AS DUAS FACES
Maria de Fátima, 39 anos, professora afastada do ensino fundamental, divorciada há 5 anos, tem 3 filhos adolescentes. Vem à consulta com psiquiatra se queixando que não dorme há dois dias e se sente desanimada, choro fácil e tristeza a maior parte do tempo. A história de Fátima já é conhecida de seu médico, afinal são 14 anos entre idas e vindas de hospitais e clínicas médicas até chegar hoje no CAPS adulto. Sua primeira internação foi aos 25 anos com um quadro de agitação psicomotora, dificuldade no controle dos impulsos, gastos excessivos e envolvimento sexual casual com vários homens. Nessa primeira crise também não conseguia dormir e se sentia repleta de energia, "mas tinha consciência de tudo o que estava acontecendo, era muita alegria e não queria interromper isso". Recebeu alta com carbonato de lítio 900mg/d e orientações de seguimento ambulatorial. Teve muita dificuldade em aderir ao tratamento e apresentou várias outras crises semelhantes. Esse comportamento de altos e baixos levou ao fim do casamento. Além disso, fora dos períodos de crise, Fátima era vista por todos como uma pessoa "geniosa" e difícil. Os filhos se afastaram e, em função de suas inúmeras crises, foram criados pela avó paterna. Agora as coisas estão diferentes, o médico a tranquiliza e diz que irão manejar de um outro jeito, sem precisar da internação. O esquema medicamentoso foi modificado para ácido valproico 500mg 12/12h e quetiapina 300mg noite. Algumas semanas depois, Fátima resolveu frequentar os grupos terapêuticos e foi inserida no grupo de geração de renda. Obteve melhora depois de um mês. Seu projeto é reconquistar seus filhos.
IDENTIFICAÇÃO: Maria de Fátima, 39 anos
HIPÓTESES
A paciente pode ter um possível quadro de Transtorno Afetivo Bipolar, pois apresenta oscilação comportamental entre episódios de mania, euforia e depressão, há 14 anos. Na percepção da paciente, ela não apresentava nenhum transtorno, e relatava “muita alegria e não queria interromper isso”.
A fase de euforia é caracterizada por um quadro de agitação psicomotora, dificuldade no controle dos impulsos, gastos excessivos e envolvimento sexual casual com vários homens, assim como falta de sono pelo excesso de energia e consciência de tudo o que acontece, tendo duração variável.
A fase de depressão da TAB é caracterizada por falta de sono, desânimo, choro fácil e tristeza na maior parte do tempo, também tendo duração variável. Tal fase costuma ter duração maior do que a fase de euforia.
A paciente não aderiu ao tratamento na fase de euforia, por sua interpretação de não precisar mais tratar sua condição, podendo gerar um período de depressão em seguida.
O lítio e o ácido valproico são estabilizadores de humor, acarretando em um equilíbrio tanto para o estado depressivo, evitando que o estado depressivo evolua para uma tentativa de suicídio, quanto para o estado de euforia.
A reintegração social, por meio de grupos de apoio (como grupos de geração de renda) são importantes para o processo terapêutico.
QUESTÕES
Defina e classifique o TAB.
Qual a epidemiologia da TAB?
Descreva a fisiopatologia da TAB.
Descreva o quadro clínico, diagnóstico e diagnósticos diferenciais da TAB.
Qual o tratamento farmacológico e não farmacológico da TAB?
Quais os mecanismos de ação do carbonato de lítio, ácido valproico e quetiapina?
TAB 1, TAB 2 (maior taxas de suicídio e pode ter um acompanhamento de 10 anos para se fazer diagnóstico), TAB de ciclagem, TAB mista (muito mais difícil diagnóstico, podem ter períodos longos e crônicos)
Síntese Individual:
1.Defina e classifique o TAB.
Os transtornos do humor costumam ser denominados transtornos afetivos. Isso porque o afeto é a expressão externa do humor, uma emoção vivenciada “por dentro”. A depressão e a mania são frequentemente vistas como os extremos opostos de um espectro afetivo ou do humor. Classicamente, a mania e a depressão são “polos” opostos, o que leva aos termos depressão unipolar (i. e., pacientes que só apresentam o polo para baixo ou depressivo) e bipolar (i. e., pacientes que, em diferentes momentos, apresentam o polo para cima [i. e., maníacos] ou o polo para baixo [i. e., depressivos]). A depressão e a mania podem, até mesmo, ocorrer simultaneamente, um estado denominado humor misto. A mania também pode ocorrer em graus menores, denominados hipomania, ou o paciente pode alternar rapidamente entre mania e depressão, estado chamado de ciclagem rápida.
Os transtornos do humor podem ser visualizados de maneira útil não apenas para distinguir suas variantes, mas também para resumir a evolução da doença no paciente, mostrando o problema mapeado em um gráfico para o humor. Assim, o humor varia da hipomania à mania na parte superior, passando pela eutimia (ou humor normal) no meio, até a distimia e a depressão na parte inferior (Figura 6.1). O transtorno do humor mais comum e prontamente reconhecido é o transtorno depressivo maior (Figura 6.2), com episódio único ou episódios recorrentes. A distimia é um tipo de depressão menos grave, porém de longa duração (Figura 6.3). Os pacientes com episódio depressivo maior que apresentam recuperação incompleta entre os episódios, que alcançam somente o nível de distimia, seguida de outro episódio de depressão maior são descritos como portadores de “depressão dupla”. Eles alternam entre a depressão maior e a distimia, porém sem alcançar remissão (Figura 6.4).
Os pacientes com transtorno bipolar I apresentam episódios maníacos totalmente desenvolvidos ou episódios mistos de mania e depressão, frequentemente seguidos de um episódio depressivo (Figura 6.5). Quando a mania sofre recidiva pelo menos quatro vezes por ano, é denominada ciclagem rápida (Figura 6.6A). Os pacientes com transtorno bipolar I também podem apresentar uma rápida passagem da mania para a depressão e, depois, de volta à mania (Figura 6.6B). Por definição, isso ocorre, pelo menos, quatro vezes no ano, mas pode acontecer com muito mais frequência.
O transtorno bipolar II caracteriza-se por, pelo menos, um episódio hipomaníaco que ocorre após um episódio depressivo (Figura 6.7).
O transtorno ciclotímico caracteriza-se por oscilações do humor que não são tão graves quanto a mania franca e a depressão plena, mas que ainda sofre exacerbações e quedas acima e abaixo dos limites do humor normal (Figura 6.8).
Pode haver graus menores de variação do humor normal, que são estáveis e persistentes, tanto o temperamento depressivo (abaixo do humor normal, porém sem constituir um transtorno do humor) quanto o temperamento hipertímico (acima do humor normal, mas sem constituir o transtorno do humor) (Figura 6.9).
Os temperamentos são estilos de personalidade de resposta a estímulos ambientais, que podem consistir em padrões hereditários presentes no início da vida e que persistem ao longo desta. Os temperamentos envolvem dimensões independentes da personalidade, como buscar novidades, evitar prejuízos e agir com escrúpulo. Alguns pacientes podem ter temperamentos relacionados com o humor que podem torná-los vulneráveis aos transtornos do humor, particularmente àqueles do espectro bipolar, em uma fase mais tardia da vida.
Episódios de humor. O transtorno bipolar caracteriza-se, em geral, por quatro tipos de episódios de doença: maníaco, depressivo maior, hipomaníaco e misto. Um paciente pode ter qualquer combinação desses episódios durante o curso da doença. Ocorrem também episódios maníacos ou depressivos subsindrômicos durante a evolução da doença. Nesses casos, não há sintomas suficientes ou estes não são suficientemente graves para preencher os critérios diagnósticos de um desses episódios. Assim, a apresentação dos transtornos do humor pode variar bastante.
Depressão maior. A depressão maior é o transtorno do humor mais comum. Caracteriza-se pela ocorrência de, pelo menos, um único episódio depressivo maior, embora a maioria dos pacientes apresente episódios recorrentes.
Distimia. A distimia é uma forma de depressão menos grave do que a depressão maior, porém mais prolongada (mais de 2 anos de duração) e frequentemente sem remissão.
Depressão dupla. Pacientes com distimia sem remissão que também apresentam sobreposição de um ou mais episódios de depressão maior são descritos como tendo depressão dupla. Trata-se, também, de uma forma de episódio depressivo maior recorrente, com recuperação incompleta entre os episódios.
Transtorno bipolar I. Define-se transtorno bipolar I como aquele com, pelo menos, um episódio maníaco ou misto (mania e depressão plenas simultaneamente). Os pacientes com transtorno bipolar I costumam apresentar também episódios depressivos maiores, embora isso não seja necessário para o diagnóstico de transtorno bipolar I.
Transtorno bipolar II. Define-se transtorno bipolar II como a evolução da doença que consiste em um ou mais episódios depressivos maiores e, pelo menos, um episódio hipomaníaco.
Ciclagem rápida. A ciclagem rápida (pelo menos 4 episódios de humor distintos em 1 ano) também pode manifestar-se como mudanças rápidas entre episódios maníacos e depressivos.
Mania com ciclagem rápida. A evolução do transtorno bipolar pode consistir em ciclagem rápida, o que significa a ocorrência de, pelo menos, 4 episódios no período de 1 ano. Isso pode manifestar-se por quatro episódios maníacos distintos, conforme mostrado aqui. Muitos pacientes com essa forma de transtorno do humor apresentam alternâncias com frequência acima de 4 vezes por ano.
2. Qual a epidemiologia da TAB?
De acordo com a World Mental Health Survey Initiative, o TB afeta 2,4% da população mundial ao longo da vida. Entre os subtipos, o tipo I tem prevalência ao longo da vida estimada em 0,6%, já o tipo II, em 0,4%, enquanto 1,4% é referente ao transtorno subsindrômico. De acordo com a mesma fonte, no Brasil, a prevalência é semelhante à observada no restante do mundo, afetando, ao longo da vida, 2,1% da população, sendo 0,9 e 0,2% referentes, respectivamente, aos tipos I e II. Um estudo recente incluindo 6.743 indivíduos com idades entre 12 e 30 anos que buscaram serviço ambulatorial na Austrália verificou que a incidência do TB foi de 4,3% em um acompanhamento médio de 22 meses.
Os primeiros episódios de humor do TB têm início antes dos 25 anos de idade em mais de 70% dos casos. Em um estudo incluindo indivíduos com TB tipo I (n = 155) e tipo II (n = 39), com no máximo cinco anos de doença, foi verificado que 69% dos sujeitos tiveram o início do transtorno antes dos 23 anos; 22%, entre 24 e 37 anos; e 9%, depois dos 38 anos.
Cabe destacar que o TB está associado a elevadas taxas de incapacidade, reduzindo o funcionamento psicossocial e aumentando custos econômicos.
FATORES DE RISCO
GENÉTICOS
A história familiar está entre os fatores de risco mais consistentes. Há, em média, risco 10 vezes maior entre parentes adultos de indivíduos com TB tipo I e TB tipo II. A magnitude do risco aumenta com o grau de parentesco. Um estudo apontou herdabilidade genética de 58%. Outros estudos indicam que a associação entre gêmeos monozigóticos ocorre em 40-80%. A concordância entre gêmeos e hereditariedade indica a importância do componente genético no desenvolvimento do transtorno. A associação entre genótipo e fenótipo nos transtornos psiquiátricos é claramente complexa, mas há estudos que demonstram que eles compartilham uma causa genética comum (p. ex., um grande estudo populacional demonstrou haver uma sobreposição na suscetibilidade genética entre bipolaridade e esquizofrenia).
Estudos recentes com uso de associação genômica ampla (GWAS, do inglês genome-wide association studies) permitiram progressos com descobertas genéticas sobre a etiologia do TB. Por intermédio dessas pesquisas, diversos genes têm sido identificados como associados ao transtorno, por exemplo, o CACNA1C, que codifica a subunidade alfa do canal de cálcio do tipo L, o NCAN, que codifica a neurocan, uma glicoproteína da matriz extracelular expressada no cérebro, e o ODZ 4, que codifica um membro de uma família de proteínas da superfície celular, as teneurinas.13 Estimativas por meio de métodos com GWAS sugerem que 38% da variância fenotípica no TB poderia ser explicada pelo impacto cumulativo de vários alelos comuns de efeitos pequenos. Uma metanálise avaliou as vias envolvidas na predisposição genética ao TB, com resultados que incluíram vias da regulação hormonal, dos canais de cálcio, dos sistemas de segundos mensageiros e da sinalização de glutamato, entre outros.
AMBIENTAIS
Além dos fatores genéticos associados ao TB, deve-se, também, levar em consideração os fatores ambientais. A importância de detectar tais aspectos é crucial para o desenvolvimento de intervenções que modifiquem o início e o curso dessa patologia. O trauma precoce é um fator ambiental que tem sido classicamente estudado no TB. Uma metanálise apontou que pessoas com esse transtorno relatam terem sofrido trauma na infância 2,63 vezes mais que indivíduos saudáveis. Além disso, aqueles com TB que sofreram trauma infantil apresentam primeiro episódio de humor mais precocemente, mais ciclagem rápida e condições mais graves do transtorno quando comparados aos que não vivenciaram trauma infantil. Entre os tipos de trauma precoce, o abuso e a negligência têm associação positiva com a ocorrência e a gravidade de sintomas prodrômicos em sujeitos com TB. Já outros tipos de trauma, como abuso sexual e emocional, afetam a performance cognitiva (memória visual e verbal, fluência verbal e flexibilidade cognitiva) em pessoas com TB.
Alguns fatores pré-natais e perinatais aumentam o risco de desenvolvimento do transtorno ao longo da vida, como parto cesáreo, infecção materna durante a gravidez, fumo durante a gravidez e elevada idade paterna. Uma metanálise recente apresentou que o tamanho da circunferência da cabeça (< 32 cm) aumenta a chance de desenvolver TB na vida adulta em 5,4 vezes.22
O uso e o abuso de substâncias psicoativas é outro fator de risco ambiental relacionado ao TB. Por exemplo, sujeitos com transtorno por uso de álcool apresentam 4,1 vezes mais chances de terem TB quando comparados àqueles sem esse transtorno.23 Porém, essa chance de desenvolver TB aumenta em cinco vezes entre aqueles que usam qualquer droga ilícita quando comparados com aqueles que não usam.23 Adicionado a isso, o uso de cocaína se mostrou importante fator de risco para a conversão de TDM para TB em um estudo de coorte, com uma razão de chance de 3,41, comparados aos sujeitos com TB que não usaram cocaína.
3. Descreva a fisiopatologia da TAB.
Neurotransmissores e circuitos nos transtornos do humor
Três neurotransmissores principais são implicados, há muito tempo, tanto na fisiopatologia quanto no tratamento dos transtornos do humor. Esses neurotransmissores são a noradrenalina, a dopamina e a serotonina e constituem o denominado sistema de neurotransmissores monoamínicos. Essas três monoaminas costumam atuar em conjunto. Existe a hipótese de que muitos dos sintomas dos transtornos do humor envolvem a disfunção de várias combinações desses três sistemas. Praticamente todos os tratamentos conhecidos para os transtornos do humor atuam sobre um ou mais desses três sistemas.
O sistema dopaminérgico foi extensamente discutido no Capítulo 4 e ilustrado nas Figuras 4.5 a 4.11. O sistema serotoninérgico foi extensamente descrito no Capítulo 5 e ilustrado nas Figuras 5.13, 5.14, 5.25 e 5.27. Aqui, o leitor será introduzido ao sistema noradrenérgico, e também serão mostradas algumas interações entre esses três sistemas de neurotransmissores monoaminérgicos.
Neurônios noradrenérgicos
O neurônio noradrenérgico utiliza a noradrenalina (norepinefrina) como neurotransmissor. A noradrenalina (NA) é sintetizada ou produzida a partir do aminoácido precursor, a tirosina, transportada do sangue até o sistema nervoso por meio de uma bomba de transporte ativo (Figura 6.25). Uma vez no interior do neurônio, a tirosina sofre a ação de três enzimas em sequência. A primeira é a tirosina hidroxilase (TOH), a enzima limitadora de velocidade da reação e a enzima mais importante na regulação da síntese de NA. A tirosina hidroxilase converte o aminoácido tirosina em DOPA. Em seguida, atua a segunda enzima, isto é, a DOPA descarboxilase (DDC), que converte a DOPA em dopamina (DA). A própria DA é um neurotransmissor nos neurônios dopaminérgicos, conforme discutido no Capítulo 4 e ilustrado na Figura 4.5. Entretanto, para os neurônios NA, a DA é apenas um precursor da NA. De fato, a terceira e última enzima na síntese de NA, a dopamina β-hidroxilase (DBH), converte a DA em NA. Depois, a NA é armazenada em agrupamentos sinápticos, denominados vesículas, até ser liberada por impulso nervoso (Figura 6.25).
A ação da NA é interrompida por duas enzimas destrutivas ou catabólicas principais, que transformam a NA em metabólitos inativos. A primeira é a monoamina oxidase (MAO) A ou B, que se localiza nas mitocôndrias do neurônio pré-sináptico e em outros locais (Figura 6.25). A segunda é a catecol-O-metiltransferase (COMT) que se acredita estar localizada, em grande parte, fora do terminal nervoso pré-sináptico (Figura 6.26).
Produção de noradrenalina. A tirosina (TYR), precursora da noradrenalina (NA) é captada nos terminais nervosos NA por meio de um transportador de tirosina e convertida em DOPA pela enzima tirosina hidroxilase (TOH). Desse modo, a DOPA é convertida em dopamina (DA) pela enzima DOPA descarboxilase (DDC). Por fim, a DA é convertida em NA pela dopamina β-hidroxilase (DBH). Após sua síntese, a NA é acondicionada em vesículas sinápticas por meio do transportador vesicular de monoaminas e armazenada até sua liberação na sinapse durante a neurotransmissão.
A ação da NA pode ser interrompida não apenas por enzimas que a destroem, mas também por uma bomba de transporte de NA que a remove sem destruí-la, o que impede sua ação na sinapse (Figura 6.27). De fato, a NA inativada pode ser restaurada para reutilização em um impulso nervoso neurotransmissor posterior. A bomba de transporte que finaliza a ação sináptica da NA é denominada “transportador de NA (noradrenalina)” ou NAT e, às vezes, “bomba de recaptação de NA”. Essa bomba de recaptação de NA está localizada no terminal nervoso noradrenérgico pré-sináptico, como parte do mecanismo pré-sináptico do neurônio, onde atua como aspirador de pó, retirando a NA da sinapse e dos receptores sinápticos e interrompendo suas ações sinápticas. Uma vez no interior do terminal nervoso pré-sináptico, a NA pode ser armazenada novamente para reutilização com a chegada de outro impulso nervoso, ou destruída pelas enzimas catabólicas da NA (Figura 6.26).
O neurônio noradrenérgico é regulado por uma série de receptores de NA (Figura 6.27). O transportador de noradrenalina, ou NAT, é um tipo de receptor, assim como o transportador vesicular de monoamina (VMAT2), que transporta a NA no citoplasma do neurônio pré-sináptico até as vesículas de armazenamento (Figura 6.27). Os receptores de NA são classificados em α1, α2A, α2B, α2C, β1, β2 e β3. Todos podem ser pós-sinápticos, porém apenas os receptores α2 podem atuar como autorreceptores pré-sinápticos (Figuras 6.27 a 6.29). Os receptores pós-sinápticos convertem sua ocupação pela noradrenalina nos receptores α1, α2A, α2B, α2C, β1, β2 ou β3 em funções fisiológicas e, por fim, em alterações na transdução de sinais e na expressão gênica dos neurônios pós-sinápticos (Figura 6.27).
Os receptores α2 pré-sinápticos regulam a liberação de noradrenalina, razão pela qual são designados como autorreceptores (Figuras 6.27 e 6.28). Os autorreceptores α2 pré-sinápticos estão localizados tanto no terminal axônico (i. e., receptores α2 terminais; Figuras 6.27 e 6.28) quanto no corpo celular (soma) e nos dendritos vizinhos. Por esse motivo, esses últimos receptores α2 pré-sinápticos são denominados α2 somatodendríticos (Figura 6.29). Os receptores α2 pré-sinápticos são importantes, pois os receptores α2 tanto terminais quanto somatodendríticos são autorreceptores. Isto é, quando os receptores α2 pré-sinápticos reconhecem a NA, eles desativam sua liberação adicional (Figuras 6.27 e 6.28). Por isso, os autorreceptores α2 pré-sinápticos atuam como freio para o neurônio NA e também produzem um sinal regulador conhecido como retroalimentação negativa. A estimulação desse receptor (i. e., o ato de pisar no freio) interrompe a descarga do neurônio. Provavelmente, isso ocorre em nível fisiológico para impedir a descarga excessiva do neurônio NA, visto que ele próprio pode desativar-se caso a frequência de descarga se torne excessivamente alta, e o autorreceptor seja estimulado. É importante observar que os fármacos podem não apenas imitar o funcionamento natural do neurônio NA ao estimular os neurônios α2 pré-sinápticos, como também as substâncias que antagonizam esse mesmo receptor terão o efeito de cortar o cabo do freio, aumentando, assim, a liberação de NA.
Término da ação da noradrenalina. Interrompe-se a ação da noradrenalina por múltiplos mecanismos. A noradrenalina pode ser transportada para fora da fenda sináptica e de volta ao neurônio pré-sináptico pelo transportador de noradrenalina (NAT), onde pode ser reacondicionada para uso futuro. Além disso, a noradrenalina pode ser degradada extracelularmente pela enzima catecol-O-metiltransferase (COMT). Outras enzimas que decompõem a noradrenalina são a monoamina oxidase A (MAO-A) e a monoamina oxidase B (MAO-B), que estão nas mitocôndrias dentro do neurônio pré-sináptico e em outras células, como neurônios e neuróglia.
Receptores de noradrenalina. São mostrados aqui os receptores de noradrenalina que regulam sua neurotransmissão. O transportador de noradrenalina (NAT) está presente pré-sinapticamente e é responsável pela eliminação do excesso de noradrenalina para fora da sinapse. O transportador vesicular de monoaminas (VMAT2) transporta noradrenalina para dentro das vesículas sinápticas, armazenando-a para neurotransmissão futura. Existe, também, um autorreceptor α2 pré-sináptico, que regula a liberação de noradrenalina pelo neurônio pré-sináptico. Além disso, existem vários receptores pós-sinápticos, como os receptores α1, α2A, α2B, α2C, β1, β2 e β3.
Interações das monoaminas | Regulação da liberação de 5HT pela NA
A noradrenalina claramente regula os neurônios noradrenérgicos por meio dos receptores α2 (Figuras 6.28 e 6.29). No Capítulo 4, foi mostrado que a dopamina regula os neurônios dopaminérgicos por meio dos receptores D2 (Figuras 4.8 a 4.10). Já no Capítulo 5, exibiu-se como a serotonina regula os neurônios serotoninérgicos por meio dos receptores 5HT1A e 5HT1B/D pré-sinápticos (Figuras 5.25 e 5.27) e por meio dos receptores 5HT3 (ilustrados no Capítulo 7) e receptores 5HT7 pós-sinápticos (Figuras 5.60A a 5.60C). Evidentemente, todas as três monoaminas são capazes de regular sua própria liberação.
Receptores α2 no terminal axônico. São mostrados aqui autorreceptores α2 adrenérgicos pré-sinápticos, localizados no terminal axônico do neurônio noradrenérgico. Esses autorreceptores são guardiões da noradrenalina, isto é, quando não estão ligados à noradrenalina, eles estão abertos, o que possibilita a liberação de noradrenalina (A). Entretanto, quando a noradrenalina se liga aos receptores guardiões, eles fecham o portão molecular e impedem a liberação de noradrenalina (B).
Receptores α2 somatodendríticos. Os autorreceptores α2 adrenérgicos pré-sinápticos também estão localizados na área somatodendrítica do neurônio noradrenérgico, conforme ilustrado aqui. Quando se liga a esses receptores α2, a noradrenalina interrompe o fluxo de impulsos neuronais no neurônio noradrenérgico (ver perda dos raios no neurônio da parte inferior da figura). Isso interrompe a liberação adicional de noradrenalina.
Existem também várias maneiras pelas quais essas três monoaminas interagem para regular umas às outras. Por exemplo, no Capítulo 5, foi mostrado que a serotonina regula a liberação de dopamina por meio dos receptores 5HT1A (Figuras 5.15C e 5.16C), dos receptores 5HT2A (Figuras 5.15A, 5.16A, 5.17) e dos receptores 5HT2C (Figura 5.52A). Foi também mostrado que a serotonina regula a liberação de noradrenalina por meio dos receptores 5HT2C (Figura 5.52A) e também a de dopamina e noradrenalina pelos receptores 5HT3, conforme ilustrado no Capítulo 7 sobre antidepressivos.
Agora, mostraremos que a NA regula de modo recíproco os neurônios 5HT por meio dos receptores α1 e α2 (Figuras 6.30A a 6.30C). Os receptores α1 são o acelerador, enquanto os receptores α2 são o freio para a liberação de 5HT. Isto é, os neurônios NA do locus coeruleus seguem seu percurso por uma curta distância até a rafe do mesencéfalo (Figura 6.30B, Boxe 2), onde liberam NA nos receptores α1 pós-sinápticos presentes nos corpos celulares de neurônios 5HT. Isso estimula diretamente os neurônios 5HT e atua como acelerador para a liberação de 5HT, o que causa sua liberação dos axônios distais (Figura 6.30B, Boxe 1).
Neurônios NA liberam NA nos receptores a1 pós-sinápticos que ficam nos corpos celulares de neurônios 5HT -> vai estimular esses neurônios e atuar como acelerador -> liberar 5HT -> liberar axônios distais
Os neurônios noradrenérgicos também inervam os terminais axônicos dos neurônios 5HT (Figura 6.30C). Aqui, a NA é liberada diretamente nos receptores α2 pós-sinápticos que inibem os neurônios 5HT, atuando como freio sobre a 5HT e inibindo sua liberação (Figura 6.30C, Boxe 1). O tipo de ação da NA que predominará depende da extremidade do neurônio 5HT que recebe mais impulso noradrenérgico em determinado momento.
Neurônios NA liberam NA nos receptores a2 pós-sinápticos -> inibir neurônios 5HT -> atua como freio na 5HT -> inibir sua liberação
Existem muitas áreas do cérebro onde as projeções de 5HT, NA e DA se sobrepõem, o que cria oportunidades para as interações das monoaminas em todo o cérebro e em muitos subtipos diferentes de receptores (Figuras 6.31 a 6.33). Existem numerosas vias inter-reguladoras e interações de receptores conhecidas entre os três sistemas de neurotransmissores monoaminérgicos, de modo que eles possam se influenciar uns aos outros e alterar a liberação não apenas de seus próprios neurotransmissores, mas também de outras monoaminas.
Hipótese monoaminérgica da depressão
A teoria clássica sobre a etiologia biológica da depressão propõe a hipótese de que ela se deva a uma deficiência de neurotransmissores monoamínicos. A mania pode representar o processo oposto, devido a um excesso de neurotransmissores monoamínicos. Inicialmente, havia diversos argumentos discutindo se a deficiência mais importante era da noradrenalina (NA) ou de serotonina (5-hidroxitriptamina, 5TH), enquanto a dopamina era relativamente desprezada. Hoje em dia, a teoria monoaminérgica sugere que todo o sistema de neurotransmissão monoaminérgica de todas as três monoaminas – NA, 5HT e DA – pode estar disfuncional em vários circuitos cerebrais, com diferentes neurotransmissores envolvidos, dependendo do perfil sintomatológico do paciente.
Continua não havendo, em grande parte, evidências diretas para a hipótese monoaminérgica. Foram envidados muitos esforços, particularmente nas décadas de 1960 e 1970, para identificar as deficiências teoricamente previstas dos neurotransmissores monoamínicos na depressão e seu excesso na mania. Até o momento, esses esforços infelizmente produziram resultados mistos e, às vezes, confusos, o que leva à procura de melhores explicações para a ligação potencial entre as monoaminas e os transtornos do humor.
Hipótese dos receptores monoaminérgicos e expressão gênica
Devido a essas e outras dificuldades relacionadas com a hipótese monoaminérgica, o foco das hipóteses sobre a etiologia dos transtornos do humor foi deslocado dos próprios neurotransmissores monoamínicos para seus receptores e para os eventos moleculares distais que esses receptores desencadeiam, como a regulação da expressão gênica e o papel dos fatores de crescimento. Há, também, um grande interesse na influência da natureza e da criação (nature and nurture) sobre os circuitos cerebrais regulados pelas monoaminas, particularmente o que acontece quando alterações epigenéticas decorrentes de experiências estressantes da vida são combinadas com a herança de vários genes de risco. Estes últimos podem tornar o indivíduo vulnerável a esses estressores ambientais.
A hipótese dos receptores de neurotransmissores para a depressão postula que uma anormalidade nos receptores de neurotransmissores monoamínicos leve à depressão (Figura 6.35). Assim, se a depleção de monoaminas é o tema central da hipótese monoaminérgica da depressão (Figura 6.34B), a hipótese dos receptores de neurotransmissores leva esse tema a um passo adiante: ou seja, de que a depleção de neurotransmissores provoca suprarregulação compensatória dos receptores pós-sinápticos dos neurotransmissores (Figura 6.35). Em geral, faltam também evidências diretas para essa hipótese. Estudos post mortem mostram consistentemente um aumento na quantidade de receptores de serotonina 2 no córtex frontal de pacientes que cometem suicídio. Além disso, alguns estudos de neuroimagem identificaram anormalidades nos receptores de serotonina em pacientes deprimidos, porém essa abordagem ainda não teve sucesso na identificação de lesões moleculares consistentes e replicáveis nos receptores de monoaminas na depressão.
Desse modo, não há evidências claras nem convincentes de que a deficiência de monoaminas seja responsável pela depressão – isto é, não há nenhum déficit “real” de monoaminas. De modo semelhante, tampouco há evidências claras e convincentes de que anormalidades nos receptores de monoaminas possam ser responsáveis pela depressão. Embora a hipótese monoaminérgica seja, evidentemente, uma noção demasiado simplificada dos transtornos do humor, ela tem sido muito valiosa para focar a atenção nos três sistemas monoamínicos de neurotransmissão: a noradrenalina, a dopamina e a serotonina. Isso levou a uma compreensão muito maior do funcionamento fisiológico desses três neurotransmissores e, em particular, dos vários mecanismos pelos quais todos os antidepressivos conhecidos atuam para estimular a neurotransmissão em um ou mais desses três sistemas monoaminérgicos e como determinados fármacos estabilizadores do humor também podem agir sobre as monoaminas. Atualmente, as pesquisas estão se voltando para a possibilidade de que, na depressão, haja uma deficiência na transdução de sinais distais do neurotransmissor monoamínico e de seu neurônio pós-sináptico na presença de quantidades normais de neurotransmissores e receptores. Por isso, o suposto problema molecular na depressão pode residir em eventos moleculares distais ao receptor, no sistema de cascata de transdução de sinais e na expressão correta dos genes (Figura 6.36). Diferentes problemas moleculares podem explicar a mania e o transtorno bipolar.
Os receptores α medeiam a regulação da liberação de serotonina pela noradrenalina. A noradrenalina regula a liberação de serotonina. Para isso, atua como freio sobre a liberação de serotonina nos receptores α2 corticais dos terminais axônicos (1) e como acelerador da liberação de serotonina nos receptores α1 na área somatodendrítica (2).
Os receptores α1 da rafe estimulam a liberação de serotonina. Os receptores α1 adrenérgicos estão localizados nas regiões somatodendríticas dos neurônios serotoninérgicos. Quando esses receptores não são ocupados pela noradrenalina, ocorre liberação de alguma serotonina do neurônio serotoninérgico. Entretanto, quando a noradrenalina liga-se ao receptor α1 (2), isso estimula o neurônio serotoninérgico, acelerando a liberação de serotonina (1).
Os receptores α2 corticais inibem a liberação de serotonina. Os heterorreceptores α2 adrenérgicos estão localizados nos terminais axônicos dos neurônios serotoninérgicos. Quando a noradrenalina se liga ao receptor α2, isso impede a liberação de serotonina (1).
Principais projeções dopaminérgicas. A dopamina tem projeções ascendentes disseminadas, que se originam, predominantemente, no tronco encefálico (principalmente na área tegmental ventral e na substância negra) e que se estendem pelo hipotálamo até córtex pré-frontal, parte basal do prosencéfalo, estriado, nucleus accumbens e outras re giões. A neurotransmissão dopaminérgica está associada ao movimento, ao prazer e à recompensa, à cognição, à psicose e a outras funções. Além disso, existem projeções diretas de outras áreas para o tálamo, criando o sistema “talamodopaminérgico”, que pode estar envolvido na vigília e no sono. CPF, córtex pré-frontal: BP, parte basal do prosencéfalo; E, estriado; NAc, nucleus accumbens; T, tálamo; Hi, hipotálamo; A, amígdala; H, hipocampo; NT, centros de neurotransmissores do tronco encefálico; ME, medula espinal; C, cerebelo.
Principais projeções noradrenérgicas. A noradrenalina tem projeções tanto ascendentes quanto descendentes. As projeções noradrenérgicas ascendentes originam-se, principalmente, no locus coeruleus do tronco encefálico. Estendem-se para várias re giões do cérebro, conforme ilustrado aqui, e regulam o humor, o estado de vigília, a cognição e outras funções. As projeções noradrenérgicas descendentes estendem-se pela medula espinal e regulam vias da dor. CPF, córtex pré-frontal; BP, parte basal do prosencéfalo; E, estriado; NAc, nucleus accumbens; T, tálamo; Hi, hipotálamo; A, amígdala; H, hipocampo; NT, centros de neurotransmissores do tronco encefálico; ME, medula espinal; C, cerebelo.
Principais projeções serotoninérgicas. À semelhança da noradrenalina, a serotonina tem projeções tanto ascendentes quanto descendentes. As projeções serotoninérgicas ascendentes originam-se no tronco encefálico e ascendem para muitas das mesmas re giões das projeções noradrenérgicas, com projeções adicionais para o estriado e o nucleus accumbens. Essas projeções ascendentes podem regular o humor, a ansiedade, o sono e outras funções. As projeções serotoninérgicas descendentes estendem-se pelo tronco encefálico e pela medula espinal e podem regular a dor. CPF, córtex pré-frontal; BP, parte basal do prosencéfalo; E, estriado; NAc, nucleus accumbens; T, tálamo; Hi, hipotálamo; A, amígdala; H, hipocampo; NT, centros de neurotransmissores do tronco encefálico; ME, medula espinal; C, cerebelo.
Hipótese monoaminérgica clássica da depressão, parte 1. De acordo com a hipótese monoaminérgica clássica da depressão, quando há uma quantidade “normal” de atividade neurotransmissora das monoaminas, não ocorre depressão.
Hipótese monoaminérgica clássica da depressão, parte 2. A hipótese monoaminérgica da depressão postula que, se, por alguma razão, houver redução, depleção ou disfunção da quantidade “normal” de atividade neurotransmissora das monoaminas pode ocorrer desenvolvimento de depressão.
Hipótese dos receptores monoaminérgicos para a depressão. A hipótese dos receptores monoaminérgicos para a depressão amplia a hipótese monoaminérgica clássica da depressão, a qual postula que a atividade deficiente dos neurotransmissores monoamínicos provoque suprarregulação dos receptores pós-sinápticos de neurotransmissores monoamínicos, levando à depressão.
Estresse e depressão
Estresse, BDNF e atrofia cerebral na depressão
Um mecanismo-candidato proposto como local de possível falha na transdução de sinais pelos receptores monoaminérgicos na depressão é o gene-alvo do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) (Figuras 6.36 a 6.38). Normalmente, o BDNF mantém a viabilidade dos neurônios cerebrais (Figura 6.37). No entanto, sob estresse, pode ocorrer repressão do gene do BDNF (Figura 6.38). O estresse pode reduzir os níveis de 5HT e aumentar agudamente e, em seguida, causar depleção crônica de NA e DA. Essas alterações nos neurotransmissores monoamínicos, com quantidades deficientes de BDNF, podem levar a atrofia e possível apoptose dos neurônios vulneráveis no hipocampo e em outras áreas cerebrais, como o córtex pré-frontal (Figura 6.37).
As Figuras 6.39A e 6.39B mostram um conceito artístico da atrofia do hipocampo, que tem sido relatada em associação ao estresse crônico e ao transtorno depressivo maior, bem como a vários transtornos de ansiedade, particularmente o TEPT.
Felizmente, parte dessa perda neuronal pode ser reversível. Isto é, a restauração das cascatas de transdução de sinais relacionadas com monoaminas com o uso de antidepressivos (Figura 6.36) pode aumentar BDNF e outros fatores tróficos (Figura 6.37), restaurando as sinapses perdidas. Em algumas áreas do cérebro, como o hipocampo, não apenas as sinapses podem ser recuperadas, mas também é possível que alguns neurônios perdidos sejam até substituídos via neurogênese.
Sinalização monoaminérgica e liberação do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF). Segundo a hipótese neurotrófica da depressão, ela pode ser causada pela redução da síntese de proteínas envolvidas na neurogênese e na plasticidade sináptica. O BDNF promove o crescimento e o desenvolvimento dos neurônios imaturos, como os neurônios monoaminérgicos, amplia a sobrevida e a função dos neurônios adultos e ajuda a manter as conexões sinápticas. Como o BDNF é importante para a sobrevida neuronal, sua presença em níveis mais baixos pode contribuir para a atrofia celular. Em alguns casos, o BDNF em baixos níveis pode, até mesmo, causar perda celular. As monoaminas podem aumentar a disponibilidade do BDNF ao iniciar cascatas de transdução de sinais que levam a sua liberação. Desse modo, se os níveis de monoaminas estiverem baixos, os do BDNF podem estar correspondentemente baixos. CaMK, proteinoquinase dependente de cálcio/calmodulina; CREB, proteína de ligação ao elemento de resposta do cAMP; PKA, proteinoquinase A.
Supressão da produção de fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF). O BDNF desempenha função no crescimento adequado e na manutenção dos neurônios e conexões neuronais (à direita). Se os genes para o BDNF forem desativados (à esquerda), a consequente diminuição do BDNF pode comprometer a capacidade do cérebro de criar e manter neurônios e suas conexões. Isso talvez leve à perda de sinapses ou, até mesmo, à apoptose de neurônios.
Estresse e fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF). Um fator passível que contribui para a atrofia potencial do cérebro é o impacto que o estresse crônico pode exercer sobre o BDNF, que desempenha função no crescimento apropriado e na manutenção dos neurônios e conexões neuronais. Durante o estresse crônico, os genes para o BDNF podem ser desativados, reduzindo sua produção.
Eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal (HHSR). A resposta normal ao estresse envolve a ativação do hipotálamo e consequente aumento do fator de liberação da corticotrofina (CRF), que, por sua vez, estimula a liberação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) pela hipófise. O ACTH induz a liberação de glicocorticoides pela glândula suprarrenal, que retroalimenta o hipotálamo e inibe a liberação de CRF, interrompendo a resposta ao estresse.
Atrofia hipocampal e eixo HHSR hiperativo na depressão. Em situações de estresse crônico, a liberação excessiva de glicocorticoides pode causar, em última análise, atrofia do hipocampo. Como o hipocampo inibe o eixo HHSR, a atrofia dessa região pode levar à ativação crônica do eixo HHSR, o que aumenta o risco de se desenvolver doença psiquiátrica. Como o eixo HHSR é central para o processamento do estresse, é possível que novos alvos para o tratamento dos transtornos induzidos pelo estresse residam nesse eixo. Os mecanismos que estão sendo examinados envolvem o antagonismo dos receptores de glicocorticoides, receptores do fator de liberação da corticotrofina 1 (CRF-1) e receptores de vasopressina 1B.
Os neurônios da área hipocampal e da amígdala costumam suprimir o eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal (HHSR) (Figura 6.39A). Assim, se o estresse causar atrofia dos neurônios do hipocampo e da amígdala, com perda de sua estimulação inibitória sobre o hipotálamo, isso pode levar à hiperatividade do eixo HHSR (Figura 6.39B). Na depressão, são relatadas, há muito tempo, anormalidades do eixo HHSR, com níveis elevados de glicocorticoides e insensibilidade do eixo HHSR à inibição por retroalimentação (Figura 6.39B). Algumas evidências sugerem que os glicocorticoides em altos níveis podem ser até tóxicos para os neurônios. Isso pode contribuir para sua atrofia em condições de estresse crônico (Figura 6.39B). Novos tratamentos antidepressivos estão sendo testados tendo como alvo os receptores do fator de liberação da corticotrofina 1 (CRF-1), os receptores de vasopressina 1B e os receptores de glicocorticoides (Figura 6.39B), em uma tentativa de deter e, até mesmo, reverter as anormalidades do eixo HHSR na depressão e em outras doenças psiquiátricas relacionadas com estresse.
Estresse e ambiente | Qual nível de estresse representa estresse excessivo?
Em muitos aspectos, o corpo é organizado com o propósito de enfrentar o estresse e, com efeito, é necessária certa quantidade de “carga de estresse” sobre os ossos, os músculos e o cérebro para seu crescimento e seu funcionamento ideal. Esta pode até mesmo estar associada ao desenvolvimento de resiliência para o enfrentamento de futuros estressores (Figura 6.40). Todavia, determinados tipos de estresse, como o abuso infantil, podem sensibilizar os circuitos cerebrais e tornar esses indivíduos mais vulneráveis do que resilientes a estressores futuros (Figura 6.41). Para os pacientes com esses circuitos cerebrais vulneráveis, que ficam expostos a múltiplos estressores quando adultos, o resultado pode ser o desenvolvimento de depressão (Figura 6.42). Por isso, o mesmo nível de estresse que seria enfrentado sem o desenvolvimento de depressão em uma pessoa que nunca sofreu abuso quando criança poderia, hipoteticamente, causar depressão em uma pessoa com história pregressa de abuso infantil. Isso demonstra o impacto potencial do ambiente sobre os circuitos cerebrais.
Com efeito, muitos estudos confirmam que, em mulheres que sofreram abuso quando crianças, a depressão pode ocorrer até 4 vezes mais frequentemente do que naquelas que nunca sofreram abuso. Hipoteticamente, alterações epigenéticas causadas pelo estresse ambiental criam alterações moleculares relativamente permanentes nos circuitos cerebrais por ocasião do abuso infantil, que não causam depressão por si sós, mas que tornam os circuitos cerebrais vulneráveis à depressão em caso de exposição a futuros estressores na idade adulta.
Desenvolvimento de resiliência ao estresse. No indivíduo saudável, o estresse pode causar a ativação temporária de circuitos, que desaparece uma vez removido o estressor. Conforme ilustrado aqui, quando o circuito não é provocado, não há produção de sintomas. Na presença de um estressor, como trauma emocional, provoca-se o circuito, porém ele é capaz de compensar os efeitos do estressor. Em virtude de sua capacidade de processar a carga de informações do ambiente, pode evitar a produção de sintomas. Quando o estressor é retirado, o circuito retorna a seu estado basal de funcionamento. Os indivíduos expostos a esse tipo de estresse a curto prazo podem, até mesmo, desenvolver resiliência ao estresse, em que a exposição a futuros estressores faz com que o circuito não produza sintomas.
Estresse e genes de vulnerabilidade | Nascidos com medo?
As modernas teorias dos transtornos do humor não são da opinião de que a depressão ou a mania possam ser causadas por um único gene, mas propõem, conforme discutido para a esquizofrenia no Capítulo 4 (ver também Figura 4.33), que os transtornos do humor são, teoricamente, causados por uma “conspiração” entre muitos genes de vulnerabilidade e muitos estressores ambientais. Isso leva ao colapso do processamento de informações em circuitos cerebrais específicos e, portanto, aos vários sintomas de um episódio depressivo maior ou maníaco. Existe muita sobreposição entre esses genes, com tendência à esquizofrenia, e aqueles com tendência ao transtorno bipolar. Uma discussão abrangente dos genes envolvidos no transtorno bipolar e na depressão maior está além do escopo deste livro, porém um dos genes de vulnerabilidade para a depressão é o gene que codifica o transportador de serotonina, ou SERT (i. e., a bomba de recaptação de serotonina). Este é o local de ação dos antidepressivos ISRS e IRSN. O tipo de transportador de serotonina (SERT) com o qual se nasce determina, em parte, se a amígdala tem mais tendência a reagir excessivamente a rostos assustadores (Figura 6.43), se se tem mais tendência a desenvolver depressão quando exposta a muitos estressores da vida e qual a probabilidade da depressão de responder a um ISRS/IRSN, ou se é possível, até mesmo, tolerar um desses fármacos (Figura 6.43).
Especificamente, uma reação excessiva da amígdala a rostos assustadores nos portadores da variante s do gene para o SERT é mostrada na Figura 6.43. Os rostos assustadores podem ser considerados uma carga estressante sobre a amígdala e seus circuitos. Tal carga pode ser visualizada com o uso das modernas técnicas de neuroimagem. Para aqueles que têm o genótipo s do SERT, há maior tendência a desenvolver um transtorno afetivo quando expostos a múltiplos estressores da vida. Além disso, podem apresentar maior atrofia hipocampal, mais sintomas cognitivos e menor capacidade de resposta ou tolerância ao tratamento com ISRS/IRSN. A exposição a múltiplos estressores da vida pode fazer com que a hiperatividade normalmente silenciosa e o processamento ineficiente da informação de cargas afetivas na amígdala se manifestem, transformando-se em episódio depressivo maior (Figura 6.43), uma interação dos genes com o ambiente [natureza mais criação (nature plus nurture)]. O aspecto importante é o fato de que o gene específico que uma pessoa tem para o transportador de serotonina pode alterar a eficiência do processamento das informações afetivas pela amígdala e, consequentemente, o risco de desenvolver depressão maior se tiver muitos estressores de vida na idade adulta (Figura 6.43). Por outro lado, o genótipo 1 do SERT é um genótipo mais resiliente, com menor reatividade da amígdala a rostos assustadores, menos probabilidade de sofrer um episódio depressivo maior quando exposto a múltiplos estressores da vida e mais probabilidade de responder aos ISRS/IRSN ou de tolerá-los se desenvolver um episódio depressivo (Figura 6.43).
A presença do genótipo 1 ou do SERT só responde por uma pequena quantidade da variância para a ocorrência ou não de depressão maior após experimentar múltiplos estressores da vida, e, portanto, não pode prever se um indivíduo terá ou não depressão maior. Todavia, esse exemplo prova a importância dos genes em geral e daqueles para os neurônios serotoninérgicos, em particular, na regulação da amígdala e na determinação da probabilidade de se desenvolver depressão maior sob condições de estresse. Por isso, talvez uma pessoa não tenha nascido com medo, mas sim vulnerável ou resiliente ao desenvolvimento de depressão maior em resposta a futuros estressores na vida adulta, particularmente se forem crônicos, múltiplos e graves.
Desenvolvimento de sensibilização ao estresse. A ativação prolongada de circuitos em consequência de exposição repetida a estressores pode levar a uma condição conhecida como “sensibilização ao estresse”, em que os circuitos não apenas se tornam francamente ativados, mas assim permanecem, mesmo após a retirada do estressor. Assim, um indivíduo com estresse grave na infância irá exibir sintomas transitórios durante uma exposição ao estresse, com regressão destes, uma vez removido o estressor. Os circuitos permanecem francamente ativados nesse modelo, porém o indivíduo não apresenta sintomas, visto que esses circuitos ainda podem, de algum modo, compensar a carga adicional. Entretanto, o indivíduo com circuitos “sensibilizados ao estresse” torna-se vulnerável aos efeitos de estressores futuros, com consequente aumento o risco de desenvolver sintomas psiquiátricos. Por isso, a sensibilização ao estresse pode constituir um estado “pré-sintomático” para alguns sintomas psiquiátricos. Esse estado pode ser detectado com cintigrafias funcionais do cérebro dos circuitos, mas não com entrevistas psiquiátricas ou queixas do paciente.
Progressão da sensibilização ao estresse para a depressão. É possível que o grau de estresse ao qual uma pessoa é submetida no início da vida afete o desenvolvimento dos circuitos e, portanto, o modo pelo qual irá responder ao estresse posteriormente, durante a vida. A ausência de estresse durante a infância pode resultar em um circuito que exiba ativação “normal” durante o estresse, não havendo aumento do risco de se desenvolver um transtorno psiquiátrico. Curiosamente, a ocorrência de estresse leve na infância pode, na verdade, fazer com que os circuitos exibam depois redução da reatividade ao estresse durante a vida, o que proporciona alguma resiliência aos estressores na vida adulta. Entretanto, o estresse maciço e/ou crônico por abuso infantil pode levar a circuitos sensibilizados ao problema. Estes talvez sejam ativados mesmo sem haver estressor. Os indivíduos com sensibilização ao estresse podem não apresentar sintomas fenotípicos, mas pode ocorrer aumento do risco de se desenvolver doença mental se forem expostos a estressores futuros.
Genética da serotonina e estressores da vida. As pesquisas genéticas mostraram que o tipo de transportador de serotonina (SERT) com que um indivíduo nasce pode afetar o modo como irá processar estímulos amedrontadores e talvez também como irá responder ao estresse. Especificamente, os indivíduos portadores da variante s do gene do SERT parecem ser mais vulneráveis aos efeitos do estresse ou da ansiedade, enquanto os da variante l parecem ser mais resilientes. Assim, os portadores de s apresentam aumento da atividade da amígdala a rostos amedrontadores e também tendem mais a desenvolver transtorno do humor ou de ansiedade após sofrer vários estressores na vida. Além disso, o maior risco de depressão pode estar relacionado com maior probabilidade de sintomas cognitivos, atrofia cerebral, aumento do cortisol. Se o indivíduo já estiver deprimido, há, ainda, resposta insatisfatória aos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS).
Neuroimagem nos transtornos do humor
Atualmente, ainda não é possível diagnosticar a depressão ou o transtorno bipolar com qualquer técnica de neuroimagem. Entretanto, algum avanço está sendo realizado com o mapeamento do processamento ineficiente da informação em vários circuitos dos transtornos do humor. Na depressão, pode haver redução da atividade do córtex pré-frontal dorsal associada a sintomas cognitivos. Além disso, talvez haja aumento da atividade da amígdala, associado a vários sintomas emocionais (Figura 6.49). Testes provocativos em pacientes com transtornos do humor também podem fornecer algumas informações sobre a disfunção de circuitos cerebrais expostos a estímulos ambientais e que, portanto, devem processar essas informações. Por exemplo, alguns estudos de pacientes deprimidos mostram que seus circuitos neuronais em nível da amígdala são hiper-reativos à tristeza induzida, porém hiporreativos à felicidade induzida (Figura 6.50).
Por outro lado, imagens do córtex orbitofrontal de pacientes maníacos mostram que eles não conseguem ativar adequadamente essa região cerebral em um teste que exija que suprimam uma resposta, o que sugere problemas com impulsividade associada à mania e a essa região cerebral específica (Figura 6.51). Em geral, esses achados de neuroimagem sustentam o mapeamento dos sintomas em regiões cerebrais, conforme discutido anteriormente neste capítulo. Todavia, há muito mais trabalhos em andamento atualmente, os quais precisam ser concluídos para que os resultados de neuroimagem possam ser aplicados à tomada de decisões diagnósticas ou terapêuticas na prática clínica.
Neuroimagem da ativação do cérebro na depressão. Estudos de neuroimagem da ativação do cérebro sugerem que a atividade de repouso no córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL) de pacientes deprimidos seja baixa, em comparação com a dos indivíduos não deprimidos (à esquerda, acima e abaixo), enquanto a atividade de repouso na amígdala e no córtex pré-frontal ventromedial (CPFVM) de pacientes deprimidos seja elevada, em comparação com a dos indivíduos não deprimidos (à direita, acima e abaixo).
Resposta neuronal de pacientes deprimidos à tristeza versus felicidade induzidas. Sintomas emocionais, como tristeza ou felicidade, são regulados pelo córtex pré-frontal ventromedial (CPFVM) e pela amígdala, duas regiões cuja atividade está elevada no estado de repouso nos pacientes deprimidos (à esquerda). É interessante constatar que testes provocativos, nos quais essas emoções são induzidas, mostram que a atividade neuronal na amígdala é hiper-reativa à tristeza induzida (parte inferior, à direita), porém hiporreativa à felicidade induzida (à direita, parte superior).
Resposta neuronal de pacientes com mania à “tarefa de não fazer”. Os sintomas impulsivos da mania, como correr riscos e angústia para falar, estão relacionados com a atividade do córtex orbitofrontal (COF). Dados de neuroimagem mostram que essa região cerebral seja hipoativa na mania (à direita, parte inferior) versus indivíduos saudáveis (à esquerda, parte inferior) durante a “tarefa de não fazer”, que tem por objetivo testar a inibição das respostas.
FATORES DE RISCO
GENÉTICOS
A história familiar está entre os fatores de risco mais consistentes. Há, em média, risco 10 vezes maior entre parentes adultos de indivíduos com TB tipo I e TB tipo II. A magnitude do risco aumenta com o grau de parentesco. Um estudo apontou herdabilidade genética de 58%. Outros estudos indicam que a associação entre gêmeos monozigóticos ocorre em 40-80%. A concordância entre gêmeos e hereditariedade indica a importância do componente genético no desenvolvimento do transtorno. A associação entre genótipo e fenótipo nos transtornos psiquiátricos é claramente complexa, mas há estudos que demonstram que eles compartilham uma causa genética comum (p. ex., um grande estudo populacional demonstrou haver uma sobreposição na suscetibilidade genética entre bipolaridade e esquizofrenia).
Estudos recentes com uso de associação genômica ampla (GWAS, do inglês genome-wide association studies) permitiram progressos com descobertas genéticas sobre a etiologia do TB. Por intermédio dessas pesquisas, diversos genes têm sido identificados como associados ao transtorno, por exemplo, o CACNA1C, que codifica a subunidade alfa do canal de cálcio do tipo L, o NCAN, que codifica a neurocan, uma glicoproteína da matriz extracelular expressada no cérebro, e o ODZ 4, que codifica um membro de uma família de proteínas da superfície celular, as teneurinas.13 Estimativas por meio de métodos com GWAS sugerem que 38% da variância fenotípica no TB poderia ser explicada pelo impacto cumulativo de vários alelos comuns de efeitos pequenos. Uma metanálise avaliou as vias envolvidas na predisposição genética ao TB, com resultados que incluíram vias da regulação hormonal, dos canais de cálcio, dos sistemas de segundos mensageiros e da sinalização de glutamato, entre outros.
AMBIENTAIS
Além dos fatores genéticos associados ao TB, deve-se, também, levar em consideração os fatores ambientais. A importância de detectar tais aspectos é crucial para o desenvolvimento de intervenções que modifiquem o início e o curso dessa patologia. O trauma precoce é um fator ambiental que tem sido classicamente estudado no TB. Uma metanálise apontou que pessoas com esse transtorno relatam terem sofrido trauma na infância 2,63 vezes mais que indivíduos saudáveis. Além disso, aqueles com TB que sofreram trauma infantil apresentam primeiro episódio de humor mais precocemente, mais ciclagem rápida e condições mais graves do transtorno quando comparados aos que não vivenciaram trauma infantil. Entre os tipos de trauma precoce, o abuso e a negligência têm associação positiva com a ocorrência e a gravidade de sintomas prodrômicos em sujeitos com TB. Já outros tipos de trauma, como abuso sexual e emocional, afetam a performance cognitiva (memória visual e verbal, fluência verbal e flexibilidade cognitiva) em pessoas com TB.
Alguns fatores pré-natais e perinatais aumentam o risco de desenvolvimento do transtorno ao longo da vida, como parto cesáreo, infecção materna durante a gravidez, fumo durante a gravidez e elevada idade paterna. Uma metanálise recente apresentou que o tamanho da circunferência da cabeça (< 32 cm) aumenta a chance de desenvolver TB na vida adulta em 5,4 vezes.22
O uso e o abuso de substâncias psicoativas é outro fator de risco ambiental relacionado ao TB. Por exemplo, sujeitos com transtorno por uso de álcool apresentam 4,1 vezes mais chances de terem TB quando comparados àqueles sem esse transtorno.23 Porém, essa chance de desenvolver TB aumenta em cinco vezes entre aqueles que usam qualquer droga ilícita quando comparados com aqueles que não usam.23 Adicionado a isso, o uso de cocaína se mostrou importante fator de risco para a conversão de TDM para TB em um estudo de coorte, com uma razão de chance de 3,41, comparados aos sujeitos com TB que não usaram cocaína.
4. Descreva o quadro clínico, diagnóstico e diagnósticos diferenciais da TAB.
Sintomas e circuitos na depressão
Hoje em dia, a hipótese monoaminérgica da depressão está sendo aplicada para compreender como as monoaminas regulam a eficiência do processamento de informações em uma ampla variedade de circuitos neuronais, que podem ser responsáveis pela mediação dos vários sintomas da depressão. Evidentemente, são necessários vários sintomas para estabelecer o diagnóstico de um episódio depressivo maior (Figura 6.44). Cada sintoma está hipoteticamente associado a um processamento ineficiente de informações em diversos circuitos cerebrais, estando os diferentes sintomas localizados topograficamente em regiões cerebrais específicas (Figura 6.45).
Não apenas cada um dos nove sintomas listados para o diagnóstico de um episódio depressivo maior pode ser mapeado em circuitos cerebrais, cujo processamento ineficiente de informações teoricamente medeia esses sintomas (Figura 6.45), mas também a regulação monoaminérgica hipotética de cada uma dessas áreas cerebrais pode ser mapeada em cada região cerebral que inervam (Figuras 6.31 a 6.33). Isso cria um conjunto de neurotransmissores monoamínicos que regulam cada região cerebral específica hipoteticamente disfuncional. O uso de fármacos tendo como alvo cada uma dessas regiões e atuando sobre a(s) monoamina(s) relevante(s) que inerva(m) essas regiões cerebrais leva, potencialmente, à redução de cada sintoma específico apresentado por determinado paciente ao aumentar a eficiência do processamento de informações em circuitos disfuncionais para cada sintoma específico. Se forem bem-sucedidos, esses fármacos direcionados para monoaminas em áreas cerebrais específicas podem até eliminar os sintomas e produzir remissão do episódio depressivo maior.
Muitos dos sintomas da depressão relacionados com o humor podem ser classificados como apresentando pouco afeto positivo ou demasiado afeto negativo (Figura 6.46). Essa ideia está ligada ao fato de que existem conexões anatômicas difusas das monoaminas por todo o cérebro, com disfunção difusa da dopamina nesse sistema. Isso determina, predominantemente, a redução do afeto positivo, enquanto a disfunção difusa da serotonina impulsiona, em especial, o aumento do afeto negativo, estando a disfunção da noradrenalina envolvida em ambos. Assim, o afeto positivo reduzido envolve sintomas como humor deprimido, mas também perda da felicidade, da alegria, do interesse, do prazer, da vigilância, da energia, do entusiasmo e da autoconfiança (Figura 6.46, à esquerda). O aumento da função dopaminérgica e, talvez, da função noradrenérgica pode melhorar o processamento da informação nos circuitos que medeiam esse conjunto de sintomas. Por outro lado, o aumento do afeto negativo envolve não apenas humor deprimido, mas também culpa, aversão, medo, ansiedade, hostilidade, irritabilidade e solidão. O aumento da função serotoninérgica e, talvez, da função noradrenérgica pode melhorar o processamento da informação nos circuitos que medeiam hipoteticamente esse conjunto de sintomas. Os pacientes que apresentam sintomas de ambos os grupos podem necessitar de tratamento de ação tríplice, que estimulem todas as três monoaminas.
Sintomas da depressão. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o episódio depressivo maior consiste em humor deprimido ou perda do interesse ou, pelo menos, quatro dos seguintes critérios: alterações no peso/apetite, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga, sentimentos de culpa ou de inutilidade, disfunção executiva e ideação suicida.
Correspondência entre os sintomas depressivos e os circuitos. As alterações na atividade neuronal e na eficiência do processamento da informação em cada uma das 11 regiões cerebrais mostradas aqui podem levar a sintomas de episódio depressivo maior. A funcionalidade em cada região cerebral está associada, teoricamente, a uma constelação diferente de sintomas. CPF, córtex pré-frontal; BP, parte basal do prosencéfalo; E, estriado; NAc, nucleus accumbens; T, tálamo; Hi, hipotálamo; A, amígdala; H, hipocampo; NT, centros neurotransmissores do tronco encefálico; ME, medula espinal; C, cerebelo.
Afetos positivo e negativo. Os sintomas da depressão relacionados com o humor podem ser caracterizados por sua expressão afetiva – isto é, se causam redução do afeto positivo ou aumento do afeto negativo. Os sintomas relacionados com redução do afeto positivo são humor deprimido; perda de felicidade, interesse ou prazer; perda de energia ou entusiasmo; redução da vigilância; e diminuição da autoconfiança. A redução do afeto positivo talvez esteja relacionada com a disfunção dopaminérgica e com a disfunção noradrenérgica. Os sintomas associados ao aumento do afeto negativo são humor deprimido, culpa, aversão, medo, ansiedade, hostilidade, irritabilidade e solidão. O aumento do afeto negativo pode estar ligado à disfunção serotoninérgica e, talvez, também à disfunção noradrenérgica.
Sintomas e circuitos na mania
O mesmo paradigma geral da regulação da eficiência do processamento da informação pelas monoaminas em circuitos cerebrais específicos pode ser aplicado à mania, bem como à depressão. Contudo, no caso da mania, acredita-se que isso ocorra na direção oposta e em algumas regiões cerebrais sobrepostas, mas também em algumas regiões diferentes, em comparação com a depressão. Os diversos sintomas necessários para o diagnóstico de um episódio maníaco são mostrados na Figura 6.47. À semelhança da depressão maior, cada sintoma da mania também está hipoteticamente associado ao processamento ineficiente da informação em diversos circuitos cerebrais, com sintomas diferentes localizados topograficamente em regiões específicas do cérebro (Figura 6.48).
Em geral, o funcionamento ineficiente desses circuitos na mania pode ser essencialmente o oposto da disfunção sugerida para a depressão, mas pode ser mais acuradamente descrito como “fora de sintonia”, e não simplesmente excessivo ou deficiente, em particular porque alguns pacientes podem apresentar simultaneamente sintomas tanto maníacos quanto depressivos. Em geral, os tratamentos para a mania reduzem ou estabilizam a regulação monoaminérgica dos circuitos associados aos sintomas da mania.
Sintomas da mania. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o episódio maníaco consiste em humor elevado/expansivo ou irritável. Além disso, pelo menos três dos seguintes sintomas devem estar presentes (quatro, se o humor for irritável): autoestima aumentada/grandiosidade, aumento da atividade dirigida a objetivos ou agitação, correr risco, redução da necessidade de sono, distratibilidade, pressão para falar e pensamentos acelerados.
Correspondência entre os sintomas de mania e circuitos. As alterações da neurotransmissão em cada uma das 11 regiões cerebrais mostradas aqui podem estar hipoteticamente ligadas aos vários sintomas do episódio maníaco. A funcionalidade em cada região cerebral pode estar associada a uma constelação diferente de sintomas. CPF, córtex pré-frontal; BP, parte basal do prosencéfalo; E, estriado; NAc, nucleus accumbens; T, tálamo; Hi, hipotálamo; A, amígdala; H, hipocampo; NT, centros neurotransmissores do tronco encefálico ME, medula espinal; C, cerebelo.
5. Qual o tratamento farmacológico e não farmacológico da TAB?
TRATAMENTO
Uma das principais diretrizes para tratamento farmacológico do TB chama-se Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT). O CANMAT divide as medicações em quatro linhas, baseando-se no nível de evidência dos estudos. O nível 1 consiste em metanálises com pequeno intervalo de confiança ou estudos duplos-cegos replicados e ensaio clínico randomizado, que inclui placebo ou comparação de controle ativo (n ≥ 30 em cada braço de tratamento ativo). O nível 2 refere-se a metanálises com grande intervalo de confiança ou um ensaio clínico randomizado duplo-cego controlado com placebo ou condição de comparação de controle ativo (n ≥ 30 em cada braço de tratamento ativo). O nível 3 envolve, pelo menos, um ensaio clínico randomizado duplo-cego controlado com placebo ou condição de comparação de controle ativo (n = 10-29 em cada braço de tratamento ativo) ou dados administrativos do sistema de saúde. Por fim, o nível 4 refere-se a ensaios clínicos não controlados, relatos de caso e opinião de especialistas.32
Durante a primeira avaliação, o clínico deve identificar em qual fase da doença o paciente se encontra para, a partir disso, decidir qual a melhor medicação. Além disso, nessa etapa, deve-se considerar os exames complementares do paciente (Quadro 20.1).
Para a escolha do fármaco para o tratamento do episódio depressivo, primeiramente, o médico deve revisar os princípios gerais do manejo dos sintomas depressivos.
AVALIAR:
•Comportamentos de risco (risco de suicídio, em especial a presença de características mistas, agitação psicomotora e heteroagressividade).
•Grau de insight.
•Capacidade de aderir ao tratamento.
•Suporte psicossocial.
•Uso de nicotina, cafeína, álcool e outras substâncias de abuso (os pacientes devem ser estimulados a limitá-lo).
•Reinício de medicamentos se sua descontinuação recente coincidir com uma recaída depressiva.
REVISAR STATUS DE MEDICAÇÃO:
•Níveis séricos.
•Adesão ao tratamento.
REVISAR SINTOMAS SECUNDÁRIOS:
•Medicamentos em uso.
•Comorbidades psiquiátricas.
•Uso de substâncias.
•Outras condições médicas.
Caso o paciente apresente um quadro com sintomas maníacos, o clínico deve avaliar os seguintes tópicos antes da administração de um fármaco.
AVALIAR:
•Comportamentos de risco (risco de suicídio, em especial a presença de características mistas, agitação psicomotora e heteroagressividade).
•Grau de insight.
•Capacidade de aderir ao tratamento.
•Suporte psicossocial.
REVISAR STATUS DE MEDICAÇÃO:
•Níveis séricos.
•Adesão ao tratamento.
•Antidepressivos e estimulantes devem ser descontinuados.
REVISAR SINTOMAS SECUNDÁRIOS:
•Medicamentos em uso.
•Comorbidades psiquiátricas.
•Uso de substâncias.
•Outras condições médicas.
PSICOEDUCAÇÃO
Devido à complexidade no manejo do TB, estratégias de intervenção psicossociais, por exemplo, psicoeducação como um adjunto ao tratamento farmacológico, têm sido testadas. Uma recente revisão sistemática foi conduzida com o objetivo de descrever os dados de ensaios clínicos randomizados controlados sobre a efetividade clínica da psicoeducação (individual, em grupo, familiar, on-line) no manejo do TB. Essa revisão encontrou 40 ensaios clínicos randomizados controlados envolvendo 4.507 indivíduos e familiares acompanhados por uma média de 15 meses. A maioria dos estudos (28/40, 70%) focou em psicoeducação em grupo ou psicoeducação familiar. A psicoeducação em grupo foi associada com redução de recorrência, diminuição do número e duração das hospitalizações, aumento do tempo até a recaída, melhor aderência ao tratamento, níveis terapêuticos do lítio elevados e redução do estigma. Na psicoeducação familiar, verificou-se que, além da redução de recorrência e hospitalizações e da melhora na trajetória clínica, também houve melhora no bem-estar e diminuição da sobrecarga dos cuidadores. Em relação à psicoeducação individual ou on-line, poucos estudos foram encontrados, e os achados foram inconsistentes ou indicaram falta de demonstrável eficácia.
CASOS REFRATÁRIOS
A clozapina é uma das poucas opções farmacológicas que pode ser efetiva na mania resistente ao tratamento. Apesar da falta de ensaios clínicos randomizados testando sua eficácia no tratamento do TB, há evidência mostrando que esse medicamento é eficaz em transtornos do humor graves por reduzir sintomas relacionados ao humor e as taxas de reospitalização entre esses pacientes.34-36 Além disso, duas revisões sistemáticas recentes mostraram que a clozapina foi um tratamento efetivo e relativamente seguro para o TB resistente ao tratamento, indicando:
(1) melhora nos sintomas de humor e nos sintomas psicóticos;
(2) redução do número e duração das hospitalizações;
(3) redução no número de medicações psicotrópicas;
(4) diminuição do número de consultas no hospital devido a questões somáticas de autolesão/overdose;
(5) redução de ideação suicida e comportamento agressivo; e
(6) melhora no funcionamento social.
No entanto, essas revisões sistemáticas ressaltaram algumas limitações dos estudos incluídos, como:
(1) tamanho amostral relativamente pequeno;
(2) heterogeneidade entre os pacientes incluídos;
(3) definições inconsistentes sobre resistência ao tratamento;
(4) falta de controle adequado e randomização; e
(5) curto período de follow-up.
6. Quais os mecanismos de ação do carbonato de lítio, ácido valproico e quetiapina?
LÍTIO | ESTABILIZADOR DE HUMOR CLÁSSICO
Classicamente, o transtorno bipolar vem sendo tratado com lítio há mais de 50 anos. O lítioé um íoncujo mecanismo de ação ainda não está estabelecido com certeza. Seus mecanismos de açãoconsistem em diversos locais de transdução de sinais, além dos receptores de neurotransmissores(Figura 8.3). Isso inclui segundos mensageiros, como o sistema de fosfatidilinositol, em que o lítio inibe a enzima inositol monofosfatase; a modulação das proteínas G; e, mais recentemente, a regulação da expressão gênica para fatores de crescimento e plasticidade neuronal por meio de interação com cascatas de transdução de sinais corrente abaixo, com inibição da GSK-3 (glicogênio sintase quinase 3) e proteinoquinase C(Figura 8.3).
Qualquer que seja o modo de atuação do lítio, ele demonstra ser efetivonos episódios maníacos e na manutenção das remissões, particularmente dos episódios maníacos e talvez, em menor grau, dos episódios depressivos. O lítio está bem estabelecido na prevenção do suicídio em pacientes com transtornos do humor. É também usado para tratar episódios depressivos no transtorno bipolar, como agente potencializador de antidepressivos na depressão unipolar, conforme mencionado no Capítulo 7, embora não seja formalmente aprovado para esses usos. Diversos fatores levaram ao declínio lamentável do uso do lítio nesses últimos anos, como a entrada de diversas opções de novos tratamentos no arsenal terapêutico dos transtornos bipolares, os efeitos colaterais do lítio e a carga representada pelo monitoramento, que faz parte de sua prescrição. O uso moderno do lítio por especialistas difere de seu uso clássico como monoterapia em doses altas para a mania eufórica, e, hoje em dia, o lítio é um dos itens do conjunto de tratamentos, sendo frequentemente administrado 1 vez/dia e em doses mais baixas quando combinado com outros estabilizadores do humor.
O lítio apresenta eficácia igual ou superior no transtorno bipolar em comparação com o valproatopara os episódios maníacos, depressivos ou mistos, embora o valproato seja prescrito com mais frequência. Os anticonvulsivantes, inclusive o valproato, têm sido ligados de modo controvertido, mas de modo não totalmente convincente, à tendência suicida, enquanto o lítio, na realidade, reduz a incidência de suicídio nos pacientes com transtorno bipolar. De fato, alguns estudos provocativos conduzidos na Áustria, nos EUA (mais especificamente, no Texas) e no Japão sugerem que, quanto maior a quantidade de lítio mobilizado das rochas e do solo pelas chuvas e, em seguida, dissolvido na água potável, menor a taxa de suicídio na população geral! Outro uso potencial do lítio origina-se do conceito de que a inibição da GSK-3 pelo lítio poderia inibir a fosforilação de proteínas tau (τ) e, assim, retardar a formação de placas e emaranhados na doença de Alzheimer. Alguns estudos sugeriram que o lítio impediria a progressão do comprometimento cognitivo leve para doença de Alzheimer e reduzir os níveis de proteínas τ fosforiladas, particularmente quando administrado por longo período de tempo (> 1 ano), mesmo em doses baixas. Esse efeito permanece controvertido e precisa ser reproduzido em estudos de maior porte, porém certamente representa um avanço interessante a ser pesquisado.
Mecanismo de ação do lítio. Embora o lítio seja o tratamento mais antigo para o transtorno bipolar, seu mecanismo de ação ainda não está bem elucidado. Existem vários mecanismos possíveis, mostrados aqui. O lítio pode atuar ao afetar a transdução de sinais, talvez por meio da inibição de enzimas que são segundos mensageiros, como a inositol monofosfatase (à direita), da modulação das proteínas G (no meio) ou da interação em diversos locais em cascatas de transdução de sinais corrente abaixo (à esquerda).
Os efeitos colaterais bem conhecidos do lítio consistem em sintomas gastrintestinais, como dispepsia, náuseas, vômitose diarreia, bem como ganho de peso, queda dos cabelos, acne, tremor, sedação, prejuízo da cognição e falta de coordenação motora. São também observados efeitos adversos a longo prazo sobre a tireoide e o rim. O lítio apresenta uma janela terapêutica estreita, o que exige o monitoramento de seus níveis plasmáticos. O uso moderno do lítio costuma envolver uma posologia na extremidade inferior da janela terapêutica, e sua combinação com outros estabilizadores do humor.
ÁCIDO VALPROICO
Como ocorre com todos os anticonvulsivantes, o mecanismo exato de ação do ácido valproico(também conhecido como valproato de sódio ou valproato) permanece incerto. Todavia, sabe-se ainda menos sobre o mecanismo do valproato em comparação com outros anticonvulsivantes. Várias hipóteses são discutidas aqui e resumidas nas Figuras 8.4 a 8.7. Existem, pelo menos, três possibilidades para o modo de ação do ácido valproico: inibição dos canais de sódio sensíveis à voltagem(Figura 8.5), reforço das ações do neurotransmissor GABA (ácido γ-aminobutírico) (Figura 8.6) e regulação das cascatas de transdução de sinais corrente abaixo (Figura 8.7). Não se sabe se esses efeitos explicam as ações estabilizadoras do humor, as anticonvulsivantes e as antienxaqueca ou os efeitos colaterais do ácido valproico. Evidentemente, essa molécula simples exerce diversos efeitos clínicos complexos, e as pesquisas procuram determinar qual das várias possibilidades explica os efeitos de estabilização do humor do ácido valproico. Assim, podem ser desenvolvidos novos agentes com maior eficácia e menos efeitos colaterais, tendo como alvo o mecanismo farmacológico relevante para o transtorno bipolar.
Ácido valproico.
Esta figura representa as ações farmacológicas do ácido valproico, anticonvulsivante usado no tratamento do transtorno bipolar. O ácido valproico (também conhecido como valproato) atua ao interferir nos canais de sódio sensíveis à voltagem (VSSC), potencializando as ações inibitórias do ácido γ-aminobutírico (GABA) e regulando cascatas de transdução de sinais corrente abaixo, embora não se tenha esclarecido qual dessas ações esteja relacionada com a estabilização do humor. O valproato também pode interagir com outros canais iônicos, como os canais de cálcio sensíveis à voltagem (VSCC) e também bloquear indiretamente as ações do glutamato.
Uma das hipóteses para explicar as ações antimaníacas estabilizadoras do humor consiste na possibilidade de que o valproato atue ao diminuir a neurotransmissão excessiva, o que reduz o fluxo de íons pelos canais de sódio sensíveis à voltagem (VSSC) (Figura 8.5). Os VSSC são discutidos no Capítulo 3 e ilustrados nas Figuras 3.19 a 3.21. Não foi estabelecido nenhum sítio molecular específico de ação para o valproato, mas é possível que esse agente modifique a sensibilidade dos canais de sódio, alterando sua fosforilação, ligando-se diretamente aos VSSC ou às suas unidades reguladoras ou inibindo as enzimas de fosforilação(Figura 8.5). Se uma quantidade menor de sódio for capaz de entrar nos neurônios, isso pode levar a diminuição da liberação de glutamatoe, portanto, menor nível de neurotrasmissão excitatória, porém isso é apenas uma teoria. O valproato pode exercer efeitos adicionais sobre outros canais iônicos sensíveis à voltagem. No entanto, esses efeitos estão pouco caracterizados e podem estar relacionados tanto com os efeitos colaterais quanto com os terapêuticos.
Outra ideia é a de que o valproato potencialize as ações do GABA, aumentando sua liberação, diminuindo sua recaptação ou retardando sua inativação metabólica(Figura 8.6). O local direto de ação do valproato que leva à potencialização do GABA permanece desconhecido, porém há evidências sólidas de que os efeitos do valproato corrente abaixo finalmente resultem em mais atividade do GABA e, portanto, maior nível de neurotransmissão inibitória, o que talvez explique suas ações antimaníacas.
Por fim, nos últimos anos, foram descritas diversas ações corrente abaixo sobre cascatas de transdução de sinais complexas (Figura 8.7). À semelhança do lítio, o valproato pode inibir a GSK-3, mas também ter como alvo muitos outros locais corrente abaixo, desde o bloqueio da fosfoquinase C (PKC) e do MARCKS (substrato da quinase C rico em alanina miristolada) até a ativação de vários sinais que promovem neuroproteção e plasticidade prolongada, como a ERK quinase (quinase regulada por sinais extracelulares), o BCL2 (gene da proteína citoprotetora de linfoma de células B/leucemia-2), o GAP43 e outros (Figura 8.7). Os efeitos dessas cascatas de transdução de sinais só agora estão sendo esclarecidos, porém ainda não foi elucidado qual desses possíveis efeitos do valproato possa ser relevante para as ações de estabilização do humor.
LÍTIO
O efeito psicotrópico do lítio foi descoberto em 1949 por Cade, que previu que os sais de urato deveriam impedir a indução pela uremia de um estado de hiperexcitabilidade em cobaias. Ele verificou que o urato de lítio produzia um efeito, rapidamente visto que se devia ao lítio, e não ao urato, e prosseguiu mostrando que o lítio produzia melhora rápida em um grupo de pacientes maníacos.
Os fármacos antiepilépticos atípicos (ver adiante) são igualmente eficazes em tratar a mania aguda; atuam mais rapidamente e são consideravelmente mais seguros, de modo que o uso clínico do lítio é confinado principalmente ao controle profilático do transtorno maníaco-depressivo. A utilização do lítio vem declinando.5 Seu uso é relativamente difícil, visto que necessita de monitoramento constante da concentração plasmática e existe potencial para problemas no caso de pacientes com lesão renal e de interações medicamentosas, como, por exemplo, com diuréticos (ver Capítulo 58). O lítio pode apresentar efeitos benéficos em doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer (ver Capítulo 41).
■Efeitos farmacológicos e mecanismo de ação
O lítio é clinicamente eficaz em concentração plasmática de 0,5 a 1 mmol/l, e acima de 1,5 mmol/l produz vários efeitos tóxicos, de modo que a janela terapêutica é estreita. Em indivíduos normais, 1 mmol/l de lítio no plasma não apresenta efeitos psicotrópicos apreciáveis. Produz, contudo, muitas alterações bioquímicas detectáveis, e ainda não está claro como elas podem estar relacionadas com o seu efeito terapêutico.
O lítio é um cátion monovalente que pode simular o papel do Na+ em tecidos excitáveis, sendo capaz de permear os canais de Na+ controlados por voltagem que são responsáveis pela geração de potenciais de ação (ver Capítulo 4). Não é, contudo, bombeado para fora pela Na+/K+-ATPase e, portanto, tende a acumular-se dentro de células excitáveis, levando à perda parcial do K+ intracelular e à despolarização da célula.
Os efeitos bioquímicos do lítio são complexos e inibem muitas enzimas que participam das vias de transdução de sinais. Acredita-se que os seguintes efeitos bioquímicos sejam relevantes para suas ações terapêuticas:
•Inibição da inositol monofosfatase, que bloqueia a via fosfatidilinositol (PI) (ver Capítulo 3) no ponto em que o fosfato de inositol é hidrolisado a inositol livre, resultando em depleção de PI. Isso impede a formação de trisfosfato de inositol estimulada por agonistas por intermédio de vários receptores ligados ao PI e, portanto, bloqueia muitos efeitos mediados pelos receptores
•Inibição das isoformas de glicogênio sintase quinase 3 (GSK3), possivelmente por competir com o magnésio por sua associação com essas quinases. As isoformas GSK3 fosforilam algumas enzimas-chave envolvidas nas vias que levam à apoptose e à formação de amiloide (Phiel e Klein, 2001). O lítio pode afetar também as isoformas GSK3 indiretamente por meio da interferência em sua regulação por Akt, uma serina/treoninoquinase muito semelhante regulada por sinalização mediada por PI e arrestinas (ver Capítulo 3; Beaulieu et al., 2009).
O lítio inibe a função da proteína G, reduzindo, assim, a ativação do canal de K+ e a produção de cAMP induzida por hormônios. Também bloqueia outras respostas celulares (p. ex., a resposta das células tubulares renais ao hormônio antidiurético e da tireoide ao hormônio tireostimulante; Capítulos 30 e 35, respectivamente). Esse não é, contudo, um efeito acentuado no cérebro.
A seletividade celular do lítio parece depender de sua recaptação seletiva, refletindo a atividade dos canais de sódio em diferentes células. Isso poderia explicar sua ação relativamente seletiva no cérebro e no rim, embora muitos outros tecidos usem os mesmos segundos mensageiros. Mesmo com tais esclarecimentos, nossa ignorância sobre a natureza do transtorno subjacente às oscilações de humor no transtorno bipolar nos deixa tatear em busca de ligações entre os efeitos bioquímicos e profiláticos do lítio.
■Aspectos farmacocinéticos e toxicidade
O lítio é administrado por via oral, como sal de carbonato, e é eliminado pelo rim. Cerca de metade de uma dose oral é eliminada em aproximadamente 12 horas – o restante, que presumivelmente representa o lítio captado pelas células, é eliminado durante as próximas 1 a 2 semanas. Essa fase muito lenta significa que, com dosagem regular, o lítio acumula-se lentamente durante 2 semanas ou mais, antes de o estado de equilíbrio ser alcançado. O limite terapêutico estreito para a concentração plasmática significa que o monitoramento da concentração no plasma é essencial. A depleção de Na+ reduz a taxa de eliminação pelo aumento da reabsorção do lítio pelo túbulo proximal e, desse modo, aumenta a probabilidade de toxicidade. Os diuréticos que atuam distalmente ao túbulo proximal (ver Capítulo 30) também têm esse efeito, e a doença renal também predispõe à toxicidade pelo lítio.
Os principais efeitos tóxicos que podem ocorrer durante o tratamento são os seguintes:
•Náuseas, vômitos e diarreia
•Tremor
•Efeitos renais: poliúria (com sede resultante), decorrente de inibição da ação do hormônio antidiurético. Ao mesmo tempo, há certa retenção de Na+ associada ao aumento da secreção de aldosterona. Com o tratamento prolongado, pode ocorrer lesão tubular renal grave, tornando essencial monitorar a função renal regularmente em pacientes tratados com lítio
•Aumento de volume da tireoide, algumas vezes associado a hipotireoidismo
•Ganho de peso
•Perda de cabelo.
A toxicidade aguda pelo lítio resulta em vários efeitos neurológicos, evoluindo de confusão e comprometimento motor para coma, convulsões e morte, se a concentração plasmática chegar a 3 a 5 mmol/l.
FÁRMACOS ANTIEPILÉPTICOS
Carbamazepina, valproato e lamotrigina apresentam menos efeitos adversos que o lítio e mostraram-se eficazes para o tratamento de transtorno bipolar.
É assumido que os mecanismos de ação dos fármacos anticonvulsivantes em reduzir os transtornos bipolares estão relacionados com as suas atividades anticonvulsivantes. Enquanto cada fármaco apresenta múltiplas ações, os fármacos antiepilépticos eficazes no tratamento do transtorno bipolar compartilham a propriedade de bloqueio dos canais de sódio, embora existam diferenças sutis na sua eficácia, nas várias fases do transtorno bipolar. O valproato e a carbamazepina são eficazes no tratamento de crises agudas de mania e para o tratamento a longo prazo dessa patologia, embora a carbamazepina possa não ser tão eficaz para o tratamento na fase depressiva. Algumas vezes, o valproato é administrado junto com outro fármaco como o lítio. A lamotrigina é eficaz na prevenção de recorrência tanto da mania quanto da depressão.
Quetiapina:
Sonolência;