COCOS OU BACILOS? GRAM POSITIVO OU NEGATIVO ?
Numa manhã fria de inverno, Eduardo, 2 anos, apresentou febre repentina de 38,7ºC, associada a mal-estar geral e sem outros sintomas. A mãe deu uma boa dose de dipirona para o filho pensando ser uma virose, assim como já havia feito várias vezes em outras ocasiões. Três horas depois a temperatura ainda estava em 37.9ºC, mantinha-se prostrado, só querendo ficar deitado. Apresentou dois episódios de vômitos só na parte da manhã, recusando líquidos e alimentos sólidos. Não havia tido evacuações ou diurese desde a noite anterior até o início da tarde, quando a mãe resolveu levá-lo para o Pronto Socorro.
Já na classificação de risco feito pela enfermagem se percebeu que Eduardo não estava bem: embora sem febre, foi detectada uma FC de 160, pouco reativo com dextro de 110.
O atendimento foi priorizado, o médico logo indicou sala de emergência, monitorização, oferta de oxigênio em máscara não reinalante e acesso venoso. A criança respirava mais rápido, mas não tinha ruídos adventícios em vias aéreas superiores ou inferiores. O pulso era quase indetectável e o tempo de enchimento capilar lentificado, de 5 segundos.
O exame neurológico mostrou hipoatividade, rigidez de nuca, sinais de Kernig e Brudzinski presentes e ausência de papiledema à fundoscopia ótica. Ao se expor a criança foi percebido rendilhado geral (moteamento) e petéquias em tronco e membros.
Recebeu duas expansões com cristalóide e 100mg/kg de Ceftriaxone antes de chegar no isolamento da UTI – Pediátrica, no início da 2ª hora após entrada no PS. Foi estabilizado e em seguida realizada punção lombar, com saída de líquor turvo, que foi enviado para análises laboratoriais, bacterioscopia, cultura e teste de sensibilidade bacteriana. Mantido o mesmo antibiótico iniciado, até resultado dos demais exames, bem como dexametasona.
Em menos de uma hora, chegaram os resultados do líquor: 2.500 células/mm3 (95% polimorfonucleares), glicose: 20mg/dl e proteínas: 80 mg/dl. A bacterioscopia e cultura estavam em análise.
A mãe relatou que a criança nasceu logo no início da pandemia de COVID-19, não conseguiu levá-lo à UBS para consultas e vacinas e que a escolinha acabou de avisar que há uma outra criança internada com quadro semelhante. A Comissão de Infecção Hospitalar foi acionada, indicando notificação e profilaxia imediatas, através do acionamento do Centro de Vigilância Epidemiológica.
Conforme o resultado inicial do antibiograma, orientou troca do antibiótico para penicilina cristalina. A evolução de Eduardo foi boa, com melhora do estado geral e sem déficit neurológico.
Identificação: EDUARDO, 2 anos
Problemas: (grifos em amarelo)
Hipóteses:
com os dados fornecidos, não é possível diferenciar, em um primeiro momento, se é caso de meningite bacteriana ou viral, sendo necessária a coleta do líquor (com bacterioscopia);
o aspecto do líquor na meningite fica turvo quando há um quadro de alta celularidade, baixa glicose e aumento de proteínas;
com a rigidez na nuca e sinais de Kernig e Brudzinski positivos, o quadro é altamente sugestivo de meningite;
inicialmente, foi administrado um antibiótico de amplo espectro que, após exames, optou-se por um tratamento mais específico (penicilina cristalina);
Questões de Aprendizagem:
Diferencie a meningite bacteriana da viral e suas respectivas epidemiologias;
Descreva a fisiopatologia da meningite - bacteriana e viral - quadro clínico e transmissão;
Como é realizado o diagnóstico da meningite?
Como é realizado o tratamento da meningite (classe dos betalactâmicos e penicilina cristalina)?
Como é feita a prevenção das meningites bacteriana e viral (atualização da carteira de vacinação)? Como se faz a profilaxia dos contactantes?
Como funciona a CCIH (comissão de controle de infecção hospitalar)?
O que é meningococcemia? Quais as possíveis sequelas da meningite?
Fontes:
Síntese Individual:
1.Diferencie a meningite bacteriana da viral e suas respectivas epidemiologias;
Aspectos epidemiológicos:
As meningites têm distribuição mundial e sua expressão epidemiológica depende de diferentes fatores, como o agente infeccioso, a existência de aglomerados populacionais, características socioeconômicas dos grupos populacionais e do meio ambiente (clima).
De modo geral, a sazonalidade da doença caracteriza-se pelo predomínio das meningites bacterianas no inverno e das meningites virais no verão.
A N. meningitidis é a principal bactéria causadora de meningite. Tem distribuição mundial e potencial de ocasionar epidemias. Acomete indivíduos de todas as faixas etárias, porém apresenta uma maior incidência em crianças menores de 5 anos, especialmente em lactentes entre 3 e 12 meses. Durante epidemia, observam-se mudanças nas faixas etárias afetadas, com aumento de casos entre adolescentes e adultos jovens.
O “cinturão africano” – região ao norte da África – é frequentemente acometido por epidemias causadas por esse agente. No Brasil, nas décadas de 70 e 80, ocorreram epidemias em várias cidades do país devido aos sorogrupos A e C e, posteriormente, ao B. A partir da década de 90, houve uma diminuição proporcional do sorogrupo B e aumento progressivo do sorogrupo C. Desde então, surtos isolados do sorogrupo C têm sido identificados e controlados no país.
As meningites causadas pelo H. influenzae do tipo b (Hib) representavam a segunda causa de meningite bacteriana depois da Doença Meningocócica, até o ano de 1999. A partir do ano 2000, após a introdução da vacina conjugada contra a Hib, houve uma queda de 90% na incidência de meningites por esse agente, que era, antes, responsável por 95% das doenças invasivas (meningite, septicemia, pneumonia, epiglotite, celulite, artrite séptica, osteomielite e pericardite) e a segunda maior causa de meningites bacterianas passou a ser representada pelo S. pneumoniae.
A meningite pneumocócica pode ocorrer em qualquer idade, sendo mais frequente em crianças menores de 5 anos. A infecção causada por essa bactéria está associada a uma letalidade mais elevada, quando comparada a N. meningitidis e Hib. No Brasil, entre os anos de 2001 e 2006, o coeficiente médio de letalidade foi de 30%, enquanto que o provocado por N. meningitidis e Hib foram 19,8 e 17,6%, respectivamente.
A meningite tuberculosa não sofre variações sazonais e sua distribuição não é igual em todos os continentes. A doença guarda íntima relação com as características socioeconômicas, principalmente naqueles países onde a população está sujeita à desnutrição e às condições precárias de habitação. Com relação à faixa etária, o risco de adoecimento é elevado nos primeiros anos de vida, muito baixo na idade escolar, voltando a se elevar na adolescência e no início da idade adulta. Os indivíduos HIV (+) também têm um maior risco de adoecimento.
A meningite viral também tem distribuição universal e potencial de ocasionar epidemias, principalmente relacionadas a Enterovírus. O aumento de casos pode estar relacionado a epidemias de varicela, sarampo, caxumba e a eventos adversos pós-vacinais.
Vigilância epidemiológica:
O Sistema de Vigilância das Meningites (SVE/Meningites) compreende todas as atividades e atores envolvidos desde a identificação de um caso suspeito até a adoção das medidas de prevenção e controle da doença na comunidade. Dessa forma, a operação desse Sistema pressupõe uma boa integração técnica entre as atividades de assistência aos casos, de identificação e estudo das características do agente etiológico e de análise epidemiológica do comportamento da doença na população.
O SVE/Meningites teve sua implantação em 1975, quando tinha como objetivo principal o controle da doença meningocócica, em virtude dos surtos então verificados no país. Ao longo dos anos, foi incorporada a esse Sistema a vigilância de outras meningites de interesse para a saúde pública, como a meningite tuberculosa, a meningite por H. influenzae, a meningite por S. pneumoniae e as meningites virais.
A partir de 2004, foi desencadeada a implementação do diagnóstico laboratorial de meningite viral, com o intuito de conhecer melhor os agentes virais causadores desse tipo de meningite no país. A implementação da vigilância das meningites virais, juntamente com as ações de vigilância vetorial, permitirá também a detecção precoce de casos da Febre do Nilo Ocidental, doença em expansão no mundo, a partir dos focos existentes nos Estados Unidos
Descrição: O termo meningite expressa a ocorrência de um processo inflamatório das meninges, membranas que envolvem o cérebro.
Agente etiológico: A meningite pode ser causada por diversos agentes infecciosos, como bactérias, vírus e fungos, dentre outros, e agentes não infecciosos (ex.: traumatismo). As meningites de origem infecciosa, principalmente as causadas por bactérias e vírus, são as mais importantes do ponto de vista da saúde pública, pela magnitude de sua ocorrência e potencial de produzir surtos. Dentre elas, destacam-se aquelas a seguir relatadas.
Meningites bacterianas: Os principais agentes bacterianos causadores de meningite são:
Neisseria meningitidis (Meningococo):
Bactéria gram-negativa em forma de coco. Possui diversos sorogrupos, de acordo com o antígeno polissacarídeo da cápsula. Os mais frequentes são os sorogrupos A, B, C, W135 e Y. Podem também ser classificados em sorotipos e subtipos, de acordo com os antígenos protéicos da parede externa do meningococo.
Streptococcus pneumoniae:
Bactéria Gram-positiva com característica morfológica esférica (cocos), disposta aos pares. É alfahemolítico e não agrupável, possuindo mais de 90 sorotipos capsulares.
Mycobacterium tuberculosis:
Bacilo não formador de esporos, sem flagelos e que não produz toxinas. É uma espécie aeróbica estrita, necessitando de oxigênio para crescer e se multiplicar. Tem a forma de bastonete, medindo de 1 a 4 micra. Quando corado pelo método de Ziehl-Neelsen, fixa a fucsina, não se descorando depois de tratado pelos álcoois (álcool-ácido resistente).
Haemophilus influenzae:
Bactéria gram-negativa que pode ser classificada, atualmente, em 6 sorotipos (a, b, c, d, e, f), a partir da diferença antigênica da cápsula polissacarídica. O Haemophilus influenzae, desprovido de cápsula, encontra-se nas vias respiratórias de forma saprófita, podendo causar infecções assintomáticas ou doenças não invasivas, tais como: bronquite, sinusites e otites, tanto em crianças como em adultos.
Meningites virais: São representadas principalmente pelos enterovírus. Nesse grupo, estão incluídas as 3 cepas dos poliovírus, 28 cepas de echovírus, 23 cepas do vírus coxsackie A, 6 do vírus coxsackie B e 5 outros enterovírus.
2. Descreva a fisiopatologia da meningite - bacteriana e viral - quadro clínico e transmissão;
Modo de transmissão:
Em geral, a transmissão é de pessoa a pessoa, através das vias respiratórias, por gotículas e secreções da nasofaringe, havendo necessidade de contato íntimo (residentes da mesma casa, pessoas que compartilham o mesmo dormitório ou alojamento, comunicantes de creche ou escola, namorado) ou contato direto com as secreções respiratórias do paciente.
A meningite tuberculosa é uma complicação da infecção tuberculosa. Os casos de tuberculose pulmonar com escarro positivo à baciloscopia constituem a principal fonte de infecção, pois eliminam grande número de bacilos, podendo provocar uma infecção maciça dos contatos, com maior probabilidade de desenvolvimento de formas graves da doença, como a meningite.
A transmissão fecal-oral é de grande importância em infecções por enterovírus.
Período de incubação:
Em geral, é de 2 a 10 dias, em média de 3 a 4 dias. Pode haver alguma variação em função do agente etiológico responsável. A meningite tuberculosa, em geral, ocorre nos primeiros 6 meses após a infecção.
Período de transmissibilidade:
É variável, dependendo do agente infeccioso e da instituição do diagnóstico e tratamento precoces. No caso da doença meningocócica, a transmissibilidade persiste até que o meningococo desapareça da nasofaringe. Em geral, isso ocorre após 24 horas de antibioticoterapia. Aproximadamente 10% da população podem apresentar-se como portadores assintomáticos.
Suscetibilidade e imunidade:
A susceptibilidade é geral, entretanto o grupo etário mais vulnerável são as crianças menores de 5 anos, mas as crianças menores de 1 ano e adultos maiores de 60 anos são mais suscetíveis à doença.
Os neonatos raramente adoecem, em virtude da proteção conferida pelos anticorpos maternos. Essa imunidade vai declinando até os 3 meses de idade, com o consequente aumento da susceptibilidade. Em relação à meningite pneumocócica, idosos e indivíduos portadores de quadros crônicos ou de doenças imunossupressoras apresentam maior risco de adoecimento.
São exemplos de doenças imunossupressoras: síndrome nefrótica; asplenia anatômica ou funcional; insuficiência renal crônica; diabetes mellitus; infecção pelo HIV. Nos primeiros meses de vida, os lactentes estão protegidos por anticorpos específicos da classe IgG.
As meningites se desenvolvem, em geral, secundariamente a focos infecciosos distantes. De um ponto de vista didático pode-se apresentar as principais vias de infecção:
Por via hematogênica: a maioria das bactérias que causam meningite se coloniza na orofaringe e, através do sangue, atinge o SNC, como é o caso de meningococo, pneumococo e hemófilo; outras provém dos intestinos (enterobactérias), dos pulmões (pneumococo) e do aparelho geniturinário (gram-negativos), sempre por disseminação hematogênica.
Por contiguidade: a partir de focos próximos às estruturas anatômicas do SNC, como otites médias crônicas, mastoidites ou sinusites.
Por continuidade ou acesso direto: como nos traumatismos cranianos e por manipulação propedêutica ou terapêutica do SNC e de estruturas próximas (punção liquórica e uso de cateter ou implantes sem a devida assepsia).
Manifestações clínicas:
A meningite é uma síndrome na qual, em geral, o quadro clínico é grave e caracteriza-se por febre, cefaléia intensa, náusea, vômito, rigidez de nuca, prostração e confusão mental, sinais de irritação meníngea, acompanhados de alterações do líquido cefalorraquidiano (LCR).
No curso da doença, podem surgir delírio e coma. Dependendo do grau de comprometimento encefálico, o paciente poderá apresentar também convulsões, paralisias, tremores, transtornos pupilares, hipoacusia, ptose palpebral e nistágmo. Casos fulminantes, com sinais de choque, também podem ocorrer.
Meningites bacterianas:
As infecções causadas pelas bactérias N. meningitidis, H. influenzae e S. pneumoniae podem limitar-se à nasofaringe ou evoluir para septicemia ou meningite.
A infecção pela N. meningitidis pode provocar meningite, meningococcemia e as duas formas clínicas associadas: meningite meningocócica com meningococcemia, a qual se denomina Doença Meningocócica.
A vigilância da doença meningocócica é de grande importância para a saúde pública em virtude da magnitude e gravidade da doença, bem como do potencial de causar epidemias.
Complicações:
As principais complicações das meningites bacterianas são: perda da audição, distúrbio de linguagem, retardo mental, anormalidade motora e distúrbios visuais.
A presença de alguns sinais clínicos pode sugerir a suspeita etiológica. É o caso da N. meningitidis que, em alguns casos, é responsável pelos quadros de meningococcemia com ou sem meningite, caracterizada por um exantema (rash) principalmente nas extremidades do corpo. Esse exantema apresenta-se tipicamente eritematoso e macular no iníco da doença, evoluindo rapidamente para exantema petequial.
Diferentemente das demais meningites, as meningites tuberculosa e fúngica podem apresentar uma evolução mais lenta, de semanas ou meses, tornando difícil o diagnóstico de suspeição.
Na meningite tuberculosa não tratada, classicamente o curso da doença é dividido em três estágios:
Estágio I – em geral, tem duração de 1 a 2 semanas, caracterizando-se pela inespecificidade dos sintomas, podendo ocorrer febre, mialgias, sonolência, apatia, irritabilidade, cefaleia, anorexia, vômitos, dor abdominal e mudanças súbitas do humor, sintomas comuns a qualquer processo inespecífico. Nessa fase, o paciente pode encontrar-se lúcido e o diagnóstico geralmente é estabelecido pelos achados liquóricos.
Estágio II – caracteriza-se pela persistência dos sintomas sistêmicos e pelo surgimento de evidências de dano cerebral (sinais de lesão de nervos cranianos, exteriorizando-se por paresias, plegias, estrabismo, ptose palpebral, irritação meníngea e hipertensão endocraniana). Nessa fase, alguns pacientes apresentam manifestações de encefalite, com tremores periféricos, distúrbios da fala, trejeitos e movimentos atetóides.
Estágio III ou período terminal – ocorre quando surge o déficit neurológico focal, opistótono, rigidez de nuca, alterações do ritmo cardíaco e da respiração e graus variados de perturbação da consciência, incluindo o coma. Em qualquer estágio clínico da doença, pode-se observar convulsões focais ou generalizadas.
Na maioria dos casos de meningite tuberculosa, observam-se alterações radiológicas pulmonares. O teste tuberculínico pode ou não ser reator. É importante lembrar que esse teste somente tem valor nos pacientes não vacinados com BCG e que poderá apresentar resultados negativos nos indivíduos anérgicos, pacientes em fase terminal, pacientes com tuberculose disseminada, na desnutrição grave e nos pacientes com aids (síndrome da imunodeficiência adquirida).
Meningites virais:
O quadro clínico é semelhante ao das demais meningites agudas. Entretanto, o exame físico chama a atenção o bom estado geral associado à presença de sinais de irritação meníngea. Em geral, o restabelecimento do paciente é completo, mas, em alguns casos, pode permanecer alguma debilidade, como espasmos musculares, insônia e mudanças de personalidade. A duração do quadro é geralmente inferior a 1 semana. Em geral, as meningites virais não estão associadas a complicações, a não ser que o indivíduo seja portador de alguma imunodeficiência.
Quando se trata de enterovírus, é importante destacar que os sinais e sintomas inespecíficos que mais antecedem e/ou acompanham o quadro da meningite são: manifestações gastrointestinais (vômitos, anorexia e diarreia), respiratórias (tosse, faringite) e ainda mialgia e erupção cutânea.
3. Como é realizado o diagnóstico da meningite?
Diagnóstico diferencial:
Deve ser feito com as doenças febris hemorrágicas, tais como: septicemias, febre purpúrica brasileira e ricketsioses. Com relação à meningite viral, o diagnóstico diferencial deve ser feito também com outras encefalites e meningoenfelalites (febre do Nilo Ocidental).
Diagnóstico laboratorial:
O diagnóstico laboratorial das meningites é realizado através do estudo do líquido cefalorraquidiano, sangue e raspado de lesões petequiais, quando se suspeitar de meningococcemia e doença meningocócica. O diagnóstico das meningites virais também pode ser realizado através da urina e fezes.
Os principais exames para o esclarecimento diagnóstico de casos suspeitos de meningite são:
• exame quimiocitológico do líquor;
• bacterioscopia direta (líquor);
• cultura (líquor, sangue, petéquias ou fezes);
• contra-imuneletroforese cruzada – CIE (líquor e soro);
• aglutinação pelo látex (líquor e soro).
O aspecto do líquor, embora não considerado um exame, funciona como um indicativo. O líquor normal é límpido e incolor, como “água de rocha”. Nos processos infecciosos, ocorre o aumento de elementos figurados (células), causando turvação, cuja intensidade varia de acordo com a quantidade e o tipo desses elementos. No Quadro 2 são apresentadas informações sobre as alterações do LCR, importantes para o estabelecimento de suspeitas diagnósticas das principais meningites.
Sinal de Kernig – resposta em flexão da articulação do joelho, quando a coxa é colocada em certo grau de flexão, relativamente ao tronco. Há duas formas de se pesquisar esse sinal:
• paciente em decúbito dorsal – eleva-se o tronco, fletindo-o sobre a bacia; há flexão da perna sobre a coxa e dessa sobre a bacia; e,
• paciente em decúbito dorsal – eleva-se o membro inferior em extensão, fletindo-o sobre a bacia; após pequena angulação, há flexão da perna sobre a coxa. Essa variante chama-se, também, manobra de Laségue.
Sinal de Brudzinski – flexão involuntária da perna sobre a coxa e dessa sobre a bacia, ao se tentar fletir a cabeça do paciente.
Crianças de até 9 meses poderão não apresentar os sinais clássicos de irritação meníngea. Nesse grupo, outros sinais e sintomas permitem a suspeita diagnóstica, tais como: febre, irritabilidade ou agitação, choro persistente, grito meníngeo (criança grita ao ser manipulada, principalmente, quando se flete as pernas para trocar a fralda) e recusa alimentar, acompanhada ou não de vômitos, convulsões e abaulamento da fontanela.
4. Como é realizado o tratamento da meningite (classe dos betalactâmicos e penicilina cristalina)?
Em se tratando de meningite bacteriana, o tratamento com antibiótico deve ser instituído tão logo seja possível, preferencialmente logo após a punção lombar e a coleta de sangue para hemocultura. O uso de antibiótico deve ser associado a outros tipos de tratamento de suporte, como reposição de líquidos e cuidadosa assistência.
De um modo geral, a antibioticoterapia é administrada por via venosa por um período de 7 a 14 dias, ou até mais, dependendo da evolução clínica e do agente etiológico.
A precocidade do tratamento e do diagnóstico é fator importante para o prognóstico satisfatório das meningites. A adoção imediata do tratamento adequado não impede a coleta de material para o diagnóstico etiológico, seja líquor, sangue ou outros, mas recomenda-se que a coleta das amostras seja feita, preferencialmente, antes de inciar o tratamento ou o mais próximo possível desse momento.
O uso de corticóide nas situações de choque é discutível, existindo controvérsias sobre a influência favorável ao prognóstico. Há evidências de que poderia agir favoravelmente na prevenção de sequelas nos casos de meningite devidos ao H. influenzae tipo b. Contudo, sua eficácia para meningites por outras bactérias ainda permanece em fase de estudos.
Nos casos de meningite viral, o tratamento antiviral específico não tem sido amplamente utilizado. Em geral, utiliza-se o tratamento de suporte, com criteriosa avaliação e acompanhamento clínicos. Tratamentos específicos somente estão preconizados para a meningite herpética (HSV 1 e 2 e VZV), com acyclovir endovenoso. Na caxumba, a globulina específica hiperimune pode diminuir a incidência de orquite, porém não melhora a síndrome neurológica.
A emergência de cepas bacterianas com diferentes graus de resistência antimicrobiana é o aspecto mais alarmante na terapia das doenças infecciosas. O principal fator que leva a níveis elevados de resistência é o uso empírico abusivo dos antibióticos.
Antibióticos Betalactâmicos:
Estes antibióticos se caracterizam pela presença, em sua estrutura química, do anel β-lactâmico, responsável pela sua ação antimicrobiana. A ligação do anel βlactâmico com outros diferentes anéis, como anel tiazolidínico, nas penicilinas, ou o anel di-hidrotiazina, nas cefalosporinas, compõem as estruturas básicas que caracterizam as diferentes classes de antibióticos beta-lactâmicos, conforme ilustra a figura abaixo, onde o anel β-lactâmico está marcado com a seta vermelha .
A seguir apresentamos uma lista dos principais antibióticos beta-lactâmicos utilizados na prática clínica.
Penicilinas naturais:
Penicilina G (Benzil-penicilina): penicilina cristalina, procaína e benzatina o Penicilina V
Penicilinas semi-sintéticas:
Oxacilina Aminopenicilinas:
Ampicilina o Amoxicilina
Carboxipenicilinas:
Carbenicilina
Ticarcilina
Ureidopenicilinas:
Piperacilina
Monobactâmicos:
Aztreonam
CARBAPENÊMICOS:
Imipenem
Meropenem
Ertapenem
Inibidores da beta-lactamase:
Ácido Clavulânico/amoxicilina,
Tazobactam/Piperacilina
Sulbactam/ampicilina
CEFALOSPORINAS:
Primeira geração: Cefalexina, Cefadroxil, Cefalotina, Cefazolina
Segunda geração: Cefoxitina, Cefuroxime, Cefaclor
Terceira geração: Ceftriaxone, Cefotaxime
Terceira geração anti-Pseudomonas: Ceftazidime
Quarta-geração: Cefepime
Mecanismo de ação dos antibióticos beta-lactâmicos
Todos os antibióticos beta-lactâmicos possuem ação bactericida. Eles atuam por inibição da síntese da parede celular bacteriana, que é uma estrutura essencial da célula por manter a sua integridade, prevenindo-a da lise osmótica. Devemos lembrar que a osmolaridade no interior da célula bacteriana é bem superior ao do meio em que elas habitualmente vivem, e parede celular é a estrutura fundamental que mantém as bactérias vivas e em seus formatos característicos
USO DE CORTICOSTEROIDES COMO ADJUVANTE
Ainda que esteja sendo indicado seu uso em meningite pneumocócica ou por hemófilos, como adjuvante terapêutico em adultos jovens (0,15 mg/kg de dexametasona, a cada 6 horas, EV, por 4 dias), o assunto ainda não está definido no benefício a crianças. Não há ainda uma recomendação universal e permanece assunto controverso. Muitos consensos, entretanto, recomendam seu uso quando a cultura liquórica resulta positiva para pneumococo ou quando há suspeita de pneumococo.
Os corticosteroides atuam na redução da inflamação e na organização do exsudato inflamatório e, em consequência, diminuem a pressão endocraniana. Porém, eles afetam a resposta do hospedeiro à infecção porque, agindo como antiedematosos e estabilizadores das membranas lipossomiais das células, interferem na digestão fagocítica da bactéria.
Eles reduzem, também, o processamento pelos macrófagos (antagonizam o fator inibidor da migração de macrófago) e intervêm em toda a cinética de processamento e eliminação da bactéria pelos neutrófilos. Essas interferências na resposta imune, associadas a efeitos colaterais sistêmicos potenciais, colocam em dúvida sua utilização na meningite bacteriana. Os corticosteroides parecem ser capazes de interferir significativamente na diminuição das complicações neurológicas tardias. O único benefício efetivamente demonstrado está na redução do risco de surdez em crianças com meningite por H. influenzae tipo b. Desta forma, a administração de dexametasona (0,15 mg/kg antes da antibioticoterapia, a cada seis horas, durante quatro dias) ficaria restrita a crianças de 3 meses a 7 anos de idade, junto ou 15 minutos antes da primeira dose do(s) antibiótico(s). Com a drástica redução da incidência de meningite por H. influenzae nos locais onde a vacina específica é utilizada rotineiramente, essa recomendação também deixou ser feita para essas populações.
5. Como é feita a prevenção das meningites bacteriana e viral (atualização da carteira de vacinação)? Como se faz a profilaxia dos contactantes?
A meningite é uma síndrome que pode ser causada por diferentes agentes infecciosos. É possível, para alguns, dispor de medidas de prevenção primária, tais como: quimioprofilaxia e vacinas. O diagnóstico e o tratamento precoces são fundamentais para um bom prognóstico da doença.
Quimioprofilaxia:
A quimioprofilaxia, muito embora não assegure efeito protetor absoluto e prolongado, tem sido adotada como uma medida eficaz na prevenção de casos secundários. Está indicada para os contatos íntimos de casos de doença meningocócica e meningite por H. influenzae, e para o paciente, no momento da alta, no mesmo esquema preconizado para os contatos, exceto se o tratamento da doença foi com ceftriaxona, pois há evidências de que essa droga é capaz de eliminar o meningococo da orofaringe.
A droga de escolha para a quimioprofilaxia é a rifampicina, que deve ser administrada em dose adequada e simultaneamente a todos os contatos íntimos, preferencialmete até 48 horas da exposição à fonte de infecção, sendo considerados o prazo de infectibilidade e o período de incubação da doença. O uso restrito da droga visa evitar a seleção de estirpes resistentes de meningococos.
Em menores de 1 ano, atualmente é utilizada a vacina Tetravalente e não mais a Hib. Portanto, nas meningites por H. influenzae, para crianças contato não vacinadas menores de 1 ano, vacinar, e quimioprofilaxia para todos os contatos domiciliares adultos.
Em relação a gestantes, esse medicamento tem sido utilizado para quimioprofilaxia, pois não há provas que a rifampicina possa apresentar efeitos teratogênicos.
Existem várias vacinas do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde que protegem contra diversos tipos de meningites. Cinco delas estão disponíveis na rede pública de saúde do DF e são administradas conforme a situação do paciente. Confira:
– Vacina meningocócica C conjugada: protege contra a doença causada pela bactéria Neisseria meningitidis sorogrupo C. O esquema vacinal são duas doses, aos três e cinco meses de idade, com intervalo de 60 dias entre as doses. As crianças devem receber uma dose de reforço aos 12 meses de idade. Adolescentes de 11 e 12 anos recebem um reforço ou dose única (a depender da situação vacinal encontrada) com a vacina meningocócica ACWY.
– Vacina pneumocócica conjugada 10 valente: protege contra as doenças invasivas causadas pela bactéria Streptococcos pneumoniae, incluindo meningite. O esquema vacinal são duas doses aos dois e quatro meses de idade, com intervalo de 60 dias entre elas, em crianças menores de um ano de idade e um reforço, preferencialmente aos 12 meses, podendo ser administrado até os quatro anos de idade.
– Vacina pentavalente: protege contra doenças invasivas causadas pela bactéria Haemophilus influenzae sorotipo b, como meningite, e também contra a difteria, tétano, coqueluche e hepatite B. O esquema é feito com três doses – aos dois, quatro e seis meses de vida; primeiro reforço aos 15 meses com a vacina DTP (difteria, tétano e coqueluche) e o segundo reforço aos quatro anos, também com a vacina DTP. Na rotina dos serviços a vacina é disponibilizada para crianças até seis anos, 11 meses e 29 dias ainda não vacinadas.
– Vacina BCG: protege contra as formas graves de tuberculose, inclusive a meningite tuberculose. O esquema é dose única, o mais precocemente possível, preferencialmente nas primeiras 12 horas após o nascimento, ainda na maternidade. Pode ser feita até quatros anos de idade, 11 meses e 29 dias, em crianças não vacinadas oportunamente.
– Vacina tríplice viral: protege contra as meningites causadas pelo vírus da caxumba, sarampo e rubéola, como complicação dessas doenças. O esquema básico é: 1ª dose aos 12 meses e 2ª dose aos 15 meses (tríplice viral+varicela ou tetra viral, quando disponível). Indivíduos de um a 29 anos precisam ter duas doses da tríplice viral e de 30 a 59 anos, pelo menos uma dose.
– Vacina Meningocócia ACWY: o Ministério da Saúde incorporou ao Calendário Nacional de Vacinação a vacina meningocócica ACWY. Ela está disponível em todas as salas de vacina para adolescentes de 11 e 12 anos. Devem receber uma dose todos os indivíduos nessas faixas etárias como reforço ou como dose única, a depender da situação vacinal encontrada. Mesmo que o adolescente tenha recebido a vacina meningocócica C, ele deverá receber a meningocócica ACWY, com intervalo mínimo de 30 dias entre a doses.
6. Como funciona a CCIH (comissão de controle de infecção hospitalar)?
Notificação A meningite faz parte da Lista Nacional de Doenças de Notificação Compulsória, de acordo com a Portaria nº 5, de 21 de fevereiro de 2006. É de responsabilidade de todo serviço de saúde notificar todo caso suspeito às autoridades municipais de saúde, que deverão providenciar, de forma imediata, a investigação epidemiológica e avaliar a necessidade da adoção das medidas de controle pertinentes. Todos os profissionais de saúde das unidades públicas e privadas de ensino e de laboratórios públicos e privados são responsáveis pela notificação. O funcionamento de unidades de vigilância epidemiológica (UVE) nos hospitais é fundamental para a busca ativa de casos em seu âmbito.
7. O que é meningococcemia? Quais as possíveis sequelas da meningite?
PROGNÓSTICO
Os fatores que melhor indicam o prognóstico do caso na fase aguda de doença são: idade; tempo de duração do estado comatoso; tipo de bactéria envolvida; hipoglicorraquia persistente;
hiperproteinorraquia persistente; neutropenia em sangue periférico e no liquor; convulsões prolongadas recorrentes; concentração de bactérias e antígenos no liquor (e/ou sua persistência por mais de 24 horas após o início do tratamento).
As meningites de instalação súbita do quadro clínico completo (inferior a 24 horas) são de pior prognóstico.
COMPLICAÇOES IMEDIATAS
As meningites bacterianas podem, na fase aguda da doença, apresentar complicações supurativas, neurológicas e psiquiátricas.
COMPLICAÇÕES SUPURATIVAS
Entre essas complicações, estão coleção subdural, empiema subdural, abscessos cerebrais, trombose séptica de seios venosos e ventriculite. Elas são suspeitadas pela persistência da febre e das alterações sensoriais ou pelo surgimento de sinais neurológicos de localização.
COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS
As principais complicações neurológicas incluem:
a) arterites de vasos cranianos (a artéria basilar é mais comumente afetada), cujo diagnóstico pode ser feito pela carotidoangiografia ou por tomografia com contraste;
b) flebites e tromboflebites (menos frequentes que as arterites), as quais podem ocasionar acidentes vasculares cerebrais;
c) herniações encefálicas, de evolução geralmente fatal;
d) comprometimento de nervos cranianos, que ocorre em cerca de 10 a 20% dos pacientes com meningite bacteriana, geralmente atingindo o nervo facial ou o oculomotor comum (com exceção do comprometimento do VIII par, que resulta em surdez definitiva, essas afecções são reversíveis);
e) secreção inadequada de hormônio antidiurético, indicada por concentração sérica de sódio baixa.
SEQUELAS NEUROLÓGICAS E NEUROPSIQUIÁTRICAS TARDIAS
Vários estudos mostram que as sequelas neurológicas tardias major (paralisia cerebral, retardo mental, epilepsia, surdez e outras) ocorrem em cerca de 5 a 30% dos casos de meningite bacteriana. A hidrocefalia é mais comum entre crianças com menos de seis meses de vida, e os primeiros sinais e sintomas começam a surgir após cerca de três meses da cura da meningite, mas ela pode ser detectada precocemente medindo-se o perímetro cefálico da criança durante a fase aguda de doença.
A surdez incide em 2 a 5% dos casos, sem que se possam excluir os antimicrobianos como fatores causais, e ataxia transitória, em decorrência de distúrbios vestibulares, pode ocorrer mais raramente. Estudos controlados de avaliação das funções sensoriais, psicológicas e intelectuais revelaram que cerca de 20 a 45% das crianças que tiveram meningite há mais de três anos apresentam discreto rebaixamento do quociente de inteligência (QI).
O aprendizado em aulas, medido por testes usuais (habilidade psicolinguística, percepção visual e de reconhecimento vocabular) demonstra níveis significativamente inferiores em comparação aos padrões normais. A introdução de metodologia mais precisa, aplicada em crianças que tiveram meningite bacteriana muitos anos antes, tem revelado que a disfunção cerebral mínima (comportamento hiperdinâmico, distúrbio na aprendizagem, incoordenações motoras mínimas) é uma sequela tardia permanente, muito mais comum do que se supunha.
Sequelas medulares não são frequentes; paralisias flácidas e pós-aracnoidites excepcionalmente são verificadas.
Mielopatias, apesar de infrequentes, podem ocorrer como complicações tardias de meningites bacterianas neonatais, em geral por envolvimento da medula cervical. Em um estudo desenvolvido como tese de doutorado no Departamento de Psiquiatria da FMUSP, Abrahão e colaboradores encontraram maior prevalência de esquizofrenia e transtorno bipolar em pacientes que tiveram meningite bacteriana do que na população não acometida pela doença.