perda de peso. Conversou então com sua filha, ponderando que, pelo fato dele apresentar Síndrome de Fragilidade, elas deveriam estar atentas ao risco aumentado de iatrogenias. Por isso, a médica não prescreveria medicamentos para a memória. Entretanto, estava cogitando algum tratamento e uma avaliação mais aprofundada sobre seu humor.
Ademais, objetivando um melhor diagnóstico diferencial, solicitou uma avaliação laboratorial da função tireodiana e uma Tomografia de Crânio.
ID: O Sr. Valter, com 81 anos
HIPÓTESES:
A perda de peso sem explicação pode ser explicada por por uma fragilidade do próprio envelhecimento mesmo sem causa orgânica de base.
A perda de peso progressiva, ao longo de meses, pode ser reflexo da evolução da fragilidade do idoso, que geralmente está acompanhada de perda de força e massa muscular, baixa energia para as atividades do dia a dia, marcha lentificada, tendência a quedas. Fundamentando a ideia de senescência.
Já se ela ocorrer de forma mais abrupta, pode ser um alerta para doenças que
caracterizam a senilidade.
o mnemônico dos “9 Ds” se referem a doenças relacionado A PERDA PONDERAL , como: depressão, dispepsia, diarréia, demência, dependência, doenças crônicas, …
Sr. Valter apresenta choro fácil e anedonia, com isso deve-se descartar a hipótese de doenças orgânicas, como hipotireoidismo.
PERGUNTAS:
Caracterize a síndrome de fragilidade, e seu impacto em idosos.
Qual a utilização clínica do mnemônico dos “9 Ds”?
Como avaliar a perda não intencional de peso e quais são as causas da mesma?
Quando a perda de peso passa a ser patológica?
Qual o manejo terapêutico para a síndrome de fragilidade?
Qual o rastreio para a síndrome de fragilidade( se atentar em idoso)?
Qual é a diferença entre demência e depressão?
Qual a avaliação para perda de peso involuntária?
O que pode levar ao aumento de iatrogenia em idosos?
Síntese Individual:
1.Caracterize a síndrome de fragilidade, e seu impacto em idosos.
A fragilidade passou a ser reconhecida como um estado de declínio multissistêmico das reservas homeostáticas que deixa os idosos em risco iminente de piora, muitas vezes catastrófica, de seu status de saúde, mesmo mediante eventos estressores considerados menores em idosos robustos. Caracteriza-se por uma trajetória progressiva de piora funcional, perda de reservas orgânicas e maior suscetibilidade a eventos agressores. Esses elementos interagem, formando um ciclo vicioso de declínio. Os eventos estressores costumam acarretar dependência funcional ou no mínimo uma queda da funcionalidade prévia com recuperação lenta (Figura 8.1).
FISIOPATOLOGIA
A fisiopatologia da fragilidade ainda não foi completamente elucidada. Seu estudo é dificultado pelo complexo caráter multidimensional da síndrome. O que existe até o momento é uma vasta descrição de elementos e alterações encontradas na fragilidade principalmente relacionados com disfunções nos sistemas endócrino, muscular e imunológico.
Contudo, o nexo causal preciso entre os mecanismos biológicos ainda não foi completamente esclarecido, bem como o gatilho que inicia o processo. O envelhecimento é marcado pelo acúmulo de diversos danos nos níveis celular e molecular, resultando em declínio fisiológico progressivo. Aumenta a chance de surgimento de doenças crônicas, que, por sua vez, causam incapacidades específicas e acabam contribuindo para os danos celulares, gerando um ciclo vicioso. De fato, na fragilidade acontece uma clara aceleração do decaimento funcional preexistente. No entanto, o limite entre as incapacidades ocasionadas pelo envelhecimento fisiológico e pelas doenças crônicas e aquelas referentes à fragilidade é muito difícil de diferenciar.
Nos últimos anos, algumas alterações moleculares e genéticas vêm sendo implicadas como a causa da grande heterogeneidade de trajetórias de envelhecimento dos indivíduos. Logo, a contribuição desses fatores para a fragilidade vem aumentando o interesse dos centros de pesquisa. Dentre esses fatores, vêm se destacando as repercussões do estresse oxidativo (com possibilidade de danos celulares diretos), do encurtamento telomérico (favorecendo a perda da integridade estrutural dos cromossomos), de determinados polimorfismos genéticos (geralmente relacionados com a imunidade) e dos defeitos no DNA mitocondrial (que, dentre outras consequências, favorecem a deficiência de adenosina trifosfato [ATP] e o aumento do estresse oxidativo). Essas alterações promovem a conexão entre a carga genética e o estilo de vida e o desencadeamento da fragilidade.
Os três sistemas orgânicos universalmente descritos como disfuncionais em idosos frágeis são o imunológico, o muscular e o neuroendócrino.
Alterações no eixo hipotalâmico-hipofisário provocam um perfil hormonal caracterizado pelo aumento da secreção basal de cortisol (assim como a pouca supressão após evento estressor) e os níveis baixos de fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1) e androgênios. O papel da vitamina D e do aumento da resistência à insulina nesse processo é menos consensual. O processo presente no envelhecimento, conhecido como inflammaging (estado inflamatório permanente e presente independentemente de estímulo agressor que ocorre em idosos) é nitidamente acentuado em indivíduos frágeis. Ocorre aumento das citocinas pró-inflamatórias, como interleucinas 1 (IL-1) e 6 (IL-6) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), além da elevação das proteínas de fase aguda, como a proteína C reativa (PCR), e da diminuição de citocinas anti-inflamatórias. Mudanças na distribuição de algumas subpopulações linfocitárias foram postuladas, mas ainda carecem de demonstração em seres humanos.
As alterações anteriormente descritas, as ocorreem em sistemas de integração do organismo, provocam efeitos deletérios de caráter global, mas apresentam relação ainda mais estreita com o declínio do sistema considerado o mais emblemático para as manifestações clínicas da fragilidade, o sistema locomotor. A sarcopenia, quase obrigatória em idosos frágeis, apresenta diversos pontos em comum, inclusive em critérios diagnósticos, com a fragilidade. O perfil hormonal tanto promove maior degradação de fibras musculares mediante o aumento do cortisol e a ativação do receptor 11βHSD1 como diminui a síntese de novas fibras pela baixa de androgênios e IGF-1.
O inflammaging também promove um estado de catabolismo muscular de maneira direta, como a apoptose de fibras musculares causada pela IL-6, ou de maneira indireta, sendo possível ressaltar a dificuldade do organismo de recuperar a musculatura em um contexto de desnutrição, promovida pelo aumento do TNF-α.
Vale ressaltar também que o sistema muscular não é elemento apenas passivo nesse processo. Já foi identificado que, nos estados de inatividade física, as próprias fibras musculares secretam níveis de IL-6 maiores que o habitual. Em última instância, essas alterações provocam piora tanto na quantidade como na qualidade das fibras musculares e consequentemente na capacidade física dos indivíduos, como mais bem exemplificado na Figura 8.2.
A fragilidade apresenta conexões em vários aspectos com a esfera cognitiva. O declínio cognitivo em idosos apresenta muitos fatores de risco em comum com o surgimento da fragilidade, e a prevalência de indivíduos com dois problemas é alta. Em parte, essa congruência de diagnósticos é explicada pelo modo como esses idosos realizam determinadas tarefas. Idosos frágeis tendem a ser mais lentificados e por isso apresentar pior desempenho em testes cognitivos, e idosos com demência tendem a desempenhar naturalmente menos atividade física.
Ademais, vem sendo descrito um conceito específico de fragilidade cognitiva como um declínio cognitivo leve na presença de fragilidade e na ausência de síndrome demencial específica. Essa descrição ressalta ainda o caráter no mínimo parcialmente reversível do quadro e, também, a importância de agir na esfera cognitiva de indivíduos frágeis como mais um recurso para prevenir as incapacidades presentes nesses idosos.
Apesar de a fisiopatologia da fragilidade não ter sido descrita precisamente, é importante reconhecer a diversidade de danos e agressões que podem desencadear a síndrome, assim como identificar os mecanismos biológicos que influenciam as manifestações clínicas. No entanto, muitas vezes é difícil identificar a fragilidade clinicamente, uma vez que as alterações mais descritas nos sistemas orgânicos causam sintomas gerais e inespecíficos, como hiporexia, astenia e perda de peso, os quais costumam ser comuns em outras condições ou mesmo relacionados com o envelhecimento em si. Por isso, frequentemente é necessário o uso de ferramentas para auxiliar a identificação da fragilidade.
hiporexia: falta de apetite no idoso
DIAGNÓSTICO
Como a síndrome da fragilidade não tem uma fisiopatologia clara e universalmente aceita, não surpreende que ainda não existam critérios diagnósticos consensuais na literatura que a definam. Uma das consequências dessa falta de consenso é a grande variação na prevalência de fragilidade entre os diversos estudos, oscilando de 4% a 59% dos idosos da comunidade. Por outro lado, em virtude de sua expressão clínica inespecífica, o uso de ferramentas é muito importante para o diagnóstico. Esses obstáculos dificultam a incorporação da fragilidade como preditora de desfechos desfavoráveis e sua potencial importância no planejamento das ações dos sistemas de saúde.
A falta de um conceito reconhecido como padrão prejudica também a aplicação rotineira na prática clínica, principalmente entre não especialistas. O caráter multidimensional da síndrome vem possibilitando, sobretudo nos últimos 10 anos, a criação, publicação e validação de numerosas ferramentas diagnósticas (pelo menos 70), explorando os mais diferentes aspectos. De maneira geral, essas ferramentas podem ser agrupadas em dois modelos básicos que focam em visões distintas da fragilidade: o modelo do fenótipo frágil e o modelo de acúmulo de déficits. O fenótipo frágil, modelo mais utilizado como padrão-ouro na literatura, foi publicado por Fried e cols. em 2001 com base nos resultados de uma grande coorte que envolveu mais de 5.000 idosos, o Canadian Health Study. Esse modelo enfatiza a dimensão funcional da fragilidade, salientando características clínicas comuns a indivíduos frágeis com a síndrome completa ou parcialmente estabelecida. Os cinco elementos considerados essenciais podem ser verificados no Quadro 8.1. Os idosos que apresentem um ou dois desses itens são considerados pré-frágeis; se três ou mais estiverem presentes, está estabelecido o diagnóstico de fragilidade.
O modelo de Fried recebe algumas críticas, principalmente relacionadas com a dificuldade de aplicação, na prática diária, de alguns de seus itens, como o nível de atividade física (com base na estimativa do gasto em quilocalorias de todas as atividades realizadas pelo idoso) e a fraqueza muscular (que necessita do pouco disponível dinamômetro para aferição da força de preensão palmar). Contudo, vale ressaltar que o enfoque no declínio funcional relacionado com o déficit muscular é o que norteia a visão que a maior parte dos geriatras tem desses pacientes. Rockwood e cols. (2007) desenvolveram um modelo matemático de diagnóstico, com uma visão multidomínio, embasado na probabilidade de o indivíduo apresentar fragilidade de acordo com o somatório de agressões que venha a sofrer, gerando um coeficiente denominado Frailty Index (FI). São considerados sinais, sintomas, incapacidades, exames laboratoriais e doenças, os quais são designados como déficits.
Esse modelo apresenta a vantagem de enxergar a fragilidade como um continum que necessita de mais cuidado e ação específica de acordo com o aparecimento dos déficits, apresentando uma abordagem mais dinâmica, diferentemente do modelo fenotípico, que enxerga os pacientes com um rótulo mais estático. O problema do modelo é exatamente o número de déficits pesquisados, que pode chegar a 90 (na versão inicial), tornando-se muitas vezes inviável na prática rotineira. Alguns autores que defendem o FI sugerem que esse problema pode ser superado com o uso de dados em prontuários eletrônicos com a identificação paulatina dos déficits.
De fato, apesar das divergências, ambos os modelos são capazes de predizer desfechos desfavoráveis e influenciar a tomada de decisões. Além disso, a convergência entre os pacientes diag-nosticados é grande. Em razão da maior abrangência de déficits pesquisados, o FI mostrou diagnosticar um grupo ligeiramente maior de pacientes em alguns estudos, e a já citada abordagem mais dinâmica promoveu influência maior na tomada de deci-sões e melhor distinção do grau de risco de cada paciente. Nos anos que se seguiram à publicação, foram criadas diversas esca-las com as mais variadas modificações, seja em uma abordagem mais voltada para a avaliação funcional (incluindo, por exem-plo, uma avaliação nutricional mais ampla), seja na identifica-ção de déficits alternativos. Com o intuito de aumentar a aplicabilidade do diagnóstico de fragilidade, principalmente na atenção primária, mas sem perder a acurácia, novas escalas tentaram algumas alternativas. Uma ten-tativa de tornar o fenótipo frágil mais facilmente identificável foi validada por Barreto e cols. em 2012. Eles elaboraram uma escala de quatro itens, condensando os critérios de Fried relacionados com a força muscular no critério “fraqueza”, substituíram a perda de peso por índice de massa corporal < 18,5kg/m2 e modificaram as demais perguntas para facilitar a compreensão.
A ferramenta SHARE-FI, que apresenta inclusive uma versão validada para maiores de 75 anos, conta com uma avaliação fenotípica de fácil realização (itens autorreferidos e análise de marcha), porém a combina com a busca de declínios nos domínios físico, sinto-mático, histórico de comorbidades e psicológico; para fornecer o resultado, é necessária uma calculadora específica. Já a escala de Edmonton (Quadro 8.2) tem uma abordagem que mistura a busca de déficits em uma visão multidomínio, porém um pouco mais concisa (cognitiva, social, funcional, histórico médico), com uma avaliação funcional/cognitiva no momento da consulta (teste Time to Get up and Go e desenho do relógio).
Além do diagnóstico, definido pela soma simples dos itens, o resultado gradua a fragilidade em termos de gravidade. A escala mostrou bom desempenho mesmo quando aplicada por não especialistas e já foi validada no Brasil.
2. Qual a utilização clínica do mnemônico dos “9 Ds”?
A mais utilizada, inclusive por outros serviços de geriatria brasileiros, é a de causas de emagrecimento a esclarecer em idosos. Os nove "D"s - Dentition, Disgeusia, Dysphagia, Diarrhea, Disease (chronic), Depression, Dementia, Dysfunction e Drugs (Dentição, Disgeusia, Disfagia (neoplasia, refluxo, sequelas de avc etc), Diarreia (neoplasias de colo etc), Doença crônica (dm em estado de poliúria), Depressão, Demência, Dependência e Drogas) - apresentam simplicidade quanto a sua aplicabilidade e memorização.
3. Como avaliar a perda não intencional de peso e quais são as causas da mesma?
A perda de peso constitui queixa comum no consultório, podendo ser o motivo da consulta em aproximadamente 8% dos casos ou se revelar durante a entrevista médica. Apresenta incidência de até 13% em pacientes ambulatoriais e de 50 a 65% nos institucionalizados.
A perda modesta de peso pode se dever a oscilações habituais no peso corporal ou ao processo fisiológico natural de envelhecimento. Considera-se involuntária e significativa a perda de 5% ou mais do peso corporal em seis a 12 meses, o que deve suscitar a busca por uma doença subjacente.
A perda de peso não intencional também é chamada de perda de peso involuntária ou não intencional. Este termo exclui a perda de peso como consequência esperada do tratamento (por exemplo, perda de peso devido à terapia diurética em pacientes com insuficiência cardíaca) ou como resultado de uma doença conhecida. A perda de peso clinicamente importante é geralmente definida como perda de mais de 5% do peso corporal normal ao longo de 6 a 12 meses.
UPTODATE:
A perda de peso é considerada clinicamente significativa com os seguintes parâmetros:
≥2 por cento de redução do peso corporal basal em um mês
≥5 por cento de redução em três meses, ou
≥10 por cento em seis meses
As causas de perda de peso podem ser divididas, segundo Wise e Craig,em: sociais, psiquiátricas, clínicas e relacionadas à idade. Bouras et al. de forma similar, as dividem em orgânicas, psicossociais ou idiopáticas. As diversas condições clínicas relacionadas com a perda de peso, para facilidade didática, podem ser agrupadas em três categorias básicas:
Oferta reduzida de nutrientes/calorias: a ingestão de alimentos é influenciada por estímulos olfativos, gustativos e visuais, bem como por fatores genéticos, psicológicos e socioeconômico-culturais. A redução do aporte alimentar pode estar presente pela conjunção de vários desses aspectos. A anorexia pode ser verificada na fase inicial ou no decorrer de uma série de processos mórbidos.
Aumento da demanda metabólica: representa situações que envolvem processo de catabolismo acelerado, com redução substancial dos depósitos corporais de gordura e massa proteica, como se percebe nos estados de debilidade crônica do organismo. Está presente, de maneira geral, nas neoplasias, nos processos febris de diversas origens, na síndrome da resposta inflamatória sistêmica, na sepse, na insuficiência cardíaca congestiva, nas doenças infeccto-parasitárias crônicas, no pós-traumatismo acidental ou cirúrgico extenso e em pessoas com atividades físicas extenuantes ou que estão em período de estirão do crescimento. As condições hipermetabólicas também ocorrem quando do uso continuado de psicotrópicos (anfetaminas, cocaína, heroína, entre outros).
Perda excessiva de nutrientes/calorias: pode haver perda de nutrientes através de vômito, diarreia, glicosúria, proteinúria e drenagem fistulosa. É observada no diabetes mellitus, em nefropatias e em processos de má-absorção secundários a tumores, doenças inflamatórias, infecções e parasitoses intestinais e a uso de medicamentos.
O emagrecimento em virtude de aumento do apetite sugere a presença de diabetes mellitus ou hipertireoidismo.
As principais condições clínicas relacionadas à perda de peso são:
doenças infeccto-parasitárias: síndrome de imunodeficiência adquirida e as suas doenças oportunistas; tuberculose; salmonelose septicêmica prolongada; infecções respiratórias de repetição em crianças; endocardite infecciosa subaguda; abscessos de diversas origens; esquistossomose mansoni; calazar; parasitoses intestinais; gastrenterites; infecções fúngicas sistêmicas, entre outras.
doenças endócrino-metabólicas: diabetes mellitus; doença de Addison; hipopituitarismo; hipertireoidismo (incluindo a tireotoxicose apatética do idoso) e hipotireoidismo; doenças mitocondriais; feocromocitoma; hipercalcemia/ hiperparatireoidismo.
nefropatias: insuficiência renal crônica; pielonefrite crônica; síndrome nefrótica; perda de massa corporal magra secundária a flutuações metabólicas da hemodiálise crônica.
hepatopatias: hepatite viral aguda; hepatites crônicas de diversas etiologias; cirrose hepática; insuficiência hepática.
doenças hematológicas: linfomas; leucemias; anemia perniciosa; anemia ferropriva.
doenças gastrointestinais:
esofagite; doença do refluxo gastroesofágico; acalásia do esôfago; espasmo esofagiano; divertículo de Zenker; dismotilidade; distúrbios de má-absorção intestinal secundários a supercrescimento bacteriano, intolerância à lactose, doença celíaca, síndrome do intestino curto, insuficiência pancreática exócrina, fibrose cística e colecistopatias; diarreia crônica de qualquer origem; doença inflamatória intestinal; pós-operatório ou cirurgia prévia (semiobstrução intestinal, má-absorção); hérnia diafragmática; gastroparesia diabética; gastrite atrófica; doença ulcerosa péptica; angina abdominal; enterite/colite actínica; constipação intestinal; fístulas
neoplasias: carcinomas do trato gastrointestinal, geniturinário e pulmonar.
doenças do tecido conjuntivo/doenças inflamatórias: lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, esclerodermia, poliarterite nodosa, arterite de células gigantes, amiloidose.
doenças pulmonares: doença pulmonar obstrutiva crônica, fibrose cística, bronquiectasia, infecção crônica.
doenças cardiovasculares: insuficiência cardíaca congestiva grave (caquexia cardíaca), isquemia crônica.
deficiências nutricionais específicas: hipovitaminoses (vitaminas B12, D, C, ácido fólico, tiamina), deficiência de sais minerais (zinco, selênio), desnutrição proteico-energética (kwashiorkor, marasmo), alcoolismo.
doenças psiquiátricas e neurológicas: anorexia nervosa, bulimia, depressão, ansiedade, demência (doença de Alzheimer), doenças neuromusculares e degenerativas (doença de Parkinson, esclerose lateral amiotrófica, miastenia gravis), acidente vascular cerebral, tetraplegia, disfagia, distúrbios associados à senilidade (disgeusia, perda olfativa, imobilidade, dependência), distúrbios conversivos, psicoses, fobia de colesterol, fobia de engasgos, mania, comportamento manipulador.
malformações congênitas: estenose hipertrófica do piloro, cardiopatias, doenças neurológicas (distúrbios da mastigação e deglutição, déficits motores e de coordenação, paralisia cerebral).
4. Quando a perda de peso passa a ser patológica?
5. Qual o manejo terapêutico para a síndrome de fragilidade?
TRATAMENTO
A fragilidade ainda necessita de um tratamento bem estabelecido que busque reverter os mecanismos fisiopatológicos dessa condição. A maior parte dos tratamentos sugeridos até o momento é centrada na melhora de determinados desfechos funcionais, utilizando como ferramentas principais os exercícios físicos e a otimização nutricional.
Desde a identificação da sarcopenia como componente quase universal da síndrome da fragilidade e o melhor entendimento do quão deletério o declínio muscular pode ser na funcionalidade do idoso, a prática de atividade física vem sendo considerada um dos pilares do manejo da síndrome.
De fato, a maior parte dos estudos iniciais não observou como desfecho primário a reversão de critérios para fragilidade em si, porém foram aferidas diversas variáveis com impacto real na vida desses indivíduos, como composição corporal (aumento de massa magra e diminuição de massa gorda), redução das quedas, escores de qualidade de vida, quantidade de atividades de vida diária independentes, melhora de humor, desempenho muscular, entre outras.
Na busca de comprovar o efeito das atividades físicas em mecanismos fisiopatológicos da fragilidade, estudos mais recentes observam como desfechos primários, além do aspecto funcional, a reversão dos critérios diagnósticos e marcadores específicos que poderiam comprovar a diminuição da inflamação sistêmica, como a aferição da PCR. A inclusão de idosos pré-frágeis ou com fragilidade leve nos estudos também se tornou comum. Protocolos mais atuais utilizam intervenções multidomínios que incluem, além de atividades físicas, acompanhamento nutricional, estimulação cognitiva e até psicoterapia. Entre os indivíduos frágeis, os estudos recentes mostraram bons resultados tanto na reversão do nível de fragilidade como no status inflamatório; entre os pré-frágeis, entretanto, os resultados ainda são incon-sistentes. Os novos e complexos protocolos, apesar de contarem com boa aderência nos centros de pesquisas, ainda enfrentam críticas quanto ao custo e à aplicabilidade rotineira.
Assim, é possível definir algumas recomendações: idosos devem ter o peso aferido e acompanhado, ajustando a cota calórica de acordo com a ne-cessidade e combatendo os demais riscos nutricionais presentes, como depressão, problemas de deglutição etc. Já a cota proteica mínima deve ser de 1 a 1,2g de proteína por quilograma de massa corporal ao dia, provavelmente necessitando de um aporte maior na presença de doença aguda. Para tentar combater a resistência anabólica, foram tentadas algumas estratégias, como dividir a cota proteica entre as refeições e aumentar o aporte de aminoácidos de cadeia ramificada e seus derivados com suplementos específicos (BCAA [Branched--Chain Amino Acids], Whey protein, hidróxi-metil-butirato).
Essas estratégias se mostraram capazes de mudar a composição corporal em alguns estudos, porém a melhora em desfechos funcionais só ocorreu quando acompanhadas de atividades físicas. Cabe ressaltar que, como a ocorrência de efeitos adversos não foi significativa, essas intervenções podem ser válidas de acordo com o contexto. Determinadas deficiências de micronutrientes, como vitamina D, vitamina C e ácido fólico, foram identificadas como fatores de risco para fragilidade em estudos observacionais; por outro lado, alguns padrões de dieta, como a chamada dieta do Mediterrâneo e dietas com grande quantidade de antioxidantes, foram capazes de diminuir esse risco. Esse nível de evidência não ratifica a recomendação de suplementação específica, mas reforça a impor-tância de um acompanhamento nutricional rigoroso em busca de uma dieta com variedade de nutrientes nessa população. Suplementações hormonais, como testosterona, hormônio do crescimento e sulfato de desidroepiandrosterona, além de não terem demonstrado melhora em desfechos funcionais, são questionadas quanto à segurança; assim, até o momento, não devem ser indicadas para combater a fragilidade. São grandes as dificuldades para elaboração de uma estratégia farmacológica para o tratamento da fragilidade.
Quando possível, a fragilidade deve ser combatida com estratégias multifatoriais, além das atividades físicas (nutrição, estímulo cognitivo etc.), porém, enquanto surgem evidências científicas mais robustas nessas esferas, a necessidade de individualização parece ser a única certeza nesse processo.
Diuréticos.
Inibidores adrenérgicos.
Vasodilatadores diretos.
Antagonistas do sistema renina-angiotensina.
Bloqueadores dos canais de cálcio
Os IECAs diminuem a pressão arterial reduzindo a resistência vascular periférica sem aumentar reflexamente o débito cardíaco, a frequência cardíaca ou a contratilidade cardíaca. Esses fármacos bloqueiam a ECA que hidrolisa a angiotensina I para formar o potente vasoconstritor angiotensina II. A ECA também degrada a bradicinina, um peptídeo que aumenta a produção de óxido nítrico e prostaciclinas nos vasos sanguíneos. Esses últimos são vasodilatadores. Os IECAs diminuem os níveis de angiotensina II e aumentam os níveis de bradicinina. Portanto, ocorre a vasodilatação de arteríolas e veias. Reduzindo os níveis de angiotensina II circulante, os IECAs também diminuem a secreção de aldosterona, resultando em menor retenção de sódio e água. Os efeitos desses fármacos ainda atuam diminuindo pré-carga e pós-carga cardíaca, reduzindo, dessa forma, o trabalho cardíaco.
A enzima convertora de angiotensina (ECA) coverte a Angiotensina I em angiotensina II que atua aumentando a pressão, aumentando a reabsorção renal de agua e sódio, além de fazer vasoconstrição no endotelio. Desse modo, o remedio atua inibindo a atuação do ECA.
Inibidor competitivo da enzima conversora de angiotensina (ECA); previne a conversão de angiotensina I em angiotensina II, um potente vasoconstritor; resulta em níveis mais baixos de angiotensina II, o que causa um aumento na atividade da renina plasmática e uma redução na secreção de aldosterona.
OBS: Efeito de Starling – Aumento da força de contração quando ocorre um aumento do retorno venoso (pré-carga). Efeito de Anrep – Aumento da força de contração quando ocorre um aumento na pressão aórtica (pós-carga).
A dose inicial de captopril é 50 mg uma vez ao dia ou 25mg duas vezes ao dia. Se não houver uma diminuição satisfatória da pressão sanguínea após duas ou quatro semanas, o seu médico poderá aumentar a dose para 100mg uma vez ao dia ou 50 mg duas vezes ao dia. Quando captopril for usado isoladamente, a diminuição do uso de sal é benéfica. Se a pressão sanguínea não for controlada após uma ou duas semanas nesta dose (e se você não estiver tomando um diurético), o seu médico poderá indicar uma pequena dose de diurético do tipo tiazídico (p.ex., 25 mg/dia de hidroclorotiazida). Se for necessária uma redução imediata da pressão sanguínea, a dose de captopril poderá ser aumentada pouco a pouco (enquanto persistindo com o diurético) e um esquema de dosagem de três vezes ao dia poderá ser considerado. A dose de captopril no tratamento da hipertensão normalmente não excede 150 mg/dia. A dose diária máxima é de 450 mg de captopril.
O propranolol é um antagonista competitivo dos receptores ẞ e continua sendo o protótipo com o qual são comparados os beta-bloqueadores. Esses fármacos podem ser distinguidos pelas propriedades de seletividade em relação aos receptores ẞ1 e ẞ2. Além disso, desempenham atividade simpaticomimética, bloqueio dos receptores ẞ e apresentam diferenças no que diz respeito a lipossolubilidade e a capacidade de induzir vasodilatação. Entre os inúmeros ẞ-bloqueadores testados, a maioria apresentou efetividade anti-hipertensiva. As propriedades farmacológicas de vários desses agentes diferem em certos aspectos que podem conferir benefícios terapêuticos em determinadas situações clínicas.
Os diuréticos de alça são os mais potentes, capazes de causar a eliminação de 15-25% do Na+ filtrado. Sua ação costuma ser descrita como causadora de “fluxo urinário torrencial”. Esses fármacos atuam sobre o ramo ascendente espesso, inibindo o transportador Na+/K+/2Cl− na membrana luminal, combinando-se com seu ponto de ligação para Cl−.
Os diuréticos de alça possuem também ações vasculares vasodilatadoras que não são inteiramente compreendidas. Além disso, aumentam a oferta de Na+ ao néfron distal, causando perda de H+ e K+. Considerando que ocorre perda urinária de Cl−, mas não de HCO3−, a concentração plasmática de HCO3− aumenta quando o volume plasmático é reduzido – uma forma de alcalose metabólica, portanto, denominada “alcalose de contração”. Os diuréticos de alça aumentam a eliminação de Ca2+ e Mg2+ e diminuem a eliminação de ácido úrico.
Os tiazídicos são menos potentes que os diuréticos de alça e são preferidos para tratar hipertensão não complicada. São mais tolerados que os diuréticos de alça e, em ensaios clínicos, demonstraram reduzir os riscos de acidente vascular cerebral (AVC) e de infarto agudo do miocárdio (IAM) associados à hipertensão.
Ligam-se ao ponto do Cl− do sistema de cotransporte tubular distal de Na+/Cl−, inibindo sua ação e causando natriurese com perda de íons sódio e cloreto na urina. A contração do volume sanguíneo decorrente estimula a secreção de renina, levando à formação de angiotensina e à secreção de aldosterona. Este mecanismo homeostático limita o efeito dos diuréticos sobre a pressão arterial.
Os efeitos dos tiazídicos sobre o balanço de Na+, K+, H+ e Mg2+ são qualitativamente semelhantes aos dos diuréticos de alça, mas de menor magnitude. Entretanto, em contraste com os diuréticos de alça, os tiazídicos reduzem a eliminação de Ca2+, o que pode ser vantajoso em pacientes mais idosos com risco de osteoporose.
Os diuréticos tiazídicos também têm ação vasodilatadora. Quando usados no tratamento de hipertensão, a queda inicial da pressão arterial decorre da diminuição do volume sanguíneo causada pela diurese, mas a vasodilatação contribui para a fase tardia.
6. Qual o rastreio para a síndrome de fragilidade( se atentar em idoso)?
7. Qual é a diferença entre demência e depressão?
A demência é caracterizada por declínio cognitivo ou modificações comportamentais (neuropsiquiátricas) em relação a um nível prévio de desempenho que causa perda da independência para as atividades de vida diária. A doença de Alzheimer e a demência vascular são as principais formas de demência no idoso, correspondendo a cerca de 80% a 90% das causas. A identificação do declínio cognitivo visa intervir precocemente em causas secundárias e reversíveis, bem como planejar o cuidado dos pacientes com demência.
As demências são classificadas em:
evolutivas – declínio progressivo por doenças neurodegenerativas, vascular ou infecciosa crônica;
estáticas- demência vascular com fator de risco controlado, sequela de lesão cerebral aguda por trauma ou infecção
potencialmente reversíveis – como causada por deficiência de vitamina B12 ou hipotireoidismo.
As formas mais comuns de demência no idoso são: doença de Alzheimer, vascular, mista (Alzheimer sobreposta à causa vascular), Lewy e demência associada à doença de Parkinson. O diagnóstico entre as demências primárias pode ser de difícil execução. Portanto, é importante para o médico da atenção primária determinar a suspeita de demência não potencialmente reversível e assim orientar avaliação em serviço especializado. O diagnóstico de demência é clínico e requer história detalhada, corroborada por informante que conviva com o paciente. Os sintomas cognitivos ou comportamentais, neuropsiquiátricos, não são explicáveis por delirium (estado confusional agudo) ou doença psiquiátrica maior. As modificações percebidas são comparadas a níveis prévios de funcionamento em ambientes como trabalho e atividades usuais da vida diária, gerando uma dependência para essas atividades. O comprometimento cognitivo ou comportamental afeta pelo menos dois entre os cinco domínios:
Memória: adquirir ou evocar informações recentes, com sintomas que incluem repetição das mesmas perguntas ou assuntos, esquecimento de eventos, compromissos ou do lugar onde guardou seus pertences.
Funções executivas: comprometimento do raciocínio, da realização de tarefas complexas e do julgamento, com sintomas como compreensão pobre de situações de risco, redução da capacidade para cuidar das finanças, de tomar decisões e de planejar atividades complexas ou sequenciais;
Habilidades visuoespaciais: com sintomas que incluem incapacidade de reconhecer faces ou objetos comuns, encontrar objetos no campo visual, dificuldade para manusear utensílios, para vestir-se, não explicáveis por deficiência visual ou motora.
Linguagem: afeta expressão, compreensão, leitura ou escrita. Inclui sintomas como dificuldade para encontrar e/ou compreender palavras, erros ao falar e escrever, com trocas de palavras ou fonemas, não explicáveis por déficit sensorial ou motor.
Personalidade ou comportamento: com sintomas que incluem alterações do humor (labilidade, flutuações incaracterísticas), agitação, apatia, desinteresse, isolamento social, perda de empatia, desinibição, comportamentos obsessivos, compulsivos ou socialmente inaceitáveis.
Cognição é o processo de construção do conhecimento. Para isso acontecer, é necessário um conjunto de capacidades mentais desenvolvidas ao longo dos anos, como memória, atenção, linguagem, criatividade e planejamento. Elas recebem o nome de habilidades cognitivas.
8. Qual a avaliação para perda de peso involuntária?
9. O que pode levar ao aumento de iatrogenia em idosos?
Iatrogenia corresponderia aos efeitos negativos decorrentes das ações médicas, sejam essas não propositivas ou passivas. Assim, atos de prescrição com suas consequências indesejadas caem nessa categoria e podem ser divididos em iatrogenia por polifarmácia, uso de medicamentos inapropriados, cascata de prescrição e subutilização de medicações apropriadas (não aderência e subprescrição). Para a prevenção dessas iatrogenias, são possíveis a revisão da medicação atual, a descontinuação de medicação desnecessária e o uso atual de novas tecnologias que ajudam a combater o erro médico.
IATROGENIA POR POLIFARMÁCIA
Enquanto alguns consideram o número de medicações em uso, outros levam em conta a prescrição de fármacos sem indicação precisa ou inapropriados. Existe uma tendência à adoção dessa última definição, uma vez que o idoso pode necessitar de um número maior de medicamentos, os quais podem ser apropriados à sua condição clínica, cabendo ao médico avaliá-los periodicamente, considerando indicação, tolerância e custo-benefício.
O estabelecimento de um valor numérico (cut-off) costuma ser preferido para fins de pesquisa e comparação de estudos, sendo cinco ou mais medicações o valor mais utilizado. Existe ainda a poli-farmácia excessiva (ou hiperpolifarmácia), expressão usada na lite-ratura para caracterizar a prescrição de dez ou mais medicamentos. Em 2016, segundo o Canadian Institute for Health Informa-tion, aproximadamente 66% dos idosos canadenses com idade ≥ 65 anos usaram ao menos cinco medicações, com 25% usando dez ou mais.
No Brasil, a prevalência se aproxima de 20% entre os idosos. Maior prevalência de automedicação, múltiplas comorbidades e acompanhamentos por médicos diferentes simultaneamente são fatores que favorecem a polifarmácia nessa parcela da população.
A polifarmácia é importante preditor de desfechos negativos, havendo relatos de risco aumentado de queda, sarcopenia, lesão renal aguda, hipoglicemia, pneumonia, má nutrição, mortalidade e redução da funcionalidade e da cognição. Além disso, são descritas taxas maiores de hospitalização e re-hospitalização dentro de 1 ano após a alta hospitalar.
Efeitos adversos são frequentes em virtude das alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas próprias do envelhecimento, podendo ser responsáveis por 10% a 20% dos internamentos hospitalares entre os idosos. As interações medicamentosas ocorrem de modo exponencial ao número de medicamentos usados, o que indica a necessidade de avaliação cuidadosa de tópicos como indicação, eficácia e potencial de dano de cada uma delas, isoladamente e em combinação.
IATROGENIA POR USO DE MEDICAMENTOS INAPROPRIADOS
Medicamento potencialmente inapropriado (MPI) é uma expressão usada com frequência na população geriátrica e consiste na utilização de fármacos com alto potencial de dano à saúde, superando os benefícios de seu uso. Assim como acontece com a polifarmácia, diversos desfechos negativos têm sido associados a MPI, como quedas, fraturas, delirium, hospitalização e morte. Com o intuito de avaliar a prescrição em pacientes idosos de modo padronizado e propor critérios objetivos para estratificação de risco potencial da polifarmácia, foram desenvolvidas algumas ferramentas de fácil emprego na prática clínica. Dentre elas se destacam:
• Critérios de Beers: foram desenvolvidos em 2003 pela Ame-rican Geriatrics Society. Atualizações posteriores foram fun-damentadas em novas evidências. Os critérios consistem em uma lista extensa de medicações consideradas potencialmen-te inapropriadas para uso em indivíduos idosos com base em critérios de alto risco de eventos adversos. A última versão foi publicada em 2019, mantendo a divisão das medicações em cinco categorias:
(1) fármacos potencialmente inapropriados para a maioria dos idosos;
(2) fármacos que tipicamente de-vem ser evitados em idosos com certas condições;
(3) fárma-cos a serem utilizados com cautela;
(4) fármacos que necessi-tam de ajuste de dose pela função renal basal, e
(5) interações medicamentosas (disponível em: http://www.sbgg-sp.com. br/pro/atualizacao-dos-criterios-de-beers-ags-2019-para--medicacoes-potencialmente-inapropriadas-em-idosos/).
• Inappropriate Prescribing in the Elderly Tool (IPET): publi-cada em 2000 por Naugler e cols. e amplamente empregada em países europeus, a IPET compreende uma lista dos 14 er-ros de prescrição mais comumente encontrados em pacientes hospitalizados por causas agudas.
• Ferramenta de screening STOPP/START: publicada em 2008 por um grupo irlandês, apresenta uma certa sobreposição aos critérios de Beers. Entretanto, essa ferramenta parece ser mais eficaz para identificar o risco de eventos adversos re-lacionados com a polifarmárcia em pacientes hospitalizados (Quadros 6.1 e 6.2).
A utilização dessas ferramentas torna mais fácil a identificação de possíveis medicações inapropriadas, medicações prescritas que possam ser suspensas e medicações que porventura ainda precisem ser acrescentadas ao arsenal terapêutico do paciente. Para auxiliar a prescrição, podem ser utilizados escores de risco, como o GerontoNet ADR Risk Score, um método simples desenvolvido para identificar o risco de eventos adversos em idosos hospitalizados. Apesar das tentativas, ainda há poucos guias validados que aju-dem no processo de retirada, “desprescrição” e redução de dose em casos de polifarmácia na população geriátrica. No site https:// deprescribing.org/ são encontradas algumas formas de despres-crição de medicamentos e algoritmos para auxiliar o processso.
IATROGENIA POR CASCATA DE PRESCRIÇÃO
A cascata de prescrição ocorre quando se prescreve um fármaco e, por conta dos efeitos colaterais, é prescrito um segundo medicamento. Este, por sua vez, pode resultar em novos efeitos colaterais, constituindo um ciclo de sintomas e prescrições inadvertidas. Inicialmente, devem ser considerados todos os novos sintomas decorrentes de efeito adverso à droga, adotando medidas não farmacológicas na condução do caso, substituindo o medicamento por medicações alternativas menos tóxicas e sempre tendo em mente a prescrição de uma terapia benéfica.
IATROGENIA POR SUBUTILIZAÇÃO DE MEDICAÇÕES APROPRIADAS
Não aderência
O conceito de aderência compreende o ato de seguir orientações e recomendações sugeridas por um profissional de saúde. Para sua realização, é fundamental a participação do paciente nas escolhas médicas e decisões terapêuticas (autonomia). Dentre os diversos fatores associados à não aderência, destacam-se os seguintes:
I. Socioeconômicos:
• Variáveis socioeconômicas: condições financeiras, escolaridade, apoio social.
• Custo de tratamentos.
II. Relacionados com a equipe e o sistema de saúde:
• Interação médico-paciente.
• Desenvolvimento e funcionamento do sistema de saúde.
• Apoio comunitário.
• Educação em saúde.
III. Relacionados com a doença:
• Intensidade dos sintomas.
• Taxa de progressão.
• Cronicidade.
IV. Relacionados com o paciente:
• Visão pessoal da doença e do tratamento (conhecimentos, crenças, percepções e expectativas).
• Motivação para o autocuidado.
• Suporte social.
• Capacidade cognitiva.
V. Relacionados com a terapia:
• Complexidade do tratamento.
• Duração do tratamento.
• Reação adversa aos medicamentos.
• Experiências prévias de tratamento (p. ex., falência de terapias).
• Mudanças frequentes na estratégia de tratamento.
Essas cinco dimensões devem ser consideradas quando os objetivos com a terapêutica instituída não são alcançados apesar dos esforços em manter a prescrição adequada. A baixa aderência costuma estar associada aos altos custos na saúde, à baixa qualidade de vida e a evoluções clínicas prejudiciais, devendo o médico ser também um fator motivacional no processo de aderência medicamentosa.
Subprescrição (underprescribing).
Assim como a polifarmácia, a omissão de terapia medicamentosa útil para determinada condição constitui parte do conceito de prescrição inapropriada. Trata-se de uma condição frequente entre os idosos, especialmente entre os usuários de polifarmácia, havendo estudos que apontam a concomitância em cerca de 43% dos pacientes. Algumas hipóteses são levantadas para explicar esse achado: medo de interação medicamentosa, reação adversa e má aderência dos pacientes já usuários de prescrições múltiplas (Quadro 6.3).
Sarcopenia:
INTRODUÇÃO
O termo sarcopenia traduz a perda progressiva e generalizada da musculatura esquelética, a qual está fisiologicamente associada ao processo de envelhecimento humano.