U3 SP4 - UM DIA EU MUDO DE VIDA!
Tony ,pode ser considerado um “workaholic”. Com apenas 35 anos de idade, é executivo em uma multinacional produtora de equipamentos médicos. Viaja com frequência, nem sempre se alimenta adequadamente e usa quase todas as noites ansiolíticos para poder conciliar o sono. Jantando com outros executivos, ingere bebidas alcoólicas com regularidade, embora não tenha dependência de álcool. Não fuma.
Há alguns anos queixa-se de dor em queimação na região epigástrica, que piora quando se deita após alimentação. Procurou um especialista que, por intermédio de uma endoscopia digestiva alta, diagnosticou uma úlcera duodenal em atividade, com pesquisa de H. pylori positiva. Prescreveu tratamento para H. Pylori (este não utilizado pois teve medo de piorar a dor), omeprazol e um antiácido líquido.
No princípio, Tony fez uso das medicações com regularidade, mas depois passou a tomá-las quando se sentia incomodado pela dor abdominal. Recentemente, entretanto, depois de uma semana particularmente estressante, teve episódio de dor abdominal de forte intensidade, que não respondeu à medicação prescrita. No dia seguinte, foi acordado pela mesma dor, porém de grande intensidade, motivo pelo qual foi trazido para atendimento de urgência.
No hospital, os médicos constataram hipotensão arterial (90/50mmHg), mucosas hipocoradas (++/4+) e mau estado geral. Ao exame abdominal (os demais aparelhos eram normais), a peristalse estava ausente e havia rigidez extrema da parede, com descompressão dolorosa. Foi submetido a radiografia de abdome em posição ortostática, cuja imagem encontra-se reproduzida.
Frente aos achados radiológicos, o paciente foi imediatamente conduzido ao centro cirúrgico para laparotomia exploradora, onde se evidenciou uma perfuração duodenal por úlcera péptica. Procedeu- se a rafia da úlcera e abundante lavagem da cavidade abdominal com solução fisiológica.
O paciente permaneceu internado durante dez dias, com sonda nasoenteral, por onde foi posteriormente introduzida alimentação líquida, com reposição hídrica e antibioticoterapia. Obteve alta em duas semanas, com prescrição de tratamento para H. pylori, com reforço da importância de realizá-lo, omeprazol, e orientação para mudar seus hábitos.
Identificação: Tony, 35 anos
Hipoteses
A provável perfuração duodenal do paciente é decorrente da H.pylori sem tratamento.
O tratamento do H.pylori consiste em antibioticoterapia associada ao inibidor de bomba de prótons, corticóides e antiácidos.
O tratamento cirúrgico da perfuração duodenal consiste na secção de faixa de duodeno com anastomose de boca a boca.
Os fatores de risco como o álcool e estresse aumenta a secreção de Hcl favorecendo as úlceras.
O paciente apresenta sintomas compatíveis com refluxo esofágico, que podem levar a displasia e metaplasia esofágica.
O melhor exame diagnóstico para o paciente seria a endoscopia digestiva alta.
Questões de aprendizagem
1)Qual a definição, fatores de risco , epidemiologia e etiologia da Síndrome Dispéptica.
2)Explique a fisiopatologia das principais etiologias da Síndrome Dispéptica (gastroparesia e H.pylori).
3)Como realizar o diagnóstico das principais etiologias e classificação das lesões.
4)Quais as principais complicações da Síndrome Dispéptica? (refluxo e úlceras).
5)Descreva o quadro clínico, diagnóstico e exames complementares para abdômen perfurativo (úlceras perfuradas).
6)Como realizar o tratamento da Síndrome Dispéptica e úlcera perfurada. (explicar o mecanismo de ação).
7)Qual a relação do estilo de vida com a Síndrome Dispéptica e abdome perfurativo?
8)Quais as indicações para a endoscopia digestiva alta?
Síntese Individual:
1)Qual a definição, fatores de risco , epidemiologia e etiologia da Síndrome Dispéptica.
De acordo com os critérios de Roma IV, a dispepsia funcional compreende duas síndromes distintas, que podem se sobrepor na prática clínica. A maioria dos pacientes é categorizada como portadora da síndrome de desconforto pós-prandial, que é definida como saciedade pós-prandial incômoda e saciedade precoce, sempre relacionada com a refeição. Uma síndrome de dispepsia funcional menos comum é a síndrome da dor epigástrica, que é definida como dor epigástrica recorrente e queimação epigástrica. A síndrome da dor epigástrica pode ser dividida em síndrome de desconforto pós-prandial relacionada com as refeições e síndrome da dor epigástrica não relacionada com as refeições (Tabela e-128.1). É digno de nota que a dispepsia é um sintoma abdominal que deve ser diferenciado da pirose (ver mais adiante), que é sentida no tórax e é atribuível ao esôfago. A utilidade clínica desses subgrupos é motivo de controvérsia porque essas duas entidades frequentemente se sobrepõem no mesmo paciente. Além disso, a correlação da fisiopatologia com padrões de sintomas distintos não foi confirmada.
Dispepsia é um termo médico utilizado para caracterizar dificuldades na digestão. Corresponde à presença de ≥ 1 dos 4 sintomas cardinais: empachamento pós-prandial, saciedade precoce, dor epigástrica e queimação epigástrica. Pode ser causada por uma série de doenças, sendo a dispepsia funcional (idiopática) a causa mais comum (Tabela 1).
EPIDEMIOLOGIA
A prevalência de dispepsia não investigada na população geral é estimada em 5-15%. No mundo ocidental, a prevalência é de 10-30%. Apresenta taxa de incidência anual de 1-6%.
Há discreto predomínio em mulheres.
De forma acadêmica separamos a dispepsia funcional em síndrome dolorosa epigástrica (predomínio de epigastralgia e queimação, sem necessidade de relação com alimentação, com frequência de 1x/semana por 3 meses) e síndrome do desconforto pós-prandial (empachamento pós-prandial ou saciedade precoce, 3x/semana por 3 meses).
A dispepsia é um sintoma comum com um extenso diagnóstico diferencial e uma fisiopatologia heterogênea [ 1 ]. A prevalência de dispepsia não investigada em todo o mundo é de até 20%, especialmente em mulheres, fumantes e pessoas que tomam agentes antiinflamatórios não esteróides. A prevalência varia de acordo com a definição utilizada para dispepsia [ 2,3 ]. A dispepsia pode prejudicar significativamente a qualidade de vida [ 4 ]. A proporção de pessoas afetadas que procuram atendimento médico varia de 14 a 66 por cento em vários países e grupos étnicos [ 5]. A maioria dos pacientes (75 a 80 por cento) com sintomas de dispepsia é finalmente categorizada como tendo dispepsia funcional (idiopática, não ulcerosa). Muitas autoridades a consideram um "distúrbio da interação intestino-cérebro" junto com a síndrome do intestino irritável e outros distúrbios gastrointestinais baseados em sintomas [ 6 ], mas o termo "funcional" ainda é comumente usado.
2)Explique a fisiopatologia das principais etiologias da Síndrome Dispéptica (gastroparesia e H.pylori).
Esvaziamento gástrico, acomodação e função vagal – A dispepsia funcional tem sido associada a vários distúrbios de motilidade. Estes incluem atrasos leves no esvaziamento gástrico, esvaziamento gástrico rápido, hipomotilidade antral, disritmias gástricas, acomodação gástrica prejudicada em resposta a uma refeição e disfunção vagal abdominal [ 10-13 ]. No entanto, esses achados variam entre os pacientes. (A gastroparesia é uma síndrome de esvaziamento gástrico objetivamente retardado de sólidos na ausência de obstrução mecânica e sintomas cardinais de náusea, vômito, saciedade precoce, eructação, inchaço e/ou dor abdominal superior)
Hipersensibilidade visceral – A hipersensibilidade visceral é caracterizada por um limiar reduzido para indução de dor na presença de complacência gástrica normal. A hipersensibilidade visceral independente do esvaziamento gástrico retardado foi demonstrada em pacientes com dispepsia funcional [ 14 ]. Tanto a disfunção dos mecanorreceptores quanto o processamento aberrante da entrada aferente na medula espinhal ou no cérebro podem desempenhar um papel na fisiopatologia da hipersensibilidade visceral [ 15 ]. Em um estudo que incluiu 270 pacientes com dispepsia funcional, 37% apresentavam hipersensibilidade à distensão gástrica, e os pacientes hipersensíveis relataram escores de sintomas cumulativos mais altos em comparação com pacientes normosensíveis [ 10]. A infusão intraduodenal de dextrose e lipídios também foi associada a sintomas em pacientes com dispepsia funcional, e uma associação de hipersensibilidade com concentrações plasmáticas mais altas de hormônios enterais sugeriu mediação hormonal da sensibilidade [ 16 ] .
Infecção por Helicobacter pylori – O papel da infecção por H. pylori na patogênese da dispepsia funcional permanece obscuro (consulte "Fisiopatologia e resposta imune à infecção por Helicobacter pylori" ). Além disso, apenas uma pequena minoria de pacientes com dispepsia funcional relata melhora dos sintomas após a terapia de erradicação para H. pylori [ 17 ]. (A inflamação crônica induzida pelo H. pylori altera em graus variados a fisiologia secretora de ácido gástrico e leva à gastrite crônica que, na maioria dos indivíduos, é assintomática e não progride ( figura 1 ). Em alguns casos, no entanto, a secreção gástrica alterada associada à lesão tecidual leva à úlcera péptica, enquanto em outros casos, a gastrite progride para atrofia, metaplasia intestinal e eventualmente carcinoma gástrico ou, raramente, devido à estimulação imune persistente do tecido linfóide gástrico, linfoma.)
Microbioma intestinal alterado – Alterações no microbioma do trato gastrointestinal superior podem resultar no desenvolvimento de dispepsia. Esta hipótese é suportada pela observação de que os sintomas dispépticos são mais prováveis de ocorrer após um episódio de gastroenterite [ 18-21 ]. Em um estudo, os fatores de risco para a persistência de dispepsia oito anos após a exposição a um surto de disenteria bacteriana transmitida pela água foram sexo feminino, tabagismo, síndrome do intestino irritável pré-mórbido (SII), ansiedade, depressão e > 7 dias de diarreia ou cólicas abdominais durante a doença aguda [ 19 ]. Foi levantada a hipótese de que a eficácia do H. pyloria terapia para melhorar os sintomas de dispepsia funcional em alguns pacientes se deve ao impacto no microbioma intestinal, e não apenas à erradicação do H. pylori [ 22,23 ].
Inflamação duodenal e ativação imune – Aumento de eosinófilos e mastócitos e populações alteradas de linfócitos, incluindo linfócitos "gut-homing", foram relatados no duodeno de pacientes com dispepsia funcional [ 24-28 ]. Diferenças estruturais e funcionais nos gânglios submucosos duodenais entre pacientes com dispepsia funcional e controles também foram descritas [ 29 ]. A endomicroscopia confocal revelou lacunas epiteliais aumentadas em pacientes com dispepsia funcional, além de resistência elétrica transepitelial reduzida que foi inversamente correlacionada com a gravidade dos sintomas [ 30 ]. O inibidor da bomba de prótons pantoprazolredução de eosinófilos duodenais, mastócitos, permeabilidade da mucosa e sintomas em pacientes com dispepsia funcional [ 31 ]. Esses achados suportam a sugestão de que fatores luminais, como ácidos e ácidos biliares, causam inflamação de baixo grau que prejudica a integridade da mucosa, resultando em neurorregulação gastrointestinal anormal e sintomas [ 32 ] .
O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) e o estresse – Pacientes com distúrbios gastrointestinais funcionais que experimentam estresse mental podem ter ativação aumentada da amígdala e desregulação do eixo HPA [ 33 ]. Em indivíduos saudáveis, o estresse agudo aumenta os níveis de cortisol salivar e a permeabilidade intestinal [ 34 ]. Em pacientes com dispepsia funcional, especialmente aqueles com o subtipo de dor epigástrica, a ressonância magnética do cérebro revelou anormalidades funcionais em áreas que processam sinais aferentes [ 35 ].
Disfunção psicossocial – A dispepsia funcional tem sido associada ao transtorno de ansiedade generalizada, somatização e depressão maior. Há também uma maior prevalência de distúrbios gastrointestinais funcionais em pacientes com história auto-relatada de abuso na infância. Em pacientes com o protótipo do distúrbio gastrointestinal funcional, SII, uma história de eventos adversos no início da vida foi relacionada à hiperresponsividade do HPA a um estressor visceral. Um estudo de acompanhamento de longo prazo revelou que o traço inicial de ansiedade estava independentemente correlacionado com sintomas e qualidade de vida; depressão, ansiedade e sintomas somáticos funcionais comórbidos (SII e fadiga crônica) foram associados transversalmente a sintomas de dispepsia no acompanhamento. A importância dos fatores psicossociais é ainda mais evidente a partir de uma análise de um grande número de pacientes com dispepsia funcional que avaliaram sintomas gastrointestinais, comorbidade psicológica e sintomas extraintestinais. Os indivíduos agrupados em quatro grupos, dois dos quais foram caracterizados por alta carga psicológica.
3)Como realizar o diagnóstico das principais etiologias e classificação das lesões.
4)Quais as principais complicações da Síndrome Dispéptica? (refluxo e úlceras).
Diagnóstico Diferencial:
O diagnóstico diferencial da dispepsia funcional inclui outras causas orgânicas de dispepsia. Embora existam várias causas orgânicas para dispepsia, as principais causas são úlcera péptica, gastrite, refluxo gastroesofágico e medicamentos (por exemplo, anti-inflamatórios não esteroides [AINEs]). Uma malignidade gástrica subjacente é uma causa rara de dispepsia na América do Norte. A dispepsia funcional é diferenciada dessas por avaliação clínica, exames laboratoriais e endoscopia digestiva alta.
●Doença do refluxo gastroesofágico – Os sintomas mais comuns da doença do refluxo gastroesofágico são dor em queimação retroesternal e regurgitação. Os sintomas de dispepsia podem coexistir com pirose, mas em pacientes com dispepsia funcional, dor epigástrica e plenitude são os sintomas predominantes.
●Gastroparesia – A gastroparesia é menos prevalente do que a dispepsia funcional, mas se sobrepõe a ela, pois o esvaziamento gástrico pode ser lento e os sintomas de dispepsia ocorrem em ambos os distúrbios. Pacientes com dispepsia funcional podem apresentar náuseas. No entanto, em pacientes com gastroparesia, vômitos, em vez de dor abdominal ou plenitude epigástrica, geralmente são o sintoma predominante.
●Síndrome do intestino irritável – Mais de 60 por cento dos pacientes com dispepsia funcional podem ter sintomas de SII sobrepostos, e a sobreposição pode ser mais provável quando os sintomas de qualquer um dos distúrbios são graves. Em vez de dor epigástrica associada à dispepsia funcional, a SII é caracterizada por dor ou desconforto abdominal associado a uma alteração na forma ou frequência das fezes. Em comparação com pacientes com SII isolada, os pacientes com SII e dispepsia funcional apresentaram maior inchaço e dor abdominal após um teste de provocação com nutriente lactulose.
5)Descreva o quadro clínico, diagnóstico e exames complementares para abdômen perfurativo (úlceras perfuradas).
Pacientes com dispepsia funcional geralmente descrevem plenitude pós-prandial, saciedade precoce, inchaço e/ou dor/queimação epigástrica. A plenitude pós-prandial é o sintoma mais intenso em pacientes com sintomas induzidos pela refeição. Os sintomas podem ser graves o suficiente para limitar as atividades habituais. Alguns pacientes podem ter náuseas, vômitos ou azia, no entanto, esses sintomas geralmente são infrequentes.
Diagnóstico:
Visão geral da abordagem diagnóstica — Suspeita-se de dispepsia funcional em pacientes com história clínica de plenitude pós-prandial, saciedade precoce ou dor/queimação epigástrica. Um diagnóstico clínico de dispepsia funcional requer o cumprimento de critérios diagnósticos baseados em sintomas e uma avaliação para excluir outras causas de dispepsia. Essa avaliação consiste em uma história (por exemplo, dietética, médica, cirúrgica, familiar e medicamentos/suplementos), exame físico, estudos laboratoriais e avaliação endoscópica para excluir doença orgânica/estrutural para explicar os sintomas (algoritmo 1 ) . Uma abordagem para a avaliação de um paciente com dispepsia é discutida em detalhes separadamente.
Critérios diagnósticos — Critérios baseados em sintomas foram propostos para padronizar o diagnóstico de dispepsia funcional.
●Critérios de Roma IV para dispepsia funcional – De acordo com os critérios de Roma IV, a dispepsia funcional é definida como a presença de um ou mais dos seguintes sintomas: plenitude pós-prandial, saciedade precoce, dor epigástrica ou queimação epigástrica e nenhuma evidência de doença estrutural (incluindo na endoscopia digestiva alta) para explicar os sintomas.
Embora os pacientes com esses sintomas e uma avaliação diagnóstica negativa provavelmente tenham dispepsia funcional, de acordo com as diretrizes de Roma IV, os critérios devem ser preenchidos nos últimos três meses com início dos sintomas pelo menos seis meses antes do diagnóstico. Os critérios de frequência e duração dos sintomas são particularmente úteis para definir a elegibilidade do paciente para pesquisa, mas o julgamento do clínico pode permitir o diagnóstico na prática sem adesão rígida a eles.
●Subtipos de dispepsia funcional – Dois subtipos de dispepsia funcional são reconhecidos com base nos sintomas predominantes. No entanto, a sobreposição entre esses subtipos é comum:
•A síndrome do desconforto pós-prandial é caracterizada por plenitude pós-prandial incômoda e/ou saciedade precoce.
•A síndrome da dor epigástrica é caracterizada por dor epigástrica incômoda ou queimação que não é exclusivamente pós-prandial.
6)Como realizar o tratamento da Síndrome Dispéptica e úlcera perfurada. (explicar o mecanismo de ação).
7)Qual a relação do estilo de vida com a Síndrome Dispéptica e abdome perfurativo?
8)Quais as indicações para a endoscopia digestiva alta?