A Nota Técnica foca, de forma intensa, a ideia de “tratamento”; tanto com relação às modalidades, como também na forma de uma expressão geral. Logo de início, a palavra “tratamento” surge na página 3: “A Política Nacional de Saúde Mental compreende as estratégias e diretrizes adotadas pelo país, com o objetivo de organizar o tratamento e assistência aos pacientes e seus familiares na área de Saúde Mental”. O tratamento aqui destacado é colocado no corpo do texto enquanto pilar da PNSM e essa intenção se repetirá em outras partes da Nota Técnica. Ainda na mesma página, é apresentada a seguinte noção sobre modalidade de tratamento, referente ao que se pretende com as mudanças propostas no documento: “O objetivo é fazer com que pacientes, dos casos menos complexos aos mais graves, tenham acesso a tratamento efetivo no SUS, de acordo com suas necessidades e peculiaridades, sem deixar de lado nenhuma modalidade de tratamento validada e aplicável” (p. 3).
O questionável, no que está transcrito acima, está na compreensão do que a Nota Técnica defende enquanto “tratamento efetivo” e “modalidade de tratamento validada e aplicável”. Essa discussão se torna importante visto que o conceito de “tratamento” sofre alteração com a presente nota. Mencionar que nenhuma modalidade de tratamento será deixada de lado, dá margem à interpretação de que qualquer modalidade de tratamento é aceitável, incluindo aqueles que são considerados antiquadas ou até mesmo inapropriados na visão da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2021).
A retomada de formas de tratamento questionáveis e extremamente invasivas, como por exemplo a Eletroconvulsoterapia (ECT), deve ser vista como algo preocupante e merece as devidas reflexões. Na Nota Técnica a busca por esse tipo de tratamento está vinculada ao juízo de “melhor aparato terapêutico para a população”. Além disso, incentivará a compra de aparelhos de eletrochoque, visto que estes passam a compor a lista do Sistema de Informação e Gerenciamento de Equipamentos e Materiais (SIGEM) do Fundo Nacional de Saúde, no item 11.711. Desse modo, o Ministério da Saúde passaria a financiar a compra desse tipo de equipamento para o tratamento de pacientes que apresentam determinados transtornos mentais graves e que sejam refratários a outras abordagens terapêuticas
Vale ressaltar que a Lei Federal n. 10.216/2001 redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento não invasivo e em serviços de base comunitária, em detrimento de modelos invasivos e hospitalocêntricos. A OMS, acerca de Saúde Mental, advertia sobre a relevância e eficácia de métodos de tratamento com base na comunidade. A Nota Técnica em estudo alega que é “direito do paciente ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades”.
No que diz respeito à modalidade de tratamento “internação”, observouse, conforme a leitura da Nota Técnica, que ela objetiva recorrer, cada vez mais, à internação como caminho para eficácia no tratamento dos pacientes. Por isso, se alicerça na construção de hospitais psiquiátricos, no aumento de leitos psiquiátricos em hospitais convencionais e no incentivo às chamadas “comunidades terapêuticas”. A internação psiquiátrica, de acordo com a Lei, e com as evidencias cientificas, deve ser indicada apenas para casos graves, quando se esgotam os recursos extra-hospitalares para o tratamento da pessoa com transtorno mental. A internação de pessoas em instituições com características asilares é proibida.q2
SOBRE DROGAS:
Política de Drogas, a “abstinência”, considerada uma solução plausível e louvável. Nesse sentido, procura-se afastar a lógica da estratégia de Redução de Danos, e centralizar na abstinência o método de tratamento para os usuários de drogas.
No extremo oposto, o paradigma da abstinência prega a descontinuidade imediata do uso pela imposição. Esse tipo de tratamento, o qual defende a ruptura do uso como a principal estratégia de saúde pública, não se baseia em evidencias científicas comprobatórias do melhor tipo terapêutico e, assim, se coloca contra os avanços da Reforma Psiquiátrica e da Política Nacional de Redução de Danos
HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS:
Há, portanto, uma intenção explícita, na Nota Técnica, de se revigorar os hospitais psiquiátricos, incorporá-los à RAPS e suspender as ações em favor do fechamento de leitos psiquiátricos. O documento, todavia, comete um equívoco na interpretação que é atribuída à RAPS, visto que ela representa uma rede de cuidado focalizada em serviços terapêuticos, comunitários e extra-hospitalares, que se opõe à perspectiva de internações em hospitais psiquiátricos.
Nota-se, a partir da análise do Gráfico 1, que o valor destinado ao financiamento de hospitais psiquiátricos teve um aumento significativamente maior que o repasse destinado à Rede de Atenção Psicossocial, o que mostra a priorização dos hospitais psiquiátricos frente a outros mecanismos no âmbito da saúde mental no Brasil.
PREVENÇÃO:
a Nota Técnica menciona que haverá maior atuação do Ministério da Saúde na esfera de prevenção, compreendendo essa temática como relevante para a discussão acerca de saúde mental no país.
É perceptível o direcionamento das ações de prevenção para dois eixos, o primeiro referente à “dependência química”, e o segundo ao “suicídio”. Não se pode desmerecer o quanto são importantes ações focalizadas nesses dois eixos. Entretanto, o campo dos problemas que envolve a Saúde Mental das pessoas é muito mais amplo e decorre de uma série de fatores ambientais, pessoais e sociais que também devem ser levados em consideração ao pensar-se na esfera de prevenção. Além disso, as informações decorrentes da avaliação realizada nos programas já existentes, mencionadas no documento, não se acompanham de dados que demonstrem os resultados ditos como “bastante insatisfatórios”, nem referenciam esses dados, o que torna a informação questionável.
Por fim, a Nota Técnica traz, no tocante a “prevenção” do suicídio, como foco de ações preventivas, apenas seis estados brasileiros que, segundo o Ministério da Saúde, possuem os maiores índices. Nesse sentido algumas perguntas se fazem necessárias: E nos demais estados, não haverá investimento em ações preventivas? Ou só possuirão tal prioridade quando possuírem índices mais altos? Para Pavoski et al. (2018) um dos desafios na condução de programas preventivos em saúde mental se refere à dificuldade de atrair os participantes e obter sucesso no recrutamento. Esse problema, segundo a autora, pode ser solucionado quando se implementa intervenções universais destinadas a populações inteiras, devido às especificidades do Brasil e de suas regiões. Como o próprio nome sugere, “ações preventivas” decorrem da importância de se acautelar estados mais graves de saúde mental, e isso significa que se pretende um cuidado inicial e primário que vise a não necessidade de medidas mais intensas, como internações.
De Volta pra casa: o paciente consegue voltar pra casa e ganha um benefício. As vezes a família pode querer a pessoa de volta pelo benefício $$
Art. 5º A Rede de Atenção Psicossocial é constituída pelos seguintes componentes:
I - atenção básica em saúde, formada pelos seguintes pontos de atenção:
a) Unidade Básica de Saúde;
b) equipe de atenção básica para populações específicas:
1. Equipe de Consultório na Rua;
2. Equipe de apoio aos serviços do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório;
c) Centros de Convivência;
II - atenção psicossocial especializada, formada pelos seguintes pontos de atenção:
a) Centros de Atenção Psicossocial, nas suas diferentes modalidades;
III - atenção de urgência e emergência, formada pelos seguintes pontos de atenção:
a) SAMU 192;
b) Sala de Estabilização;
c) UPA 24 horas;
d) portas hospitalares de atenção à urgência/pronto socorro;
e) Unidades Básicas de Saúde, entre outros;
IV - atenção residencial de caráter transitório, formada pelos seguintes pontos de atenção:
a) Unidade de Recolhimento;
b) Serviços de Atenção em Regime Residencial;
V - atenção hospitalar, formada pelos seguintes pontos de atenção:
a) enfermaria especializada em Hospital Geral;
b) serviço Hospitalar de Referência para Atenção às pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas;
VI - estratégias de desinstitucionalização, formada pelo seguinte ponto de atenção:
a) Serviços Residenciais Terapêuticos; e
VII - reabilitação psicossocial.
Art. 6º São pontos de atenção da Rede de Atenção Psicossocial na atenção básica em saúde os seguintes serviços:
I - Unidade Básica de Saúde: serviço de saúde constituído por equipe multiprofissional responsável por um conjunto de ações de saúde, de âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver a atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades;
II - Equipes de Atenção Básica para populações em situações específicas:
a) Equipe de Consultório na Rua: equipe constituída por profissionais que atuam de forma itinerante, ofertando ações e cuidados de saúde para a população em situação de rua, considerando suas diferentes necessidades de saúde, sendo responsabilidade dessa equipe, no âmbito da Rede de Atenção Psicossocial, ofertar cuidados em saúde mental, para:
1. pessoas em situação de rua em geral;
2. pessoas com transtornos mentais;
3. usuários de crack, álcool e outras drogas, incluindo ações de redução de danos, em parceria com equipes de outros pontos de atenção da rede de saúde, como Unidades Básicas de Saúde, Centros de Atenção Psicossocial, Prontos-Socorros, entre outros;
b) equipe de apoio aos serviços do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório: oferece suporte clínico e apoio a esses pontos de atenção, coordenando o cuidado e prestando serviços de atenção à saúde de forma longitudinal e articulada com os outros pontos de atenção da rede; e
III - Centro de Convivência: é unidade pública, articulada às Redes de Atenção à Saúde, em especial à Rede de Atenção Psicossocial, onde são oferecidos à população em geral espaços de sociabilidade, produção e intervenção na cultura e na cidade.
§ 1º A Unidade Básica de Saúde, de que trata o inciso I deste artigo, como ponto de atenção da Rede de Atenção Psicossocial tem a responsabilidade de desenvolver ações de promoção de saúde mental, prevenção e cuidado dos transtornos mentais, ações de redução de danos e cuidado para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, compartilhadas, sempre que necessário, com os demais pontos da rede.
§ 2º O Núcleo de Apoio à Saúde da Família, vinculado à Unidade Básica de Saúde, de que trata o inciso I deste artigo, é constituído por profissionais de saúde de diferentes áreas de conhecimento, que atuam de maneira integrada, sendo responsável por apoiar as Equipes de Saúde da Família, as Equipes de Atenção Básica para populações específicas e equipes da academia da saúde, atuando diretamente no apoio matricial e, quando necessário, no cuidado compartilhado junto às equipes da(s) unidade(s) na(s) qual(is) o Núcleo de Apoio à Saúde da Família está vinculado, incluindo o suporte ao manejo de situações relacionadas ao sofrimento ou transtorno mental e aos problemas relacionados ao uso de crack, álcool e outras drogas.
§ 3º Quando necessário, a Equipe de Consultório na Rua, de que trata a alínea "a" do inciso II deste artigo, poderá utilizar as instalações das Unidades Básicas de Saúde do território.
§ 4º Os Centros de Convivência, de que trata o inciso III deste artigo, são estratégicos para a inclusão social das pessoas com transtornos mentais e pessoas que fazem uso de crack, álcool e outras drogas, por meio da construção de espaços de convívio e sustentação das diferenças na comunidade e em variados espaços da cidade.
Art. 7º O ponto de atenção da Rede de Atenção Psicossocial na atenção psicossocial especializada é o Centro de Atenção Psicossocial.
§ 1º O Centro de Atenção Psicossocial de que trata o caput deste artigo é constituído por equipe multiprofissional que atua sob a ótica interdisciplinar e realiza atendimento às pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e às pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, em sua área territorial, em regime de tratamento intensivo, semi-intensivo, e não intensivo.
§ 2º As atividades no Centro de Atenção Psicossocial são realizadas prioritariamente em espaços coletivos (grupos, assembleias de usuários, reunião diária de equipe), de forma articulada com os outros pontos de atenção da rede de saúde e das demais redes.
§ 3º O cuidado, no âmbito do Centro de Atenção Psicossocial,é desenvolvido por intermédio de Projeto Terapêutico Individual, envolvendo em sua construção a equipe, o usuário e sua família, e a ordenação do cuidado estará sob a responsabilidade do Centro de Atenção Psicossocial ou da Atenção Básica, garantindo permanente processo de cogestão e acompanhamento longitudinal do caso.
§ 4º Os Centros de Atenção Psicossocial estão organizados nas seguintes modalidades:
I - CAPS I: atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e também com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas de todas as faixas etárias; indicado para Municípios com população acima de vinte mil habitantes;
II - CAPS II: atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, podendo também atender pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, conforme a organização da rede de saúde local, indicado para Municípios com população acima de setenta mil habitantes;
III - CAPS III: atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes. Proporciona serviços de atenção contínua, com funcionamento vinte e quatro horas, incluindo feriados e finais de semana, ofertando retaguarda clínica e acolhimento noturno a outros serviços de saúde mental, inclusive CAPS Ad, indicado para Municípios ou regiões com população acima de duzentos mil habitantes;
IV - CAPS AD: atende adultos ou crianças e adolescentes, considerando as normativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Serviço de saúde mental aberto e de caráter comunitário, indicado para Municípios ou regiões com população acima de setenta mil habitantes;
V - CAPS AD III: atende adultos ou crianças e adolescentes, considerando as normativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, com necessidades de cuidados clínicos contínuos. Serviço com no máximo doze leitos leitos para observação e monitoramento, de funcionamento 24 horas, incluindo feriados e finais de semana; indicado para Municípios ou regiões com população acima de duzentos mil habitantes; e
VI - CAPS I: atende crianças e adolescentes com transtornos mentais graves e persistentes e os que fazem uso de crack, álcool e outras drogas. Serviço aberto e de caráter comunitário indicado para municípios ou regiões com população acima de cento e cinquenta mil habitantes.