A VIDA URBANA É MUITO DIFÍCIL...
João tem 55 anos e fuma muito desde os 13 anos de idade. Tem muitos problemas financeiros. Sonha com um quarto que possa ter privacidade e morar com seu namorado. Mora num bairro central de Diadema na casa da sua tia que tosse a noite toda e ninguém dorme. A casa têm apenas dois cômodos e divide a sala com quatro familiares.
E as dificuldades de João não terminam...
Todos os dias pega três conduções para chegar ao trabalho. É oficial administrativo e trabalha em um escritório no centro da cidade de São Paulo, numa sala fechada com sete pessoas. No almoço divide uma copa pequena e mal consegue se alimentar e está emagrecendo muito.
João está mais estressado que antes...
Vem tossindo muito e agora está com sangue. Há quatro meses vem piorando a tosse e o cansaço. Há dois meses refere febre no início da noite, com alguns episódios de calafrios e sudorese discreta durante a madrugada. Procurou uma unidade de Pronto Atendimento da sua região que fez diagnóstico de traqueobronquite e enfisema pulmonar, prescrevendo levofloxacina 500 mg por 10 dias e o encaminhou para o pneumologista. O tratamento não resolveu e João está juntando dinheiro para fazer a tomografia. Há três dias refere rouquidão, dispneia aos grandes esforços e piora da tosse, agora com escarro hemoptoico. Preocupado com essa piora recente, o paciente resolveu procurar o Pronto Socorro.
Identificação: João, 55 anos
Problemas: Grifado no Texto
Hipóteses:
É um possível quadro de Tuberculose pulmonar: devido aos sintomas respiratórios persistentes, como tosse com escarro hemoptoico, febre ao início da noite, calafrios, sudorese noturna e dispneia aos grandes esforços.
O histórico de tabagismo crônico, exposição a ambientes fechados e diagnóstico prévio de traqueobronquite e enfisema pulmonar, podem contribuir para evolução do quadro.
Por precárias condições socioeconômicas, João divide 2 cômodos com 4 familiares, o que torna-o mais suscetível a doenças infectocontagiosas como a tuberculose.
A Levofloxacina 500 mg é um antibiótico bacteriostático, da classe das Quinolonas, não é eficaz contra bacilos/bactérias e por isso provavelmente João não apresentou melhora do quadro.
A tomografia computadorizada não é considerado o padrão ouro para o diagnóstico de Tuberculose, sendo necessário uma baciloscopia.
Questões de Aprendizagem:
Descreva a epidemiologia da Tuberculose e seu agente etiológico.
Descreva a fisiopatologia da Tuberculose.
Como é o quadro clínico, laboratorial da tuberculose e seus principais diagnósticos diferenciais?
Como se dá o tratamento para tuberculose? Como abordar os comunicantes? Qual a ação da levofloxacina?
Quais os fatores de risco para a contaminação e desenvolvimento da tuberculose?
Como ocorre o rastreio e a prevenção da tuberculose?
Quais as principais redes de cuidado no âmbito do SUS para os tuberculosos? Destaque as estratégias, notificação, adesão ao tratamento da Tuberculose
Caracterize a Traqueobronquite e enfisema pulmonar.
Fontes:
https://revista.acm.org.br/index.php/arquivos/article/view/46/42
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil_2_ed.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_recomendacoes_controle_tuberculose_brasil.pdf
Síntese Individual:
1.Descreva a epidemiologia da Tuberculose e seu agente etiológico.
Agente etiológico:
A TB pode ser causada por qualquer uma das sete espécies que integram o complexo Mycobacterium tuberculosis: M. tuberculosis, M. bovis, M. africanum, M. canetti, M. microti, M. pinnipedi e M. caprae. Em saúde pública, a espécie mais importante é a M. tuberculosis, conhecida também como bacilo de Koch (BK). O M. tuberculosis é fino, ligeiramente curvo e mede de 0,5 a 3 μm. É um bacilo álcool-ácido resistente (BAAR), aeróbio, com parede celular rica em lipídios (ácidos micólicos e arabinogalactano), o que lhe confere baixa permeabilidade, reduz a efetividade da maioria dos antibióticos e facilita sua sobrevida nos macrófagos.
Em alguns locais, o M. bovis pode ter especial relevância como agente etiológico da TB e apresenta-se de forma idêntica ao M. tuberculosis, com maior frequência da forma ganglionar e outras extrapulmonares. A ocorrência é mais comum em locais que consomem leite e derivados não pasteurizados ou não fervidos de rebanho bovino infectado; em pessoas que residem em áreas rurais e em profissionais do campo (veterinários, ordenhadores, funcionários de matadouros, entre outros). Nessas situações, os serviços de vigilância sanitária devem ser informados para atuar na identificação precoce das fontes de infecção e no controle da doença, prevenindo assim a ocorrência de novos casos.
Outro grupo de micobactérias, as micobactérias não tuberculosas (MNT), compreendem diversas espécies como M. avium, M. kansasii, M. intracellulare e M. abscessos com relevância epidemiológica no Brasil restrita a determinadas populações ou regiões.
Risco de adoecimento:
O risco de adoecimento, isto é, a progressão para a TB ativa após infecção, depende de fatores endógenos, em especial da integridade do sistema imune. Em saúde pública, a importância de um fator de risco reside na sua associação com a ocorrência da doença e na prevalência desse fator na população avaliada. O maior risco de adoecimento para a TB descrito é a infecção pelo HIV. Dentre outros fatores conhecidos, destacam-se o tempo decorrido da infecção ao desenvolvimento de TB ativa (maior risco de adoecimento nos primeiros dois anos após exposição), a idade menor que dois anos ou maior que 60 anos e a presença de determinadas condições clínicas (doenças e/ou tratamentos imunossupressores).
No Brasil, assim como em outros países que possuem condições de vida semelhantes, alguns grupos populacionais têm maior vulnerabilidade para a TB. O Quadro 1 ilustra essas populações e os seus respectivos riscos de adoecimento, em comparação com a população em geral.
Estima-se que 10% das pessoas que foram infectadas pelo M. tuberculosis adoeçam: 5% nos dois primeiros anos que sucedem a infecção e 5% ao longo da vida, caso não recebam o tratamento preventivo preconizado. O risco de adoecimento por TB pode persistir por toda a vida. A TB primária, aquela que ocorre logo após a infecção, é comum em crianças e nos pacientes com condições imunossupressoras. Habitualmente, é uma forma grave, porém com baixo poder de transmissibilidade. Em outras circunstâncias, o sistema imune é capaz de contê-la, pelo menos temporariamente. Os bacilos podem permanecer como latentes (infecção latente pelo M. tuberculosis – ILTB) por muitos anos até que ocorra a reativação, produzindo a chamada TB pós-primária (ou secundária). Em 80% dos casos acomete o pulmão, e é frequente a presença de cavidade.
A reinfecção pode ocorrer se a pessoa tiver uma nova exposição, sendo mais comum em áreas onde a prevalência da doença é alta.
A infecção prévia pelo M. tuberculosis não evita o adoecimento, ou seja, o adoecimento não confere imunidade e recidivas podem ocorrer.
Epidemio no mundo:
Estima-se que em 2015 cerca de 10,4 milhões de pessoas desenvolveram tuberculose (TB), 580 mil na forma de TB multirresistente (TB MDR) ou TB resistente à rifampicina (TB RR), e 1,4 milhão morreram da doença. No entanto, foram reportados nesse mesmo ano cerca de 6,1 milhões de casos novos de TB. A subnotificação diminuiu entre os anos de 2013 a 2015, principalmente devido ao aumento de 34% das notificações da Índia (WHO, 2016). Apesar disso, globalmente ainda persistem 4,3 milhões de casos subnotificados. Índia, Indonésia e Nigéria são os principais responsáveis pela subnotificação e, ao lado da China, Paquistão e África do Sul, foram responsáveis por 60,0% dos novos casos de tuberculose no mundo.
A região das Américas representa cerca de 3,0% da carga mundial de tuberculose, com 268 mil casos novos estimados, os quais estão localizados em nações como Brasil (33,0%), Peru (14,0%), México (9,0%) e Haiti (8,0%), países com a maior carga. A faixa etária menor de 15 anos representa 6,3% dos casos e a maioria é do sexo masculino. Um total de 125.000 casos de TB MDR ou TB RR e elegível para o tratamento de TB MDR foram reportados, o que representa 20% dos casos estimados.
Em relação aos desfechos de tratamento, em 2014, o percentual de sucesso de tratamento foi de 83% entre os casos novos e recidivas, 52% entre os casos de TB MDR e 28% entre os casos de TB com resistência extensiva a drogas (TB XDR). Assim como nos casos com diagnóstico de resistência, os resultados obtidos na coorte de casos de TB coinfectados com HIV são preocupantes. Nesses indivíduos o percentual de sucesso de tratamento foi de 75% (WHO, 2016).
Epidemio no Brasil:
O Brasil está entre os 30 países de alta carga para TB e TB-HIV considerados prioritários pela OMS para o controle da doença no mundo. Em 2015, o percentual de detecção da tuberculose no país, segundo a OMS, foi de 87,0% (WHO, 2017). Nos últimos 10 anos, foram diagnosticados, em média, 71 mil casos novos da doença. Em 2017, o número de casos notificados foi de 72.770 e os coeficientes de incidência variaram de 10,0 a 74,7 casos por 100 mil habitantes entre as Unidades Federadas (UF) (Figura 2). No ano de 2016, foram notificados 4.483 óbitos por TB, o que corresponde ao coeficente de mortalidade de 2,2 óbitos por 100.000 habitantes (Figura 3). O percentual de sucesso de tratamento reportado para os casos novos com confirmação laboratorial foi de 74,6%, em 2016, com 10,8% de abandono de tratamento, e 4,1% dos registros com informação ignorada quanto ao desfecho. Dos casos de TB notificados em 2017, 77,8% foram testados para HIV, apresentando 9,5% de coinfecção.
Em 2017, foram diagnosticados e acompanhados no Sistema de Informação de Tratamentos Especiais de Tuberculose (SITE-TB) 246 casos novos de monorresistência, 80 de polirresistência, 713 de multidrogarresistência ou resistência à rifampicina e 2 casos de resistência extensiva.
De acordo com a OMS, o Brasil atingiu as metas dos ODM relacionados à incidência e mortalidade por tuberculose, contribuindo, assim, para redução da carga da TB no mundo (WHO, 2015). Ainda de acordo com a OMS, o Brasil possui a maior taxa de detecção entre os países de alta carga (WHO, 2017).
O Brasil não possui uma epidemia generalizada, mas concentrada em algumas populações, como as pessoas vivendo com HIV (PVHIV), em situação de rua, privadas de liberdade (PPL), a população indígena e pessoas que vivem em aglomerados e em situação de pobreza.
2. Descreva a fisiopatologia da Tuberculose.
Transmissão:
O M. tuberculosis é transmitido por via aérea, de uma pessoa com TB pulmonar ou laríngea, que elimina bacilos no ambiente (caso fonte), a outra pessoa, por exalação de aerossóis oriundos da tosse, fala ou espirro. O termo “bacilífero” refere-se a pessoas com TB pulmonar ou laríngea que tem baciloscopia positiva no escarro. Esses casos têm maior capacidade de transmissão, entretanto pessoas com outros exames bacteriológicos como cultura e/ou Teste Rápido Molecular da Tuberculose (TRM-TB) positivos também podem transmitir. A TB acomete, prioritariamente, o pulmão que também é a porta de entrada da maioria dos casos.
A transmissão se faz por via respiratória, pela inalação de aerossóis produzidos pela tosse, fala ou espirro de um doente com tuberculose ativa pulmonar ou laríngea. As gotículas exaladas (gotículas de Pflüger) rapidamente se tornam secas e transformam-se em partículas menores (<5-10 μm de diâmetro). Essas partículas menores (núcleos de Wells), contendo um a dois bacilos, podem manter-se em suspensão no ar por muitas horas e são capazes de alcançar os alvéolos, onde podem se multiplicar e provocar a chamada primo-infecção.
Outras vias de transmissão (pele e placenta) são raras e desprovidas de importância epidemiológica. Os bacilos que se depositam em roupas, lençóis, copos e outros objetos dificilmente se dispersam em aerossóis e, por isso, não têm papel na transmissão da doença.
A probabilidade de uma pessoa ser infectada depende de fatores exógenos. Entre eles, pode-se citar a infectividade do caso-fonte, a duração do contato e o tipo de ambiente partilhado.
Os pacientes com exame bacteriológico de escarro positivo sustentam a cadeia de transmissão da doença. Estima-se que uma pessoa com baciloscopia positiva infecte de 10 a 15 pessoas em média, em uma comunidade, durante um ano. Entre pessoas que têm contatos duradouros com pacientes com TB pulmonar, aqueles com BAAR positivo no escarro são os que mais transmitem a doença. Em geral, eles têm a forma TB pulmonar cavitária ou, mais raramente, a TB laríngea. Aqueles com baciloscopia de escarro negativa, mesmo com TRM-TB ou cultura positivos no escarro, têm infectividade menor. Pessoas com cultura de escarro negativa e as com TB extrapulmonar exclusivamente são desprovidas de infectividade. Pacientes com TB pulmonar e infecção pelo HIV, na dependência de maior comprometimento da imunidade, podem ter menos frequentemente acometimento pulmonar e apresentação cavitária da doença e, assim, também menor infectividade.
O risco de transmissão da TB perdura enquanto o paciente eliminar bacilos no escarro. Com o início do tratamento, a transmissão tende a diminuir gradativamente e, em geral, após 15 dias, ela encontra-se muito reduzida. A importância de realizar baciloscopia de escarro de controle reside não somente na confirmação da eficácia do esquema terapêutico, mas também na avaliação de risco para os contatos. As medidas de controle da infecção pelo M. tuberculosis devem ser mantidas até que seja confirmada a negativação ou bacilos não viáveis à baciloscopia do caso fonte (ver capítulo “Medidas de Controle de Infecção da Tuberculose em Unidades de Saúde”). Crianças com TB pulmonar, em geral, têm baciloscopia negativa e, por isso, pouca importância na cadeia de transmissão da doença.
O bacilo é sensível à luz solar, e a circulação de ar possibilita a dispersão de partículas infectantes. Com isso, ambientes ventilados e com luz natural direta diminuem o risco de transmissão.
História natural da tuberculose
A história natural da tuberculose demonstra que a maioria dos indivíduos é competente na elaboração de respostas imunológicas contra M. tuberculosis, mas estas são insuficientes na esterilização completa do patógeno invasor. Nesse contexto, dos indivíduos expostos ao bacilo, somente 10 a 30% se tornam infectados, ocorrendo manifestação da tuberculose ativa em apenas 5 a 10% deles. Ocorre, no entanto, que muitos indivíduos podem apresentar um estado de déficit imunológico frente a antígenos específicos do bacilo, favorecendo a proliferação acelerada do agente e estabelecendo a doença.
Por meio da fórmula proposta por Rich, o desenvolvimento da doença é diretamente proporcional ao número de bacilos, à virulência da cepa inalada, e ao desenvolvimento de hipersensibilidade do hospedeiro.
Após a inalação do bacilo, uma série de barreiras mecânicas inespecíficas atuará contra a infecção. Pêlos nasais, a angulação das vias aéreas, o turbilhonamento aéreo, a secreção traqueobrônquica, e principalmente o cleareance muco-ciliar, são os principais elementos que impedem o bacilo de adentrar nos alvéolos pulmonares do contato exposto.
Mycobacterium, ao superar as barreiras físicas do trato respiratório alto e entrar no ambiente pulmonar alveolar, recebe o confronto de macrófagos, células integrantes da imunidade inata local. Os macrófagos residentes no tecido, após fagocitarem o bacilo, produzindo o fagossomo, fundem a vesícula formada aos lisossomos, podendo ocorrer já nesta instância o processamento de antígenos, e a posterior apresentação dos últimos aos linfócitos T auxiliadores, através do complexo principal de histo-compatibilidade de classe II. No processo de fagocitose, são produzidas citocinas e quimiocinas, que sinalizam ao sistema imune a presença do patógeno, provocando o recrutamento e a migração de neutrófilos, monócitos e linfócitos para o local de infecção. No entanto, devido a mecanismos de resistência próprios dos bacilos da tuberculose, não há sucesso no extermínio do patógeno. É através da inibição da fusão do lisossomo ao fagossomo gerado durante a ação macrofagocitária, que a micobactéria sobrevive durante todo esse período de mobilização imunológica do hospedeiro, provocando a morte da célula fagocitária e prosseguindo com sua multiplicação extra-celular.
No caso dos mecanismos de defesa descritos acima falharem na depuração dos bacilos infectantes, pode ocorrer progressão do processo inflamatório e desenvolvimento de uma pneumonia inespecífica. Neste novo ambiente inflamatório, o Mycobacterium começa a proliferar, aproveitando-se da ausência de uma resposta imunológica específica, que somente irá se desenvolver no período que vai de quinze a vinte dias a partir da infecção. Com isso, ao final de quinze dias são encontrados até 10 bacilos no foco primário de infecção, podendo ocorrer, de maneira concomitante, a disseminação da doença por via linfática e/ou hematogênica para outros órgãos.
O foco pulmonar formado no processo infeccioso, denominado de complexo de Ghon, possui medidas de 1 a 2 mm, apresentando consistência amolecida, e se desenvolvendo em um espaço de tempo de 3 a 4 semanas, durante o qual ocorre o desenvolvimento da imunidade celular, com a consequente viragem do teste tuberculínico.
Simultaneamente ao fenômeno fagocitário, células dendríticas com M. tuberculosis em seu interior migram para os linfonodos regionais, ativando linfócitos CD4 e CD8 locais, que migram para o foco de infecção, guiados pelas quimiocinas produzidas pelas células infectadas. O acúmulo de linfócitos ativados, macrófagos, células dendríticas, fibroblastos e células endoteliais, dentre outras,
lideram a formação do granuloma que envolve o bacilo em um ambiente hipóxico e insalubre, limitando sua disseminação, e formam um microcontexto, onde os integrantes desta resposta imune interagem com objetivo de eliminar o patógeno invasor, propiciando a contenção do foco infeccioso.
O complexo formado por foco pulmonar, linfangite e um foco ganglionar é chamado de complexo de Ranke. Neste momento de disseminação hematogênica o organismo imunologicamente competente, já tendo desenvolvido a imunidade adquirida, impede o avanço do processo infeccioso em 95% dos casos, encerrando assim a primoinfecção.
Algumas micobactérias resistentes, entretanto, conseguem sobreviver neste ambiente de agressão criado dentro dos granulomas, entrando em estado de dormência, e evitando assim, a eliminação pelo sistema imune do hospedeiro. Cabe lembrar também, que existem diferentes granulomas formados nos diferentes hospedeiros, que proporcionam distintas taxas de eliminação dos patógenos infectantes. Com isso, a micobactéria no estado de dormência pode habitar o ambiente do interior do granuloma durante toda a vida do hospedeiro, ressurgindo em sua forma ativa quando presente algum contexto de imunossupressão.
No contexto de proteção ao bacilo da tuberculose, o estudo de diferentes populações linfocitárias mostrou o papel fundamental do linfócito TCD8+ no combate inicial ao bacilo e na prevenção da primoinfecção. Desse modo, os linfócitos TCD8+ estimulados por antígenos endógenos micobacterianos liberados na circulação durante a infecção, têm a capacidade de destruir células infectadas pelo Mycobacterium, permitindo a eliminação dos mesmos, e constituindo em um dos principais mecanismos de defesa. Por outro lado, a imunidade humoral parece ter pouco valor no combate da doença, uma vez que os anticorpos secretados por plasmócitos, não tem a capacidade de penetrar nos macrófagos infectados.
3. Como é o quadro clínico, laboratorial da tuberculose e seus principais diagnósticos diferenciais?
A tuberculose (TB) pode acometer uma série de órgãos e/ou sistemas. A apresentação da TB na forma pulmonar, além de ser mais frequente, é também a mais relevante para a saúde pública, pois é essa forma, especialmente a bacilífera, a responsável pela manutenção da cadeia de transmissão da doença. A busca ativa de sintomático respiratório (SR) (ver capítulo Detecção de Casos de Tuberculose) é uma importante estratégia para o controle da TB, uma vez que permite a detecção precoce das formas pulmonares.
Diagnóstico Clínico:
Não raramente, a TB pode manifestar-se sob diferentes apresentações clínicas, relacionadas com o órgão acometido. Desta forma, outros sinais e sintomas, além da tosse prolongada, podem ocorrer e devem ser valorizados na investigação diagnóstica individualizada.
Tuberculose pulmonar:
Os sinais, sintomas e as manifestações radiológicas dependem do tipo de apresentação da TB. Classicamente, as principais formas de apresentação são a forma primária, a pós-primária (ou secundária) e a miliar. Os sintomas clássicos, como tosse persistente seca ou produtiva, febre vespertina, sudorese noturna e emagrecimento, podem ocorrer em qualquer das três apresentações.
A TB pulmonar primária normalmente ocorre em seguida ao primeiro contato do indivíduo com o bacilo e, por isso, é mais comum em crianças. As manifestações clínicas podem ser insidiosas, com o paciente apresentando-se irritadiço, com febre baixa, sudorese noturna e inapetência. Nem sempre a tosse está presente. O exame físico pode ser inexpressivo.
A TB pulmonar pós-primária ou secundária pode ocorrer em qualquer idade, mas é mais comum no adolescente e no adulto jovem. Tem como característica principal a tosse seca ou produtiva. Em locais com elevadas taxas de incidência de TB, toda pessoa que procura a unidade de saúde devido à tosse prolongada (busca passiva) deve ter a TB incluída na sua investigação diagnóstica.
Nos casos em que a tosse é produtiva, a expectoração pode ser purulenta ou mucoide, com ou sem sangue. A febre vespertina, sem calafrios, não costuma ultrapassar os 38,5 oC. A sudorese noturna e a anorexia são comuns. O exame físico geralmente mostra fácies de doença crônica e emagrecimento, embora indivíduos com bom estado geral e sem perda do apetite também possam ter TB pulmonar. A ausculta pulmonar pode apresentar diminuição do murmúrio vesicular, sopro anfórico ou mesmo ser normal.
A TB miliar refere-se a um aspecto radiológico pulmonar específico, que pode ocorrer tanto na forma primária quanto na forma secundária da TB. É uma forma grave da doença, que é mais comum em pacientes imunocomprometidos, como pessoas infectadas com HIV em fase avançada de imunossupressão. A apresentação clínica pode ser aguda ou subaguda, com maior frequência em crianças e em adultos jovens. De uma forma mais incomum, a TB miliar apresenta-se como doença crônica (idosos) ou mesmo febre de origem obscura. Os sintomas como febre, astenia, emagrecimento e tosse ocorrem em 80% dos casos.
O exame físico pode mostrar hepatomegalia (35% dos casos), alterações do sistema nervoso central (30% dos casos) e alterações cutâneas do tipo eritemato-máculo-pápulo-vesiculosas (incomum).
Tuberculose extrapulmonar:
As apresentações extrapulmonares da TB têm seus sinais e sintomas dependentes dos órgãos ou sistemas acometidos. Sua ocorrência aumenta em pacientes coinfectados pelo HIV, especialmente entre aqueles com imunocomprometimento grave. As principais formas diagnosticadas em nosso meio são listadas a seguir:
TB pleural – É a forma mais comum de TB extrapulmonar em pessoas não infectadas pelo HIV. Ocorre mais em jovens e cursa com dor torácica do tipo pleurítica. A tríade astenia, emagrecimento e anorexia ocorre em 70% dos pacientes, e febre com tosse seca, em 60%. Eventualmente, simula pneumonia bacteriana aguda. Nos pacientes com maior tempo de evolução dos sintomas pode ocorrer dispneia. O líquido pleural tem características de exsudato, predomínio de linfócitos e baixo rendimento tanto da pesquisa de BAAR (<5%) quanto da cultura (<15%). Níveis elevados de adenosina deaminase (ADA) no líquido pleural têm sido aceitos como critério diagnóstico de TB. A cultura para TB do escarro induzido é positiva em até 50% dos pacientes, mesmo sem outra alteração visível na radiografia de tórax além do derrame pleural.
Empiema pleural tuberculoso – É consequência da ruptura de uma cavidade tuberculosa para o espaço pleural e, por isso, além de líquido no espaço pleural, muitas vezes ocorre também pneumotórax secundário à fístula broncopleural. Clinicamente, é indistinguível de um empiema pleural por bactéria comum. Diferentemente do que ocorre na TB pleural, o rendimento da baciloscopia direta e da cultura para TB no líquido do empiema tuberculoso é alto.
TB ganglionar periférica – É a forma mais frequente de TB extrapulmonar em pessoas vivendo com HIV (PVHIV) e em crianças, sendo mais comum abaixo dos 40 anos. Cursa com aumento subagudo, indolor e assimétrico das cadeias ganglionares cervicais anterior e posterior, além da supraclavicular. Em PVHIV, o acometimento ganglionar tende a ser bilateral, associado com maior comprometimento do estado geral. Ao exame físico, os gânglios podem apresentar-se endurecidos ou amolecidos, aderentes entre si e aos planos profundos, podendo evoluir para flutuação e/ou fistulização espontânea, com a inflamação da pele adjacente. O diagnóstico é obtido por meio de aspirado por agulha e/ou ressecção ganglionar, para realização de exames bacteriológicos e histopatológicos. A biopsia de gânglio pode cursar com fístula no pós-operatório.
TB meningoencefálica – É responsável por 3% dos casos de TB em pacientes não infectados pelo HIV e por até 10% em PVHIV. A meningite basal exsudativa é a apresentação clínica mais comum e é mais frequente em crianças abaixo dos seis anos de idade. Clinicamente, pode ser subaguda ou crônica (sinais e sintomas com duração superior a quatro semanas). Na forma subaguda, cursa com cefaleia holocraniana, irritabilidade, alterações de comportamento, sonolência, anorexia, vômitos e dor abdominal associados à febre, fotofobia e rigidez de nuca por tempo superior a duas semanas. Eventualmente, apresenta sinais focais relacionados a síndromes isquêmicas locais ou ao envolvimento de pares cranianos (pares II, III, IV, VI e VII), podendo-se evidenciar sinais de hipertensão intracraniana. Na forma crônica, o paciente evolui várias semanas com cefaleia, até que o acometimento de pares cranianos faz o médico suspeitar de meningite crônica. Ocorre doença pulmonar concomitante em até 59% dos casos. Outra forma de TB do sistema nervoso central é a forma localizada (tuberculomas). Nessa apresentação, o quadro clínico é o de um processo expansivo intracraniano de crescimento lento, com sinais e sintomas de hipertensão intracraniana, sendo que a febre pode não estar presente.
TB pericárdica – Tem apresentação clínica subaguda e geralmente não se associa à TB pulmonar, embora possa ocorrer simultaneamente com a TB pleural. Os principais sintomas são dor torácica, tosse seca e dispneia. Muitas vezes, a dor não se manifesta como a dor pericárdica clássica. Pode haver febre, emagrecimento, astenia, tontura, edema de membros inferiores, dor no hipocôndrio direito (congestão hepática) e aumento do volume abdominal (ascite). Porém, raramente a TB pericárdica evolui com sinais clínicos de tamponamento cardíaco.
TB óssea – É mais comum em crianças (10% a 20% das lesões extrapulmonares na infância) ou em pessoas entre a quarta e a quinta década de vida. Atinge mais a coluna vertebral e as articulações coxofemoral e do joelho, embora possa ocorrer em outros locais. A TB de coluna (mal de Pott) é responsável por cerca de 1% de todos os casos de TB e até 50% de todos os casos de TB óssea. Ela afeta mais comumente a coluna torácica baixa e a lombar e seu quadro clínico apresenta-se com a tríade dor lombar, dor à palpação local e sudorese noturna.
Diagnóstico diferencial:
Na silicose, a história ocupacional é um importante subsídio para o diagnóstico, lembrando que nesses pacientes a concomitância com a TB ocorre com maior frequência.
Nas micoses pulmonares, a história epidemiológica é importante e, diferentemente da TB, a necrose do granuloma é do tipo liquefação, apresentando, radiologicamente, nódulos de múltiplos tamanhos, bilaterais e simétricos.
Nas vasculites pulmonares, os quadros clínico e radiológico podem eventualmente ser semelhantes, inclusive com presença de hemoptise e nodulações e/ou opacidades pulmonares múltiplas, escavadas e/ou justapleurais, geralmente acompanhadas de doença sistêmica.
Na sarcoidose, não há necrose nos granulomas e geralmente são observadas linfonodomegalias hilares, opacidades pulmonares reticulares na radiografia e tomografia computadorizada do tórax, além do comprometimento de outros órgãos como pele, olhos e articulações.
Micobacteriose não tuberculosa (MNT):
A apresentação clínica mais frequente das MNT é a pulmonar, e os sintomas incluem tosse produtiva crônica, dispnéia, hemoptise, febre e perda de peso. Esses sintomas frequentemente são confundidos com doenças pulmonares estruturais preexistentes, que constituem condições de risco para o desenvolvimento da colonização dessas micobactérias e da doença. Essas condições incluem as sequelas de tuberculose, bronquiectasias e as pneumoconioses, entre outras.
É possível que muitos casos de doença pulmonar por micobactérias não tuberculosas possam estar sendo tratados como TB, uma vez que os esquemas terapêuticos utilizados para o tratamento da TB contêm fármacos parcialmente eficazes para o tratamento de doença causada por MNT. As alterações radiológicas são semelhantes às da TB pulmonar, e a doença por MNT deve ser considerada, especialmente nas situações em que a resposta ao tratamento da TB é inadequada
4. Como se dá o tratamento para tuberculose? Como abordar os comunicantes? Qual a ação da levofloxacina?
O bacilo é dependente de oxigênio para o seu metabolismo e tem seu comportamento modulado pela concentração do gás no ambiente em que ele se encontra.
Na lesão pulmonar cavitária, existem condições ideais para a intensa atividade metabólica e para o crescimento bacilar rápido, como boa oferta de oxigênio, pH neutro e a presença de substâncias nutritivas. Pelas condições ideais, nas lesões cavitárias formam-se grandes populações bacilares, com frequência variável, de subpopulações de bacilos com mutações genéticas que conferem resistência natural aos medicamentos usados no tratamento da TB. Se o esquema terapêutico é equivocado, realizado de maneira irregular, com doses inadequadas ou interrompido precocemente, cepas resistentes aos medicamentos podem ser selecionadas, caracterizando a resistência adquirida.
No Brasil, o esquema básico para tratamento da TB em adultos e adolescentes é composto por quatro fármacos na fase intensiva e dois na fase de manutenção. A apresentação farmacológica dos medicamentos, atualmente em uso, para o esquema básico é de comprimidos em doses fixas combinadas com a apresentação tipo 4 em 1 (RHZE) ou 2 em 1 (RH).
O esquema básico em crianças (< de 10 anos de idade) é composto por três fármacos na fase intensiva (RHZ), e dois na fase de manutenção (RH), com apresentações farmacológicas individualizadas (comprimidos e/ou suspensão).
Esquemas especiais, incluindo outros fármacos, são preconizados para diferentes populações conforme descrito no capítulo específico (ver capítulo Esquemas de Tratamento para a Tuberculose). Os esquemas especiais preconizados possuem complexidade clínica e operacional que fazem com que o Ministério da Saúde recomende a sua utilização, preferencialmente, em unidades com perfis assistenciais especializados.
Tratamento da TB em PVHIV:
Devem ser utilizados os esquemas padronizados para o tratamento da TB na população em geral. O prolongamento da fase de manutenção poderá ser considerado dependendo da evolução clínica e/ou bacteriológica.
A rifampicina é um fármaco essencial no tratamento padronizado de primeira linha para TB (esquema básico). Regimes que não incluem a rifampicina, quando indicados em PVHIV, são menos eficazes, resultam em retardo na negativação da baciloscopia, prolongam a duração do tratamento da TB, têm maiores taxas de recidiva, falência e letalidade, além de, em alguns casos, necessitarem da administração de medicação injetável.
A rifabutina está recomendada em substituição à rifampicina, nos esquemas terapêuticos de TB, quando for necessário associar ou manter o inibidor de protease (IP/r) ou dolutegravir no esquema antirretroviral.
A hospitalização é recomendada nos seguintes casos:
TB meningoencefálica;
intolerância aos medicamentos antiTB incontrolável em ambulatório;
estado geral que não permita tratamento em ambulatório;
intercorrências clínicas e/ou cirúrgicas relacionadas ou não à TB que necessitem de tratamento e/ou procedimento em unidade hospitalar; e
situação de vulnerabilidade social como ausência de residência fixa ou grupos com maior possibilidade de abandono, especialmente se for um caso de retratamento, falência ou multirresistência.
O período de internação deve ser reduzido ao mínimo possível, limitando-se ao tempo suficiente para atender às razões que determinaram sua indicação. As orientações de biossegurança devem ser observadas (ver capítulo Medidas de Controle de Infecção da Tuberculose em Unidades de Saúde).
A indicação de internação compulsória para tratamento de tuberculose deve ser considerada somente em casos excepcionais, esgotadas todas as possibilidades de abordagem terapêutica ambulatorial, com avaliação dos serviços de assistência social e aval do Ministério Público.
Interações medicamentosas:
As interações medicamentosas dos fármacos antiTB podem ocorrer em dois níveis:
(1) na absorção e
(2) no metabolismo do fármaco.
A rifampicina, a isoniazida e o etambutol requerem meio ácido para sua absorção, podendo ser reduzida com o uso concomitante de fármacos que aumentam o pH gástrico. A rifampicina é um exemplo de indutor enzimático, produzindo interações com muitos medicamentos.
A presença de comorbidades com utilização concomitante de outros medicamentos associados ao tratamento antiTB requer monitoramento clínico diferenciado e pode necessitar que exames laboratoriais sejam solicitados com maior frequência.
A Ofloxacina pode ser substituída pela Levofloxacina. Para pacientes acima de 50kg: Ofloxacina 800 mg/dia – Levofloxacina 750 mg/dia;
Grupo 3 - Fluoroquinolonas – ofloxacina, levofloxacina e moxifloxacina:
Também são medicamentos obrigatórios na composição do esquema para TB-MDR. Embora a ofloxacina seja a mais utilizada e de menor custo, a Levofloxacina e a moxifloxacina são mais eficazes. A levofloxacina é a medicação de escolha atual pela maior experiência conhecida em relação à moxifloxacina. Por questões operacionais, a ofloxacina poderá, temporariamente, substituir a Levofloxacina na composição do esquema. Deve ser usada em dose única diária.
5. Quais os fatores de risco para a contaminação e desenvolvimento da tuberculose?
6. Como ocorre o rastreio e a prevenção da tuberculose?
Vacinação:
A vacina BCG (Bacilo Calmette-Guérin) é utilizada desde a década de 1920 como medida preventiva complementar no controle da tuberculose. A vacina previne especialmente as formas graves da doença, como TB miliar e meníngea na criança. É uma das mais utilizadas em todo mundo e sua incorporação nos programas de imunização teve impacto na redução da mortalidade infantil por TB em países endêmicos.
A meta de cobertura vacinal preconizada pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) para BCG é a vacinação de 90% das crianças menores de um ano de idade. Nos últimos anos, o Brasil tem apresentado resultados de cobertura vacinal acima da meta preconizada (BRASIL, 2017a).
A vacina está disponível em aproximadamente 37 mil salas de vacinação da rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo maternidades.
A BCG não protege indivíduos já infectados pelo M. tuberculosis e nem evita o adoecimento por reativação endógena ou reinfecção exógena.
A vacina BCG está, prioritariamente, indicada para crianças de 0 a 4 anos, 11 meses e 29 dias de idade, para:
recém-nascidos com peso ≥ 2 kg devem ser vacinados o mais precocemente possível, de preferência na maternidade, logo após o nascimento.
Para crianças expostas ao HIV, a vacinação BCG deve ser feita conforme as recomendações a seguir:
administrar ao nascimento ou o mais precocemente possível;
crianças de até 4 anos, 11 meses e 29 dias que chegam ao serviço, ainda não vacinadas, poderão receber BCG se assintomáticas e sem sinais de imunodepressão;
a revacinação não é indicada;
a partir dos 5 (cinco) anos de idade, crianças vivendo com HIV não devem ser vacinadas, mesmo que assintomáticas e sem sinais de imunodeficiência.
7. Quais as principais redes de cuidado no âmbito do SUS para os tuberculosos? Destaque as estratégias, notificação, adesão ao tratamento da Tuberculose
8. Caracterize a Traqueobronquite e enfisema pulmonar.