DEIXEM-ME EM PAZ...
Soledad, 36 anos, natural da Bolívia, mas está em São Paulo há 8 anos, veio com um grupo de outras mulheres para trabalhar como costureira no Bom Retiro. Há 6 meses seu filho, Yago de 12 anos, foi atropelado no caminho da escola, desde então tem se sentido muito mais entristecida, não se conforma com a morte repentina do filho, além de solidão, pois não tem nenhum parente aqui na cidade. Sua rotina de trabalho é extenuante, chegando a 16 horas por dia, porém seu rendimento caiu no último mês, mal consegue levantar da cama para fazer suas tarefas. Soledad trabalha e dorme no mesmo local, não tem uma residência, então lhe foi permitido que pagasse uma certa quantia e dormisse em um quarto com banheiro no fundo do atelier de costura… e essa situação já dura 8 anos, nunca conseguiu que o dinheiro suprisse suas necessidades e fica refém do seu patrão.
Nesse período das quatro últimas semanas, seu estado de humor tem piorado significativamente, chora a maior parte do tempo, já não levanta mais da cama, perdeu apetite, perdeu prazer por tudo, não toma banho e só fala em morrer. Suas colegas começaram a se preocupar, até então achavam que o comportamento de Soledad havia mudado por causa da morte recente do filho, mas nunca tinha alcançado esse nível. Em uma determinada manhã, encontram-na desacordada no banheiro, com alguns comprimidos de tarja preta ao lado, uma garrafa de vinho e lâminas de barbear com manchas de sangue. Foi socorrida pelo SAMU e encaminhada à UPA permanecendo em observação por 48h. Após esse período foi solicitada avaliação psiquiátrica que indicou internação psiquiátrica, em função da manutenção do pensamento suicida associado a alta vulnerabilidade social. No hospital foi realizada uma investigação clínica e nenhuma alteração foi encontrada. Durante a internação recebeu como prescrição: sertralina até 200mg e clonazepam 0,5mg. Além de ter participado de grupos terapêuticos com psicólogos e terapeutas ocupacionais e psicoterapia individual de suporte.
Recebeu alta 20 dias após com encaminhamento para o CAPS adulto da sua região. Após seis meses, permanece afastada do trabalho, está recebendo um auxílio social e conseguiu uma pensão para morar. Recebeu ajuda da defensoria pública para entrar com uma ação contra a oficina de costura e hoje consegue vislumbrar alguns planos, quer muito voltar para La Paz, onde pretende respirar o ar andino ao lado de sua mãe.
Problemas: grifados
Hipóteses:
Desenvolveu um possível quadro de depressão desencadeada após a morte do filho, por apresentar anedonia, solidão e apatia, levando a uma tentativa de suicídio.
O quadro de Soledad se agravou devido a uma falta de rede de apoio, ao trabalho excessivo e precário, falta de sono, moradia própria e condições financeiras há 8 anos.
Os sintomas de Soledad (estado de humor piorando significamente, chorando a maior parte do tempo, não consegue levantar da cama, perda de apetite, perda de prazer por tudo, não toma banho, só fala em morrer) caracteriza um quadro clássico de depressão.
Soledad teve um fator estressante (a morte do filho e a predisposição genética) e não conseguiu passar por todas as fases do luto tendo uma tentativa de suicídio.
Os medicamentos tarja-preta são aqueles que têm alta chance de dependência e Soledad já fazia uso deles.
Questões:
Quais são as fases do luto?
Como diferenciar luto de uma depressão?
Qual a epidemiologia da depressão?
Qual o quadro clínico da depressão?
Explique a fisiopatologia da depressão.
Como é feito o diagnóstico de depressão?
Qual o tratamento farmacológico e não farmacológico da depressão?
Explique o mecanismo de ação da sertralina e do clonazepam?
Como prescrever e relacionar os critérios para indicação de tarja preta?
Descreva o fluxo no SUS de pessoas que tentam suicídio.
Quais os direitos e programas existentes para ajudar Soledad?
Síntese Individual:
1.Quais são as fases do luto?
Não existe fórmula ou regra de como a pessoa em luto irá lidar com a situação de perda. Esse aspecto é muito individual, variável, uma vez que está relacionado com:
1- a personalidade do enlutado
Indivíduos mais extrovertidos e afetivos tendem a expor seu sofrimento de maneira mais evidente, enquanto os introvertidos sofrem de forma contida, mais discreta, disfarçando suas dores. Cada um vive a dor ao seu próprio modo e isso não é um problema.
2- suas experiências de vida e perdas anteriores
Pessoas com histórico de depressão ou de lutos complicados no passado, podem apresentar uma maior probabilidade de ter uma resposta complicada ao luto atual também. As perdas anteriores criam certo medo de futuras perdas e influenciam negativamente na capacidade de fazer novas conexões.
3- as circunstâncias da perda
A morte pode ocorrer de forma inesperada ou já estar sendo "esperada" (doenças fatais). Existe também os casos em que os corpos não são encontrados e a morte permanece incerta e inconclusa. Ainda, existem as perdas múltiplas, quando um acidente mata mais de um membro da mesma família de uma única vez. Também existem as mortes por suicídio ou aquelas em que o enlutado foi direta ou indiretamente responsável, exemplo: em um acidente ou homicídio.
4- momento em que recebeu a noticia
O individuo é capaz de guardar esse momento para sempre. Por isso, é importante que a pessoa que dê a noticia da morte o faça de forma clara, verdadeira e empática/ humana.
5- quão próximo o enlutado era da pessoa que se foi
A intensidade do luto é determinada pela intensidade da relação entre o falecido e o enlutado, ou seja, quanto mais próximos, mais difícil será a elaboração da perda. O mesmo ocorre em casos de conflitos ou situações inacabadas com a pessoa que se foi.
6- a existência ou não de uma rede de apoio social.
A rede de apoio social engloba familiares e amigos, assim como serviços públicos de saúde (SUS, assistência especializada) e um conjunto de ações da sociedade civil (assistência jurídica, apoio psicológico, centros de convivência, entre outros). É importante ter pessoas com quem contar durante o processo e que possam ajudar o enlutado mesmo quando ele não sabe que precisa de ajuda.
Tarefa I: Aceitar a realidade da perda
Por mais que doa, é preciso compreender que a pessoa se foi e não irá mais voltar. A negação da morte é algo comum, mas rituais de despedida podem ajudar na aceitação da nova realidade.
Tarefa II: Elaborar a dor da perda
É importante que o individuo entre em contato com seus sentimentos para, aos poucos, cuidar deles e encontrar um lugar para a saudade que não seja o da dor. Evitar entrar em contato com os sentimentos não ajuda. Como muito na vida, o caminho mais fácil pode ser o mais duro a longo prazo.
Tarefa III: Ajustar-se a um ambiente onde está faltando a pessoa que faleceu
A perda não se refere apenas à ausência da pessoa, mas aos diversos papéis que ela representava na vida do enlutado. Muitas vezes, é preciso colocar dentro de suas atividades o que antes era responsabilidade do outro.
Tarefa IV: Reposicionar em termos emocionais a pessoa que faleceu e continuar a vida
Após aceitar que a pessoa se foi, é preciso encontrar uma nova maneira de tê-la em sua vida, mas de forma que lhe permita continuar vivendo, construindo novas relações com outras pessoas e com o mundo, sem ter medo de esquece-la ou se sentir culpada por estar vivendo e feliz.
É necessário que a equipe saiba o que é um luto normal, para que consiga reconhecer os desvios do padrão que necessitem de um suporte ou intervenção terapêutica. Segundo Kubler-Ross (2000), após estudos de pacientes com câncer, há alguns estágios do luto:
1) Negação e isolamento;
2) Raiva;
3) Barganha;
4) Depressão;
5) Aceitação.
Durante todos esses estágios, resta a esperança, que aparece com intensidade crescente à medida que o luto é trabalhado. Rando, citado por Franco (2008), descreve que o enlutado passa naturalmente por fases que podem ser assim resumidas:
Reconhecer a perda;
Reagir emocionalmente à separação;
Recordar o relacionamento, objetos, fotos etc. e reexperienciar a pessoa perdida;
Abandonar velhos apegos e elaboração da perda;
Reajustar para se mover adaptativamente ao novo sem esquecer o velho;
Reinvestir.
Quando essas fases não ocorrem ou são incompletas, temos o luto complicado, antigamente denominado de luto patológico, que Parkes (1998) agrupa em:
Luto crônico: prolongamento indefinido do luto;
Luto inibido: ausência dos sintomas do luto normal;
Luto adiado: sem reações imediatas à morte, apresentando mais tarde sintomas de luto distorcido;
Luto não reconhecido: ídolos, amantes e aborto.
Segundo o autor, uma avaliação cuidadosa é necessária em todos os casos, já que muitos profissionais não estão preparados para lidar com esse problema. Segundo Rando (1992/1993), há consequências sérias quando não se cuida de pessoas que apresentam risco para processos de luto complicado. É fundamental:
Identificar fatores de risco;
Delinear tendências socioculturais e tecnológicas que possam exacerbá-los;
Observar o que é necessário ser trabalhado para se evitar um luto complicado.
Kóvacs (2003) descreve que o tipo de morte pode afetar a forma de elaboração do luto. Suicídios e acidentes são as mais graves, pelos aspectos de violência e culpa que provocam. Por outro lado, as mortes de longa duração, com muito sofrimento, podem também ser desgastantes.
Entre os fatores complicadores desse processo, deve ser considerada a relação anterior com o falecido, principalmente a que envolve ambivalência e dependência, problemas mentais e percepção da falta de apoio social. O luto envolve múltiplos fatores que podem dificultar a sua elaboração: perdas múltiplas (morte de várias pessoas da mesma família), perdas invertidas (filhos e netos que morrem antes de pais e avós), presença de corpos mutilados, desaparecimento de corpos e cenas de violência.
Existem algumas variáveis que podem agir como facilitadores ou afetar adversamente nos processos de luto das famílias. Franco (2008) descreve fatores que podem interferir significativamente no processo de morte e luto:
Natureza e significados relacionados com a perda;
Qualidade da relação que se finda;
Papel que a pessoa à morte ocupa no sistema familiar/social;
Recursos de enfrentamento do enlutado;
Experiências prévias com morte e perda;
Fundamentos culturais e religiosos do enlutado;
Idade do enlutado e da pessoa à morte;
Questões não resolvidas entre a pessoa à morte e o enlutado;
Percepção individual sobre o quanto foi realizado em vida;
Perdas secundárias, circunstâncias da terminalidade.
Segundo Parkes (1998), nos casos de luto patológico, o enlutado deve receber tratamento psicoterápico, encorajando a pessoa a expressar seu pesar e superar suas fixações ou bloqueios para que possa se aperceber do que acontece e daí reaprender o mundo.
Há alguns sinais que podem auxiliar a reconhecer a boa evolução ou até mesmo o término do luto, como:
Lembrar e falar do falecido sem dor e sem tristeza;
Não ter manifestações psicológicas e físicas;
Reorganização da vida;
Adaptação a novos papéis.
2. Como diferenciar luto de uma depressão?
Mudança relevante, presente no DSM-5, foi a possibilidade de realizar o diagnóstico de depressão em pacientes que estejam passando por período de luto. Anteriormente, a presença de luto era considerada critério de exclusão para depressão, considerando a sobreposição dos sintomas presentes em ambas as condições. Atualmente, existindo sintomas indicativos e não esperados em um processo de luto normal, como ideação suicida, sintomas graves, psicóticos, ou intensa perda de energia e prejuízos funcionais, o diagnóstico de depressão pode ser realizado.
O processo de luto é muito individual e vários fatores podem influencia-lo. O que podemos dizer é que não existe um tempo exato para essa dor parar de doer e nem um prazo de validade para ela. O luto dura o tempo que precisa durar, sejam meses ou mesmo anos.
Não é somente o tempo e nem a presença isolada de determinados sintomas ou comportamentos que fazem o luto ser complicado. Devemos estar atentos à: intensidade, frequência e duração das reações do individuo à perda. Nos lutos complicados, o processo se estende, se intensifica, e faz com que seja difícil retomar a vida. Quando isso ocorre, é indicado procurar a ajuda de um especialista, seja ele um psicólogo ou psiquiatra.
O que as pessoas sentem quando estão em luto?
Choque, apatia, raiva, tristeza, culpa, ansiedade, desamparo e cansaço são alguns exemplos do que as pessoas sentem nessa situação. Algumas alterações de comportamento também podem aparecer, tais como: isolamento social, mudanças no sono/apetite, sonhos com o(a) falecido(a), evitação de lembranças/necessidade reviver e falar sobre a situação de perda, diminuição de interesse pelo mundo externo, dificuldade para amar, desânimo profundo e redução das atividades ao mínimo necessário.
Muitos sentimentos podem caber em um processo de luto. Por isso, é importante observar como esses sentimentos se transformam ao longo do tempo e se a pessoa está desenvolvendo meios para continuar vivendo após a perda.
E no caso de sintomas físicos?
O sofrimento pelo luto pode ser sentido até mesmo fisicamente. Algumas pessoas descrevem sensações como: vazio no estômago, nó na garganta, boca seca, maior sensibilidade a barulhos, senso de irrealidade, pouca energia, fraqueza muscular, dificuldades para respirar, dores no peito e palpitações. Estas duas últimas sensações, que se assemelham a um infarto, são frequentemente descritas e chegaram até mesmo a receber um nome próprio: síndrome do coração partido. Trata-se de uma alteração cardíaca temporária em resposta ao intenso estresse, como o trazido pela perda de ente querido.
O organismo da pessoa também pode apresentar uma alteração em sua imunidade, ficando mais vulnerável a infecções. As pessoas respondem ao luto com seu corpo e sua mente. Por isso, é importante prestar atenção a tudo que está sentindo e falar sem medo sobre isso.
O que também pode ajudar, tanto no aspecto psicológico quanto no físico, é a pratica de exercícios físicos bem orientados, uma vez que estes auxiliam o organismo a produzir endorfina, o popularmente chamado hormônio do prazer/felicidade.
Os sintomas mais intensos do luto tendem a diminuir, se transformar e até mesmo acabar, com o passar do tempo.
file:///C:/Users/Usuario/Downloads/Cartilha-sobre-luto-Versao-Final.pdf -> Cartilha de Luto do Ministério da Saúde
O luto Bromberg (2000) aponta o luto como um conjunto de reações a uma perda significativa e pontua que nenhum é igual ao outro, pois não existem relações significativas idênticas. Worden (1998) lista categorias no processo de luto normal, dividindo-as em:
Sentimentos: tristeza, raiva, culpa, ansiedade, solidão, fadiga, desamparo, choque, anseio, emancipação, alívio e estarrecimento;
Sensações físicas: vazio no estômago, aperto no peito, nó na garganta, hipersensibilidade ao barulho, sensação de despersonalização, falta de ar (respiração curta), fraqueza muscular, falta de energia e boca seca;
Cognições: descrença, confusão, preocupação, sensação de presença e alucinações;
Comportamentos: distúrbios de sono, distúrbios do apetite, comportamento aéreo, isolamento social, sonhos com a pessoa que morreu, evitar lembranças do falecido, procurar e chamar pela pessoa, suspiros, hiperatividade, choro, visitar lugares e carregar objetos que lembrem o falecido.
Essas alterações ocorrem todas ao mesmo tempo, variando sua intensidade de acordo com cada pessoa. Podemos também reconhecer algumas fases do processo de enlutamento que podem variar de acordo com cada autor. Para fins didáticos, podemos apresentar resumidamente a proposta de Bromberg (2000):
Entorpecimento: dura até uma semana, mesclado por acessos de raiva e tristeza.
Anseio ou protesto: emoções fortes e agitação física. O enlutado fica à procura da pessoa perdida.
Desespero: é a fase mais difícil, lenta e dolorosa, provocando apatia, depressão e desmotivação pela vida.
Recuperação: sentimentos positivos e adaptação às mudanças, tornando possível o investimento afetivo em novas situações ou figuras de apego.
Suicídio:
O suicídio é uma das principais causas de mortalidade no mundo, e sua etiologia envolve uma interação complexa de fatores de risco individuais, ambientais e populacionais. De acordo com Posner e colaboradores, o suicídio pode ser definido como “[...] morte resultante de um comportamento de autolesão associado a pelo menos alguma intenção de morrer como resultado desse comportamento [...]”. A avaliação do risco de suicídio é essencial na prática clínica e envolve a identificação de fatores de risco que incluem a ideação e o comportamento suicidas.
A ideação suicida pode ser definida como pensamentos passivos sobre desejar estar morto ou pensamentos ativos sobre se matar, não acompanhados de comportamento preparatório.2 A Escala de Avaliação do Risco de Suicídio de Columbia (C-SSRS, do inglês Columbia-Suicide Severity Rating Scale), uma das mais usadas no mundo, categoriza a ideação suicida em:
1) desejo de estar morto (o paciente confirma ter pensamentos sobre o desejo de estar morto ou de não mais viver, ou desejar dormir e nunca mais acordar);
2) pensamentos suicidas ativos não específicos (pensamentos suicidas não específicos de querer colocar fim à vida/tentar o suicídio sem ideia sobre como se matar/métodos associados, intenções ou planos);
3) ideação suicida ativa, com algum método (sem plano), sem intenção de agir (o paciente confirma pensamentos de suicídio e já pensou em pelo menos um método durante o período de avaliação. Isso difere de um plano específico, com elaboração de detalhes de hora, lugar ou método);
4) ideação suicida ativa com alguma intenção de agir, sem plano específico (pensamentos suicidas ativos de se matar e o paciente relata ter alguma intenção de colocá-los em prática);
5) ideação suicida ativa, com plano específico e intenção (pensamentos sobre se matar, com detalhes do plano, total ou parcialmente elaborados, e o paciente tem alguma intenção de executá-lo).
A intensidade da ideação suicida é avaliada de acordo com sua frequência, duração e capacidade de controlar tais pensamentos.3 Já a tentativa de suicídio pode ser definida como um:
[...] comportamento com potencial para autolesão associado a ao menos alguma intenção de morrer, como resultado desse comportamento. Alguma evidência de que o indivíduo teve intenção de se matar pode ser explícita ou inferida do comportamento ou circunstância. Uma tentativa de suicídio pode resultar ou não em autolesão.
O comportamento suicida também pode ser categorizado em: a) tentativa efetiva; b) tentativa abortada; e c) atos ou comportamentos preparatórios.3 A avaliação do comportamento suicida envolve, ainda, determinar a gravidade dos danos físicos associados à tentativa de suicídio ou o potencial letal daquele comportamento na ausência de lesão física.
FATORES DE RISCO
Os fatores de risco para o suicídio podem ser classificados em dinâmicos (presentes em um momento, mas variando na duração e intensidade, como uso de substâncias ou sentimento de desesperança), estáveis (tendem a não mudar, como características da personalidade), estáticos (não se alteram, como história de tentativa prévia), e futuros (os quais podem ser antecipados, como o acesso a meios letais).12 De acordo com Turecki e Brent, os fatores de risco também podem ser classificados em populacionais, ambientais e individuais. Os fatores de risco populacionais, em geral, se referem à perda da coesão social, incluindo o isolamento social, problemas econômicos e mudanças rápidas na estrutura e valores sociais. Os fatores de risco ambientais incluem o acesso a meios letais, acesso insuficiente ao sistema de saúde mental e abordagem incorreta do suicídio em veículos de comunicação. Os fatores de risco individuais podem ser classificados em distal ou predisponente, mediador ou de desenvolvimento, e proximal ou precipitante, dependendo de sua relação temporal com o suicídio ou com outras variáveis que também conferem risco (Quadro 22.2).1 Por exemplo, Lahdepuro e colaboradores investigaram a relação entre eventos adversos na infância (fator de risco individual distal ou predisponente) como trauma emocional e físico, baixo nível socioeconômico, morte de um familiar, divórcio parental e separação dos pais, com sintomas ansiosos na idade adulta (fator de risco individual mediador ou de desenvolvimento).13 Esse estudo usou dados coletados entre 2009 e 2010 de uma coorte de indivíduos nascidos entre 1934 e 1944, com 1.872 participantes no total. Os resultados mostraram que traumas emocional e físico e baixo nível socioeconômico na infância foram associados a mais sintomas ansiosos na idade adulta. Além disso, que essa associação foi independentemente da idade e do sexo do participante, quando maior número de eventos estressores era levado em consideração nas análises.13 Por sua vez, transtornos ansiosos (potencial fator de risco individual mediador ou de desenvolvimento) têm sido associados ao risco de suicídio em vários estudos.14-16 Essas relações podem ser influenciadas, tanto positiva quanto negativamente, pela presença de outras variáveis. Por exemplo, suporte social adequado e acesso a tratamento de saúde em um contexto de estabilidade social e econômica podem contribuir como fatores de proteção para uma pessoa que apresenta história de trauma na infância e diagnóstico de um transtorno ansioso ou outro transtorno psiquiátrico. No entanto, a ocorrência de um evento estressor recente, somada ao abuso de substâncias e acesso a meio letal podem se sobrepor aos fatores que conferiam certa proteção. Dessa forma, o suicídio deve ser entendido como uma interação complexa e dinâmica de uma variedade de aspectos, que vão desde a genética a eventos de vida. Essa compreensão é de suma importância, pois deixa claro que as medidas de prevenção também devem ser das mais variadas, incluindo intervenções individuais, ambientais e populacionais.
TENTATIVA PRÉVIA
Vários estudos têm salientado a relevância de história de tentativa como fator de risco para o suicídio, o que torna essa informação uma das mais importantes na avaliação do risco. Nanayakkara e colaboradores utilizaram dois momentos de um estudo longitudinal, representativo da população de adolescentes norte-americanos, para avaliar variáveis preditivas de comportamento suicida.17 O estudo incluiu dados de mais de 4.700 adolescentes, com média de idade de 17 anos. Os resultados mostraram que quase 4% da amostra relatou tentativa de suicídio nos 12 meses anteriores e que o maior risco relativo foi tentativa no ano anterior (risco relativo maior que três vezes comparado a jovens sem história de tentativa de suicídio no ano anterior), independentemente de depressão prévia ou atual.17 Entre os fatores de risco associados a nova tentativa de suicídio, Parra-Uribe e colaboradores identificaram diagnóstico de transtornos da personalidade do cluster B (risco mais de duas vezes maior comparado àqueles sem diagnóstico de transtorno da personalidade) e transtornos por uso de álcool (risco 1,5 vezes maior).18 Dados de um acompanhamento de cinco anos com pessoas que tentaram suicídio mostraram que quase 40% dos participantes tiveram uma nova tentativa e que 6,7% morreram por suicídio durante o seguimento de cinco anos.19 Outro estudo, com 1.490 participantes, mostrou que 5,4% destes morreram por suicídio durante o acompanhamento, o equivalente a 62,3% do total de mortes no período.20 Garcia de la Garza e colaboradores utilizaram métodos de aprendizagem por máquina para identificar fatores de risco para o suicídio, com dados do National Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions (NESARC), uma pesquisa longitudinal com amostra representativa da população acima dos 18 anos dos Estados Unidos.21 Mais de 34 mil participantes foram incluídos, dos quais, 0,6% relataram ao menos uma tentativa de suicídio durante os três anos de observação.
O modelo de predição de tentativas de suicídio, que utilizou dados de questões da pesquisa, apresentou acurácia de 85,7% (sensibilidade de 85,3 e especificidade de 73,3%). Entre as 20 variáveis mais importantes que foram utilizadas no modelo, as três primeiras foram “sentimento como se quisesse morrer”, pensamentos sobre tentar o suicídio, e tentativa de suicídio.
TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS
Estudos de autópsia psicológica utilizam informações de múltiplas fontes, como entrevistas estruturadas com familiares, amigos e profissionais da saúde, além de registros de prontuário e forense de pessoas que faleceram, sendo, assim, um dos métodos mais utilizados para investigar a saúde mental de pessoas que morreram por suicídio.22 Uma metanálise de estudos com o método de autópsia psicológica, que incluiu 3.275 suicídios, encontrou que 87,3% das pessoas tiveram um diagnóstico de transtorno psiquiátrico. Entre eles, transtornos por uso de substâncias, transtornos da personalidade, transtornos do humor e esquizofrenia e outros transtornos psicóticos foram os mais comuns.23 Outra revisão mostrou dados semelhantes, com 98% das pessoas que morreram por suicídio tendo apresentado pelo menos um diagnóstico psiquiátrico, principalmente transtornos do humor (30,2%), transtorno por uso de substâncias (17,6%), esquizofrenia (14,1%) e transtornos da personalidade (13%).24 Leahy e colaboradores identificaram uma frequência de transtorno psiquiátrico de 84,8%, principalmente transtorno por uso de substâncias (60,7%), em 307 suicídios avaliados.25 Uma frequência menor, porém, ainda substancial, de 79,3%, foi reportada por Nock e colaboradores, em um estudo que avaliou 135 suicídios em soldados norte-americanos.
Nordentoft e colaboradores, a partir de uma coorte nacional, avaliaram o risco cumulativo absoluto de suicídio para indivíduos com diferentes transtornos psiquiátricos em um seguimento prospectivo de até 36 anos.27 Para os homens, o maior risco foi associado ao transtorno bipolar (7,77%), o qual aumentou para 10,01% quando considerados aqueles com comorbidade com transtorno por uso de substâncias. Entre as mulheres, o risco maior foi associado ao diagnóstico de esquizofrenia (4,91%), que chegou a 6,88% naquelas participantes que também apresentavam transtorno por uso de substâncias. Essas incidências cumulativas de suicídio foram substancialmente maiores que aquelas apresentadas para os participantes sem transtorno psiquiátrico, de 0,72% para homens e 0,26% para mulheres.27 Em números absolutos, de 2.571 homens com transtorno bipolar em seguimento, 97 morreram por suicídio, e de 403.105 homens sem história de transtorno psiquiátrico acompanhados, 747 se suicidaram. Para as mulheres, de 5.796 com diagnóstico de esquizofrenia acompanhadas, 163 se suicidaram, enquanto das 478.630 sem história de transtorno psiquiátrico acompanhadas, 199 morreram por suicídio.27 Esses estudos indicam que a maioria das pessoas que morreram por suicídio tinha história de transtorno psiquiátrico.
Um cuidado adicional deve ser direcionado aos pacientes com alta recente de hospitalização psiquiátrica. Luxton e colaboradores investigaram taxas de suicídio entre militares norte-americanos após hospitalização psiquiátrica e reportaram uma taxa quase cinco vezes maior comparada aos demais militares da ativa. Além disso, as taxas mais altas de suicídio foram nos 30 dias seguintes à hospitalização, 8,2 vezes maior que o risco um ano após a hospitalização. Nesse estudo, cerca de um terço daqueles que morreram por suicídio tinha o diagnóstico de um episódio de transtorno do humor.28 Outro estudo mostrou taxa de suicídio de 263,9 suicídios por 100 mil pessoas por ano após alta hospitalar entre soldados norte-americanos, quase 14 vezes maior que as taxas para o total do exército norte-americano. Comportamento suicida prévio foi uma das principais variáveis associadas (razão de chances igual a 2,9).29 Forte e colaboradores investigaram o risco de suicídio após alta hospitalar em uma revisão que incluiu 48 estudos, com um total de 1.700.785 participantes acompanhados por quase oito anos após hospitalização psiquiátrica. Os autores encontraram que cerca de 20% dos suicídios e tentativas de suicídio ocorreram entre 15 dias após a alta hospitalar e mais de um quarto no primeiro mês após a alta. Os resultados também mostraram que presença de transtornos do humor foi a variável associada a maior risco.
OUTROS FATORES DE RISCO
Como já mencionado, os fatores de risco associados ao suicídio abrangem aspectos biológicos, incluindo questões genéticas e epigenéticas,1 ambientais e populacionais. Ahmedani e colaboradores investigaram a associação entre suicídio e doenças não psiquiátricas, identificando um aumento de risco de nove vezes entre os indivíduos com história de traumatismo craniencefálico, duas vezes para aqueles com diagnóstico de vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida (HIV/aids) e duas vezes maior para pessoas com transtornos do sono, independentemente de variáveis, como idade, sexo, e presença de transtornos psiquiátricos, incluindo uso de substâncias.31 Clark e colaboradores investigaram a prevalência de bullying entre jovens classificados como LGBTQIA+ (correspondente a lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, queer, intersexuais, assexuais e outros) e não LGBTQIA+ que morreram por suicídio. Os resultados mostraram que para todas as faixas etárias analisadas, 10-13, 14-16 e 17-19 anos de idade, a prevalência de bullying em jovens classificados como LGBTQIA+ era superior quando comparada à daqueles classificados como não LGBTQIA+ (67,6 versus 15%; 27,8 versus 6,7%; e 7,3 versus 1,7%, respectivamente).
O estigma em relação às doenças mentais é altamente prevalente nas mais variadas culturas e tem um impacto negativo significativo para a vida da pessoa com transtornos psiquiátricos, adicional ao prejuízo funcional já associado à doença.33 Infelizmente, mesmo profissionais da saúde especializados em saúde mental manifestam comportamento de preconceito e discriminação em relação às pessoas com transtorno psiquiátrico.34 Schomerus e colaboradores encontraram associação positiva entre estigma e taxas de suicídio, com dados de 25 países europeus, mesmo ajustando para indicadores econômicos.35 Programas de combate ao estigma liderados pela Associação Brasileira de Psiquiatria visam contribuir para a redução das taxas de suicídio no Brasil por meio da redução do estigma em relação às doenças mentais.
3. Qual a epidemiologia da depressão.
Estudos epidemiológicos confirmam uma prevalência de depressão, em geral, duas vezes maior em mulheres, fato que pode ser explicado tanto por fatores individuais biológicos e psicológicos quanto por fatores ambientais e sociais que aumentam a vulnerabilidade.
Eventos de vida específicos têm sido associados a um risco maior de depressão ao longo da vida, como separação conjugal ou divórcio, menor nível educacional, desemprego e dificuldades financeiras. Histórico de traumas na infância também representam maior risco de depressão ao longo da vida adulta. Eventos adversos durante o desenvolvimento, como morte, separação ou depressão nos pais foram relacionados a um aumento do risco de depressão. Em contrapartida, cuidados parentais positivos apresentam efeitos protetores ao longo da vida.
Evidências confirmam maior prevalência de depressão em populações clínicas, como ambulatórios de especialidades médicas (prevalência entre 17 e 53%, com média de 27%)11 ou internações hospitalares (prevalência entre 5 e 34%, com média de 12%). Em países em situação de extrema violência, guerras ou conflitos armados, a prevalência de depressão é também duas a três vezes maior do que em outras populações, com prevalência pontual de 10,8% (8,1 a 14,2%), sendo 2,9% dos casos moderados a graves.
A identificação dos fatores de risco para TDs pode ser importante para indicar a necessidade de screening (investigação) de depressão, especialmente na atenção primária.
COMORBIDADES PSIQUIÁTRICAS
Dados provenientes do National Epidemiological Study, que entrevistou 36.309 adultos nos Estados Unidos, confirmam grande prevalência de comorbidades psiquiátricas associadas ao diagnóstico de depressão.
De grande relevância clínica, os transtornos de ansiedade ocorrem em 30,6% dos indivíduos deprimidos, especificamente: transtorno de ansiedade generalizada (TAG) em 19,9% dos casos, transtorno de pânico (TP) em 11,1% e fobia social em 9,9%. Os transtornos por uso de substâncias, por sua vez, foram identificados em 45,3% dos pacientes com TD, 22,2% com transtornos por uso de álcool, 10,1% por uso de drogas e 32,8% nicotina. Entre os diagnósticos de transtornos da personalidade (TPs), 35,7% dos indivíduos preencheram critérios para transtorno da personalidade borderline (TPB) e 18,4% para transtorno da personalidade esquizotípica.
Os dados apresentados ressaltam a complexidade diagnóstica do transtorno depressivo maior (TDM) e a grande presença de sintomatologia comórbida com outras condições psiquiátricas, exigindo, certamente, avaliações e acompanhamento psiquiátrico para confirmação dos diagnósticos (em especial, nos TPs) e abordagem terapêutica.
4. Qual o quadro clínico da depressão?
Diversos modelos e especificadores têm sido propostos para compreender as diferenças clínicas dos TDs. Algumas pesquisas sustentam, inclusive, que alguns subtipos de TDM poderiam retratar outro diagnóstico, com características clínicas, fisiopatologia, tratamento e prognóstico distintos, como a depressão melancólica. O DSM-5, porém, considera ainda a existência do TDM como categoria diagnóstica única, e, para lidar com as diferentes apresentações clínicas possíveis, utiliza especificadores do episódio, como características mistas, melancólicas, atípicas ou psicóticas.
HETEROGENEIDADE CLÍNICA E DIAGNÓSTICO DA DEPRESSÃO
A heterogeneidade clínica da depressão, manifesta nas múltiplas possibilidades de combinação de sintomas e critérios diagnósticos, pode ser considerada um dos principais motivos que limitam a compreensão da fisiopatologia e tratamentos mais específicos dos TDs.
Nesse sentido, diversas abordagens metodológicas recentes têm procurado novas formas de avaliação e questionado modelos tradicionais de psicopatologia. O projeto Research Domain Criteria, iniciado em 2009 pelo National Institute of Mental Health (NIMH), por exemplo, tem como objetivo estimular pesquisas para identificar subtipos diagnósticos na psiquiatria a partir de dados neurobiológicos e comportamentais mais objetivos e independentes dos sistemas classificatórios atuais, como DSM ou CID. Outras abordagens, como análises estatísticas com classes latentes, a partir da avaliação de subgrupos mais homogêneos dentro de populações maiores de pacientes, têm procurado aprimorar a validade e especificidade clínica no estudo da depressão e correlação com desfechos clínicos. Modelos estatísticos com capacidade de análise de grande volume de dados (big data) e inteligência computacional (machine learning) têm procurado melhorar a capacidade de predição do prognóstico e entendimento dos TDs.
As análises de rede (network analysis) têm como princípio a hipótese de que o episódio depressivo seria melhor entendido a partir da interação complexa de diversos sintomas, em combinações e com efeitos diferentes, que dariam origem à síndrome depressiva. Por exemplo, alguns pacientes podem ter como sintomas centrais, na origem do episódio depressivo, a perda de sono, que desencadearia cansaço, dificuldades cognitivas, dificuldades laborais e, por fim, episódio depressivo completo. Para outros pacientes, os sintomas centrais podem ser ansiedade, irritabilidade, culpa, desvalia ou anedonia, que, em combinações diversas, podem dar origem à mesma síndrome depressiva. Estudos recentes identificaram que pacientes com depressão têm diferentes conexões entre sintomas depressivos, e que a força geral das conexões entre os sintomas tem sido capaz de predizer o prognóstico e as chances de melhora em estudos.
ASPECTOS CULTURAIS
Características específicas e culturais de diferentes populações precisam ser consideradas no diagnóstico dos TDs. Em contextos culturais específicos, por exemplo, sintomas depressivos podem ser trazidos pelos pacientes como sintomas de irritação, angústia, agitação, intolerância interpessoal, impaciência, dificuldades com o trabalho, cansaço, fraqueza, ou mesmo queixas somáticas gerais inespecíficas. Indivíduos com déficits cognitivos podem apresentar maior dificuldade para expressar seus sintomas depressivos. Embora a prevalência média do TDM seja muito semelhante em diversos países, a percepção de sintomas depressivos pode ser maior ou menor, de acordo com diferentes culturas. Idade, nível de instrução, imigrantes, populações refugiadas e minorias sociais são fatores relevantes que podem estar associados a diferentes expressões de sintomas e a maior risco de depressão em alguns contextos.
Outros aspectos culturais, como religiosidade e espiritualidade dos pacientes representam aspectos relevantes na avaliação, e podem influenciar positivamente na melhora dos sintomas, prevenção de recorrências e satisfação com o tratamento.
CURSO E PROGNÓSTICO
Um dos fatores relevantes para compreensão do curso da depressão é avaliar em que população os estudos foram realizados e quais foram os critérios e metodologias utilizados na avaliação dos sintomas ao longo do tempo. Naturalmente, em centros de atendimento psiquiátrico especializado, os riscos e prognóstico se tornam menos favoráveis, quando comparados a estudos realizados na população geral, em que as chances de recuperação plena após um primeiro episódio são muito maiores.
Uma revisão sistemática de 12 estudos (n = 4.001) em indivíduos provenientes da comunidade, por exemplo, com longo tempo de seguimento, identificou que entre 35 e 60% dos pacientes não irão apresentar novos episódios depressivos ao longo da vida. O tempo médio necessário para melhora dos sintomas variou de seis a 20 meses, e o tempo para recorrência dos sintomas, entre oito meses e cinco anos, em períodos de 10 a 23 anos, chegando a 49 anos no estudo Lundby, realizado na Suécia.
Nos estudos com pacientes em ambulatórios psiquiátricos especializados ou hospitais terciários, as chances de recorrência são maiores. Em um acompanhamento de 431 pacientes com depressão em centros especializados nos Estados Unidos, por exemplo, 25% dos pacientes apresentaram recorrência no primeiro ano, chegando a 85% em 15 anos. Outro dado relevante presente na literatura demonstra que em torno de 20% dos pacientes em diversos estudos apresentam depressão crônica, muitos dos quais com sintomatologia resistente ao tratamento.
Diversos fatores prognósticos têm sido estudados para compreender quais pacientes apresentam maior risco de recorrência dos episódios depressivos. Embora os achados sejam variáveis, os mais consistentes são relacionados a gravidade do episódio depressivo, presença de sintomas subsindrômicos e indicadores de maior vulnerabilidade, como baixo suporte social, traumas na infância e neuroticismo.
FATORES ASSOCIADOS A MAIOR RISCO DE RECORRÊNCIA DA DEPRESSÃO
Aspectos demográficos:
Sexo feminino*
Estado conjugal: nunca casado(a)*
Moradia própria diante do enfrentamento de estressores*
Aspectos psicológicos, sociais e eventos de vida:
Prejuízos funcionais significativos em áreas como trabalho, lazer e relacionamentos após remissão**
Transtornos da personalidade e neuroticismo**
Suporte social**
Traumas na infância (histórico de abuso emocional, físico ou sexual)**
Estratégias de coping não adaptativas e baixa autoeficácia*
Sensação de pouco controle sobre circunstâncias da vida*
Religiosidade e espiritualidade*
Aspectos clínicos:
Idade de início precoce do primeiro episódio**
Gravidade e duração do primeiro episódio**
Número de episódios depressivos anteriores**
Presença de comorbidades psiquiátricas (distimia, ansiedade generalizada, fobia social)**
Sintomas depressivos subsindrômicos**
Quadros depressivos em pacientes com maior idade**
História familiar de transtorno depressivo**
Tabagismo*
5. Explique a fisiopatologia da depressão.
GENÉTICA
As primeiras evidências de que fatores genéticos estão associados ao desenvolvimento da depressão vêm de estudos realizados há mais de 70 anos, mostrando que familiares de pacientes deprimidos apresentam maior risco de desenvolver depressão quando comparados à população geral. Atualmente, considera-se que a depressão é resultante de uma interação gene versus ambiente. Ou seja, o surgimento do transtorno em um indivíduo resulta da combinação de predisposição genética com fatores ambientais. Um estudo clássico realizado por Caspi e colaboradores reforçou a plausibilidade desse modelo na depressão. Os autores identificaram que indivíduos submetidos a múltiplos eventos estressores apresentavam maior probabilidade de desenvolver depressão se fossem portadores do alelo S em um polimorfismo do gene do transportador da serotonina (5-HTTLPR), quando comparados aos homozigotos para o alelo L. Esse achado foi confirmado em uma metanálise recente. É provável que o peso de cada um desses componentes seja diferente de indivíduo para indivíduo. Em alguns casos, os fatores genéticos são mais determinantes, enquanto em outros, o transtorno deve-se principalmente a fatores ambientais. Ainda assim, uma metanálise de estudos familiares estimou que, em média, a herdabilidade do TDM está em torno de 37%, e um familiar de um portador de TDM tem razão de chance (RC) para desenvolver o transtorno de 2,84 em relação à população geral.
Uma das estratégias iniciais para identificar os genes associados à predisposição para o TDM foi o estudo de genes candidatos. Algumas dessas pesquisas mostraram associação entre TDM e polimorfismos em genes de transportadores e receptores de monoaminas, do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF, do inglês brain-derived neurotrophic factor) e de marcadores inflamatórios. Entretanto, mesmo quando estatisticamente significativo, o tamanho do efeito de cada um desses polimorfismos é muito pequeno. Atualmente, entende-se que cada polimorfismo explica uma parte muito pequena desse componente genético, e o efeito cumulativo de muitos polimorfismos (centenas a milhares) é responsável pela suscetibilidade genética para a depressão.
Novas tecnologias, como a varredura genômica e o sequenciamento do DNA, permitem que em um mesmo estudo sejam avaliados algumas centenas de milhares a alguns milhões de polimorfismos, ou mesmo todo o DNA dos participantes. Essas técnicas facilitaram também o desenvolvimento de novas formas de análise dos dados genéticos, como a análise de vias genéticas (pathway analysis) e o cálculo de escores poligênicos de risco. A análise de vias genéticas levou à identificação de diversos mecanismos biológicos que medeiam a depressão. Eles podem ser agrupados em alguns grupos principais: desenvolvimento axonal, diferenciação e morfogênese de neurônios, neuroplasticidade, neurotransmissão excitatória, citocinas, resposta imune e regulação da expressão genética. Esses achados sugerem que parte da predisposição genética para a depressão manifesta-se durante o desenvolvimento do cérebro. Entretanto, eles também indicam que a maior parte dessa predisposição está associada a genes envolvidos na plasticidade neuronal e neurotransmissão, que são controlados pelos padrões de expressão gênica e influenciados pela atividade do sistema imune. Além disso, é provável que nem todos os pacientes com TDM tenham a mesma base genética. Diferentes conjuntos de marcadores genéticos e disfunções biológicas podem contribuir em proporções diferentes para as manifestações clínicas observadas em cada paciente.
Apesar dos avanços recentes, a aplicabilidade clínica dos marcadores genéticos ainda é bastante limitada. Não há testes capazes de auxiliar no diagnóstico do TDM, nem de prever o risco individual de desenvolvê-lo. Enquanto a herdabilidade do TDM estimada em estudos de gêmeos é de 37%, a maior metanálise de estudos de varredura genômica foi capaz de estimar apenas 9% de herdabilidade a partir dos polimorfismos identificados nessas pesquisas. Já a variância explicada pelos escores de risco poligênico é de apenas 3% para o TDM. Em relação ao tratamento, ainda não foram identificados genes relacionados à farmacodinâmica e ao efeito dos antidepressivos. Algumas diretrizes apresentam recomendações de prescrição baseadas em polimorfismos dos genes CYP2D6 e CYP2C19, associados à metabolização (farmacocinética) de alguns medicamentos. Embora a informação sobre esses polimorfismos possa ter alguma utilidade em complementar a avaliação clínica, ela explica apenas uma fração das diferenças na resposta antidepressiva devido a variações no seu metabolismo.
Outros fatores genéticos, além da sequência do DNA em si, vêm sendo estudados na depressão. O comprimento dos telômeros (regiões inicial e final dos cromossomos) está associado ao envelhecimento celular. O TDM, assim como outros transtornos psiquiátricos, está associado a um encurtamento dos telômeros, indicando envelhecimento celular precoce. A epigenética refere-se a fenômenos que alteram a expressão de genes, sem modificar a sequência do DNA. O principal mecanismo envolvido nesses fenômenos é a metilação do próprio DNA ou de outras moléculas participantes do processo de transcrição do DNA. Estudos nessa área têm sido promissores, principalmente na busca de melhor compreensão dos processos pelos quais os fatores ambientais interagem com a genética para o desenvolvimento de transtornos mentais.
NEUROBIOLOGIA
A apresentação clínica do TDM é heterogênea, e as evidências atuais indicam que sua neurobiologia também seja – a fisiopatologia é composta por interações complexas entre mecanismos distintos, como neurológicos, endócrinos e imunes. Dificilmente um único substrato biológico está por trás dos sintomas de todos os indivíduos com o transtorno, sendo provável que alguns mecanismos tenham maior participação em alguns casos do que em outros. É possível, inclusive, que diferentes causas e fisiopatologias sejam responsáveis por diferentes episódios depressivos de um mesmo indivíduo. Teoricamente, é possível que diferentes mecanismos fisiopatológicos resultem em uma apresentação clínica semelhante, bem como que uma mesma fisiopatologia resulte em sintomas distintos em diferentes pessoas. Por isso, o estudo da biologia da depressão é bastante complexo, e ainda estamos longe de atingir uma compreensão acurada dos seus mecanismos. Ainda assim, a pesquisa nessa área tem avançado significativamente e permite uma compreensão, ao menos parcial, de muitos desses mecanismos.
EIXO HIPOTÁLAMO-HIPÓFISE-ADRENAL
O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) é um componente fundamental da resposta neuroendócrina ao estresse. Estressores na infância levam a um aumento da resposta do cortisol a novos estressores, que persiste até a vida adulta, sendo uma causa provável de transtornos psiquiátricos associados a traumas, incluindo o TDM. A aparente relação causal entre cortisol, estresse e TDM foi descrita inicialmente na década de 1950, e, desde então, a associação entre o HHA e o TDM vem sendo consistentemente demonstrada. A resposta do cortisol ao estresse é maior em pacientes com TDM tanto durante os episódios agudos quanto após a remissão. Muitos pacientes deprimidos apresentam hipersecreção crônica do hormônio liberador de corticotrofina (CRH), resultando em hiperatividade do HHA. Uma deficiência no mecanismo de feedback negativo mediado pelos receptores glicocorticoides também contribui para essa disfunção. Os níveis de cortisol tendem a ser mais elevados nos subtipos melancólico e psicótico de depressão, enquanto uma associação robusta não foi encontrada para a depressão atípica. A secreção prolongada ou excessiva de glicocorticoides está relacionada com outros mecanismos importantes para o TDM, e pode levar à atrofia do hipocampo e à supressão da neurogênese, além de alterações nos receptores serotonérgicos.
Essa disfunção do HHA embasou o uso do teste de supressão por dexametasona para o diagnóstico de depressão. Entretanto, esse instrumento demonstrou ter baixa sensibilidade e especificidade, além de não ser efetivo em predizer a resposta ao tratamento, sendo abandonado da prática clínica.
A ação de fármacos antidepressivos também está associada ao HHA. O uso agudo de antidepressivos inibidores da recaptação das monoaminas provoca um aumento nos níveis séricos de cortisol, enquanto o uso continuado leva a uma normalização desses níveis. Diversas drogas com efeito no HHA estão em estudo para o tratamento da depressão. Muitas destas apresentam resultados promissores nos estudos pré-clínicos, mas, até o momento, nenhuma delas teve sua eficácia avaliada em ensaios clínicos de fase 3.
MONOAMINAS
Os primeiros antidepressivos surgiram há cerca de 60 anos, fruto da observação clínica dos efeitos sobre o humor de fármacos utilizados em outras patologias. Após essas descobertas, estudos laboratoriais identificaram o efeito dessas medicações nos níveis das monoaminas (serotonina, noradrenalina e dopamina) na fenda sináptica. Esses achados levaram ao desenvolvimento da teoria monoaminérgica do TDM, que sugere que a depressão é causada por uma deficiência da neurotransmissão monoaminérgica, e os antidepressivos agem aumentando a disponibilidade de monoaminas na fenda sináptica, corrigindo essa disfunção.
Entretanto, não levou muito tempo até que se percebessem as limitações da teoria monoaminérgica. Embora o efeito neuroquímico de aumento da concentração de monoaminas na fenda sináptica ocorra horas após a administração dos antidepressivos, o efeito clínico é observado apenas após algumas semanas. Estudos posteriores avaliaram o efeito dos antidepressivos nos receptores monoaminérgicos. Foi demonstrado que o uso de antidepressivos tricíclicos (ADTs) e inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) provocava downregulation dos receptores β-adrenérgicos pós-sinápticos, e o uso dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) levava a uma dessensibilização dos autorreceptores de serotonina 5-HT1A. Esses achados levaram à hipótese de que o intervalo entre o início da administração dos antidepressivos e o início da melhora clínica representa o tempo necessário para que ocorram as adaptações nos receptores das monoaminas.
Novas descobertas sobre outros mecanismos biológicos envolvidos na depressão demonstraram que sua fisiopatologia e os mecanismos de ação dos antidepressivos são mais complexos e vão além das alterações na concentração dos neurotransmissores na fenda sináptica e dos efeitos destes na concentração ou sensibilidade dos seus receptores. A evolução na compreensão dos mecanismos celulares e moleculares que regulam a função neuronal permitiu identificar cascatas de sinalização intracelular, expressão gênica e tradução de proteínas como mecanismos centrais para o efeito dos antidepressivos. Entretanto, o entendimento desses mecanismos ainda não resultou em avanços significativos na clínica. Em geral, todos os antidepressivos desenvolvidos até hoje têm como foco a potencialização da neurotransmissão monoaminérgica. Com isso, embora tenham sido desenvolvidas drogas mais seguras e bem toleradas, a eficácia dos ADTs não foi superada pelos novos medicamentos.
ÁCIDO GAMA-AMINOBUTÍRICO E GLUTAMATO
O ácido gama-aminobutírico (GABA, do inglês gamma-amino butyric acid) e o glutamato são os principais neurotransmissores inibitório e excitatório do sistema nervoso central (SNC), respectivamente. Diversos estudos demonstraram a associação desses neurotransmissores à fisiopatologia do TDM. As alterações observadas variam dependendo da região cerebral e, além da atividade isolada de cada um, a interação entre eles também é relevante para a depressão. Pacientes deprimidos apresentam níveis elevados de glutamato e reduzidos de GABA no córtex occipital, aumento do glutamato nos gânglios da base e redução do glutamato e de GABA no córtex pré-frontal.
A quetamina é um antagonista dos receptores N-metil D-aspartato (NMDA) do glutamato. A demonstração de efeito antidepressivo rápido e significativo de doses subanestésicas dessa medicação estimulou novos estudos sobre o glutamato na depressão e ampliou a compreensão do papel desse neurotransmissor no transtorno. Estudos mostrando que o estresse agudo aumenta a concentração extracelular de glutamato no córtex pré-frontal medial e no hipocampo levaram à hipótese de que esse aumento seja responsável pela atrofia de neurônios dessas regiões por meio de um mecanismo conhecido como excitotoxicidade.
NEUROTROFISMO E NEUROPLASTICIDADE
As neurotrofinas são reguladores fundamentais da proliferação, migração, maturação e sobrevivência das células durante o desenvolvimento, mas também são expressas no cérebro adulto regulando a plasticidade sináptica, a função e a sobrevivência dos neurônios. As mais bem estudadas pertencem à família do fator de crescimento neural (NGF, do inglês nerve growth factor), entre as quais, a mais expressa é o BDNF. Outras proteínas dessa família são o próprio NGF, a neurotrofina-3 e a neurotrofina-4.
Exposição crônica a estressores tem como consequência diminuição da expressão de BDNF no córtex pré-frontal e no hipocampo, resultando em redução de sinapses e atrofia neuronal nessas regiões. Além disso, o TDM está associado à atrofia nessas mesmas regiões cerebrais. Já o uso de antidepressivos resulta em aumento do BDNF em tais regiões. Esses achados embasam a teoria neurotrófica da depressão, descrita inicialmente em 1997. Segundo essa hipótese, a exposição crônica a estressores diminui a expressão do BDNF no córtex pré-frontal e em regiões límbicas, como o hipocampo, resultando em perda de sinapses e atrofia de neurônios. Estudos avaliando os efeitos dos antidepressivos sobre o BDNF corroboram essa hipótese. O uso agudo dos antidepressivos monoaminérgicos não altera os níveis de BDNF, os quais só aumentam após sua administração continuada, o que é consistente com o período necessário para esses fármacos produzirem efeito nos sintomas clínicos. Em contrapartida, tratamentos antidepressivos de efeito mais rápido, como a eletroconvulsoterapia (ECT) e a quetamina, estão associados com um rápido aumento na secreção de BDNF. Um polimorfismo comum na região promotora do gene do BDNF, conhecido como Val66Met, está associado a uma redução da secreção atividade-dependente dessa proteína. Alguns estudos indicam que esse polimorfismo está associado a maior risco de desenvolvimento de TDM, embora existam resultados conflitantes na literatura.
Pesquisas mais recentes indicam que o fator de crescimento vascular endotelial (VEGF, do inglês vascular endotelial growth factor) também é relevante para a neuroplasticidade e para a depressão. O VEGF é um fator de crescimento pleiotrófico expresso no cérebro por neurônios, astrócitos, macrófagos perivasculares e células endoteliais. Além da atividade angiogênica, o VEGF também é um potente fator neurotrófico e neuroprotetor. Os níveis do VEGF estão diminuídos no líquor de pacientes que tentaram suicídio e de pacientes com ao menos um episódio depressivo grave e resistente ao tratamento. Estudos em animais mostram redução no VEGF provocado por exposição a estressores. Além disso, o tratamento com antidepressivos está associado a aumento da expressão de VEGF no córtex pré-frontal e no hipocampo.
INFLAMAÇÃO
A concentração de citocinas inflamatórias no sangue periférico apresenta associação com a função cerebral, a cognição e o bem-estar. As citocinas periféricas podem agir nos neurônios e em outras células do SNC diretamente, ao cruzar a barreira hematoencefálica ou por meio de vias aferentes, como o nervo vago. Além do efeito das citocinas periféricas, existem estados neuroinflamatórios de origem central, regulados principalmente pelas células da micróglia. Diversos transtornos psiquiátricos estão associados com inflamação, e vários estudos mostram que TDM unipolar está associado a níveis séricos elevados de marcadores inflamatórios, como fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interleucina 6 (IL-6) e proteína C-reativa. Além disso, o uso de interferon alfa (IFN-α) para o tratamento de hepatite C está associado com o desenvolvimento de depressão em pelo menos 25% dos pacientes. Entretanto, nem todos os indivíduos deprimidos apresentam elevação nos marcadores inflamatórios, e há estudos sugerindo que a depressão não melancólica está associada com um estado pró-inflamatório, enquanto a depressão melancólica está associada a uma produção reduzida de citocinas pró-inflamatórias.
Os marcadores inflamatórios também estão relacionados com a resposta ao tratamento. Níveis séricos elevados de TNF-α e IL-6 estão associados a maior resistência ao tratamento com medicamentos antidepressivos. Além disso, nos pacientes deprimidos que respondem ao tratamento, observa-se uma redução dos marcadores inflamatórios. Entretanto, ainda não se conseguiu comprovar o efeito antidepressivo de tratamentos anti-inflamatórios ou que modulam a resposta imune.
NEUROIMAGEM
O surgimento e a evolução dos exames de neuroimagem permitiram o estudo do encéfalo de forma não invasiva. Estas técnicas permitiram avanços na compreensão da fisiopatologia da depressão, tanto do ponto de vista anatômico quanto funcional. Entretanto, ainda não há marcadores de neuroimagem com sensibilidade e especificidade suficientes para serem utilizados como ferramentas diagnósticas ou prognósticas. Na prática clínica, o principal uso desses exames é para o diagnóstico diferencial. Portanto, sua utilização é indicada somente quando existe suspeita de que outra patologia possa estar causando os sintomas depressivos.
ALTERAÇÕES NEUROANATÔMICAS
As alterações neuroanatômicas do SNC no TDM são modestas. Portanto, a maioria dos estudos não utiliza análise visual das imagens, mas técnicas quantitativas computadorizadas, que permitem identificar pequenas diferenças nos volumes das estruturas avaliadas. Além disso, a maioria das alterações identificadas não é específica do TDM e está presente em outros transtornos psiquiátricos.
Estudos de neuroimagem estrutural em indivíduos deprimidos identificaram redução no volume de diversas estruturas da substância cinzenta, com aumento da razão ventrículos-cérebro e redução do lobo frontal. Análises de regiões específicas demonstram redução no volume do córtex orbitofrontal, córtex pré-frontal subgenual, hipocampo, ínsula, putame e núcleos caudados. Estudos de neuroimagem também indicaram que as alterações cerebrais que ocorrem com a idade podem estar anormalmente aceleradas em pacientes deprimidos. Uma pesquisa demonstrou que a idade neuroanatômica de pacientes deprimidos era em média quatro anos maior do que a idade cronológica. Outro estudo demonstrou que a redução do putame relacionada com a idade era duas vezes maior em pacientes deprimidos comparados a controles saudáveis. Pacientes que respondem ao tratamento antidepressivo apresentam uma recuperação ao menos parcial do volume da substância cinzenta, o que não foi observado naqueles que não respondem ao tratamento.
O TDM também está associado a alterações anatômicas na substância branca, que pode estar por trás de disfunções em circuitos neurais associadas à depressão. Alterações na substância branca de indivíduos deprimidos foram descritas em diversas regiões, principalmente no corpo caloso e no fascículo longitudinal superior.
Alterações vasculares também estão presentes, principalmente em pessoas com o primeiro episódio depressivo iniciando após os 60 anos de idade. Nesses indivíduos, a depressão está associada a um aumento de hiperintensidades na substância branca, indicando doença microvascular cerebral. Alterações na substância branca periventricular é cinco vezes mais comum em pacientes com depressão iniciada após os 60 anos do que em pacientes com depressão de início precoce.
ALTERAÇÕES FUNCIONAIS
Estudos de neuroimagem funcional permitiram a identificação de alterações na atividade cerebral de pacientes deprimidos. Há aumento na ativação da amígdala em resposta a estímulos negativos, que persiste mesmo após a remoção do estímulo. Uma hiperatividade do córtex pré-frontal medial, região ligada à ruminação, também foi observada em pacientes com TDM.
Outro achado nesses pacientes é hipo e hiperatividade do córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo, resultando em déficit do controle inibitório, prejudicando a modulação da resposta emocional e o aumento na ansiedade antecipatória a estímulos emocionais negativos. Alterações na atividade ou conectividade de circuitos cerebrais também estão descritas. Pacientes deprimidos tendem a apresentar hiperatividade da default mode network, um circuito associado ao aumento da atenção a estímulos internos e à redução da atenção a estímulos externos, menor atividade do circuito de recompensa e menor atividade do circuito de saliência, responsável por aumentar a atenção a estímulos externos.
6. Como é feito o diagnóstico de depressão?
O diagnóstico dos diversos subtipos de TDs é realizado a partir de entrevista clínica para caracterização de sintomas, tempo de duração e prejuízos funcionais do indivíduo, utilizando critérios diagnósticos dos sistemas classificatórios, como a 11ª edição da Classificação internacional de doenças (CID-11) e a 5ª edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5).
O episódio depressivo, característica central para definição e diagnóstico do TDM, é identificado por uma combinação de sinais e sintomas, presentes diariamente e persistentes por pelo menos duas semanas. São características sintomas de tristeza, desânimo ou perda de prazer, associados à diminuição de energia, cansaço, alterações de apetite, do sono e da libido, alterações psicomotoras (lentificação ou agitação), dificuldades de concentração, indecisão ou mudanças na capacidade de tomada de decisões e sintomas cognitivos e emocionais que incluem culpa, ideias de desvalia, e, por vezes, pensamentos de morte, ideação, planos e tentativas de suicídio. Importante ressaltar que a fenomenologia da depressão se estende muito além dos critérios utilizados pelo DSM ou pela CID, que servem como indicadores úteis para realizar o diagnóstico, mas não podem ser confundidos com o transtorno, com sua amplitude e variabilidade de sintomas e apresentações clínicas.
Mudança relevante, presente no DSM-5, foi a possibilidade de realizar o diagnóstico de depressão em pacientes que estejam passando por período de luto. Anteriormente, a presença de luto era considerada critério de exclusão para depressão, considerando a sobreposição dos sintomas presentes em ambas as condições. Atualmente, existindo sintomas indicativos e não esperados em um processo de luto normal, como ideação suicida, sintomas graves, psicóticos, ou intensa perda de energia e prejuízos funcionais, o diagnóstico de depressão pode ser realizado.
Um dos desafios diagnósticos é diferenciar quadros depressivos com disforia, irritabilidade intensa ou agitação psicomotora, do transtorno bipolar (TB). Para isso, são necessárias anamnese detalhada, entrevistas com familiares, observação criteriosa e acompanhamento clínico para correto diagnóstico diferencial.
Quadros depressivos graves com sintomas psicóticos e avolia podem ser confundidos com diagnóstico de outras psicoses, como esquizofrenia.
Sintomas depressivos podem estar presentes nos transtornos alimentares relacionados a distorções da imagem corporal, baixa autoestima, desvalia, diminuição de energia, alterações de apetite e peso. Eventualmente, o diagnóstico de depressão pode ser confundido com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), por características como dificuldades de concentração, inquietação, desorganização e eventual déficit de autocuidado.
O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) apresenta alguns sintomas semelhantes aos da depressão. Além disso, um evento traumático pode desencadear um episódio depressivo em vez de TEPT. Portanto, o diagnóstico diferencial entre esses dois transtornos exige uma avaliação minuciosa.
Os TPs comumente cursam com sintomatologia depressiva, de forma geral mais transitória e relacionados a estressores e adversidades, ou como experiência mais persistente e de longo curso ao longo da vida (p. ex., sentimentos de tristeza e vazio no TPB). Importante ressaltar, entretanto, a ocorrência comum de TDM em comorbidade com outros TPs, acentuando traços de personalidade presentes anteriormente, por exemplo, com piora no descontrole de impulsos, irritabilidade, intolerância interpessoal, exposições a riscos e agravamento do risco de suicídio ou autoagressões no TPB.
7. Qual o tratamento farmacológico e não farmacológico da depressão?
O sucesso do tratamento dos TDs inicia pelo correto diagnóstico, aliado ao conhecimento detalhado da história de vida do paciente. A identificação precisa das características psicopatológicas, das comorbidades médicas e das circunstâncias de vida facilitará a identificação precoce de fatores que possam interferir no desfecho do tratamento.
PRINCÍPIOS GERAIS DO TRATAMENTO
1) Episódios depressivos ocorrem dentro de um contexto psicossocial. Os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na síndrome depressiva não são completamente conhecidos. No entanto, clinicamente, é importante que o profissional considere os acontecimentos de vida e o contexto psicossocial que podem estar associados à depressão para otimizar a adesão, o planejamento e a resposta ao tratamento.
2) Diferentes estratégias podem ser úteis no tratamento e ter efeito complementar. Há evidências de que tratamentos farmacológicos, psicológicos, de estimulação elétrica e magnética e de alteração de hábitos de vida (p. ex., exercício físico, dieta) podem ter efeitos sobre sintomas depressivos. Tratamentos combinados podem ter efeito complementar.
3) O último objetivo do tratamento é a remissão completa de sintomas. A remissão completa está associada com melhor qualidade de vida e menor risco de recaída e recorrência. No entanto, mesmo após várias estratégias serem implementadas, a remissão pode não ser obtida. Para esses pacientes, um modelo de abordagem de doença crônica é sugerido.
4) O cuidado baseado em medida (CBM) parece ajudar o profissional a obter melhores resultados e em menor tempo. Escalas para monitorar a evolução dos sintomas vêm sendo recomendadas como forma de aumentar o número de pacientes que atingem remissão completa, bem como para agilizar as tomadas de decisão em relação a aumento de doses ou troca de estratégias por parte do profissional.
5) A divisão do tratamento do episódio depressivo em três fases auxilia a definir metas claras para cada uma delas. O episódio depressivo pode ser dividido em três fases: aguda, de continuação e de manutenção. No início da fase aguda, o objetivo inicial é a obtenção de resposta ao tratamento proposto com redução parcial da intensidade da síndrome depressiva. Ao final da fase aguda, a meta ideal é a remissão completa de sintomas, com restabelecimento do nível de funcionamento pré-mórbido. Na fase de continuação, o objetivo é consolidar a melhora obtida na fase aguda, evitando recaída de sintomas. Por fim, na fase de manutenção, o episódio índex é considerado tratado e o foco de atenção passa a ser a prevenção de recorrência (ressurgimento de novos episódios). Embora nem todos os pacientes atinjam essas metas, persegui-las organiza a atuação do profissional, tornando-o mais ativo para propor intervenções.
6) A divisão em episódio depressivo leve, moderado e grave baseia muitas decisões de tratamento. Embora existam críticas à validade dessa divisão, ela é utilizada em várias diretrizes de tratamento, dependendo da intensidade da síndrome.
7) O modelo de doença crônica é útil na abordagem de muitos casos. Existe um crescente reconhecimento de que depressão é uma condição predominantemente recorrente e de curso crônico para um número expressivo de pacientes. Assim, a utilização de um modelo de “doença crônica” é recomendado, com o engajamento ativo do paciente em atividades de prevenção primária e secundária e a personalização do tratamento por parte do profissional.
■ EPISÓDIOS DEPRESSIVOS LEVES
Episódios depressivos leves podem responder a várias estratégias, muitas delas inespecíficas, como exercício físico, conexão social, alimentação, expressão de gratidão e conexão espiritual e religiosa. Não há evidência de que a medicação antidepressiva seja superior ao placebo quando os sintomas depressivos são leves. Na medida em que intervenções mais simples e inespecíficas não apresentam resultados e/ou a intensidade dos sintomas aumenta, estratégias utilizadas para depressões moderadas, como psicoterapia e farmacoterapia, são utilizadas.
■ EPISÓDIOS DEPRESSIVOS MODERADOS
A principal estratégia utilizada para tratamento de depressões moderadas são os medicamentos antidepressivos, devido à sua efetividade e à possibilidade de utilização por médicos não especialistas. Além das medicações, algumas formas de psicoterapia têm evidência de eficácia para a fase aguda da depressão, como terapia cognitivo-comportamental (TCC), terapia interpessoal, terapia não diretiva suportiva, terapia de resolução de problemas, terapia de ativação comportamental e terapia psicodinâmica breve.
A aplicação das psicoterapias necessita de profissionais com treinamento específico na técnica, o que limita seu uso como primeira linha em saúde pública.
Existe uma literatura crescente baseada na ideia de associar estratégias antidepressivas no sentido de otimizar tratamentos. A associação de estratégias mais estudada é a de antidepressivos + psicoterapia. Além desta, também é crescente o interesse das associações entre as estratégias usadas nas depressões leves, como atividade física, alimentação, meditação, entre outras.
■ EPISÓDIOS DEPRESSIVOS GRAVES
Episódios depressivos graves são prioritariamente tratados com antidepressivos. A ECT é uma alternativa a ser considerada, pela maior potência no efeito antidepressivo comparada aos medicamentos e maior rapidez de ação, embora não seja recurso acessível em muitos lugares.
■ EPISÓDIOS DEPRESSIVOS COM SINTOMAS PSICÓTICOS E ATÍPICOS
Nos episódios depressivos com sintomas psicóticos, o uso da combinação de um antidepressivo com antipsicótico é superior ao uso isolado de um dos dois medicamentos. Outra alternativa extremamente eficaz nesses casos é o uso de ECT.
Nas depressões atípicas, uma literatura antiga sugere que os tricíclicos têm menor eficácia em relação aos IMAOs. Nas recomendações atuais, não há evidência consistente de superioridade de uma classe de antidepressivos sobre outra nesses casos.
■ DEPRESSÃO RESISTENTE E DEPRESSÃO DIFÍCIL DE TRATAR
A taxa de resposta a um medicamento antidepressivo é de aproximadamente 50%, e de remissão completa, 30%. Dessa forma, um número expressivo de pacientes vai precisar de uma sequência de ajustes no tratamento para obter resposta e/ou remissão.
O termo depressão resistente (DR) costuma ser utilizado para caracterizar depressões que não respondem adequadamente a uma sequência de intervenções. Existem várias definições de DR, mas elas podem ser divididas entre as que a consideram como uma categoria ou como uma dimensão. No enfoque categorial, as definições variam no número de tentativas realizadas para designar DR (em geral, duas). No enfoque dimensional, são descritos níveis ou estágios de resistência, em vez da visão dicotômica do modelo categorial.
O termo depressão difícil de tratar (DDT) é definido como uma depressão que continua a causar problemas significativos apesar de todos os esforços de tratamento. Embora os dois conceitos tenham intersecções, a DDT conceitua o manejo da depressão de forma diferente, considerando-a como tratável e reconhecendo que ela está associada a desafios que podem requerer uma consideração especial para fatores não estritamente ligados a uma nova escolha de antidepressivo.
O modelo da DDT abre a possibilidade de o profissional considerar múltiplos fatores que podem impactar a resposta a tratamento, ajudando a implementar intervenções psicossociais específicas para alcançar redução de sintomas. Reconhece que a remissão completa de sintomas pode não ser um objetivo a ser buscado em pacientes específicos.
ABORDAGEM MEDICAMENTOSA
A abordagem medicamentosa é a base atual do tratamento das depressões moderadas a graves. Quando uma tentativa com antidepressivo apresenta resposta parcial ou ausência de resposta, considera-se quatro alternativas a serem implementadas:
Otimização. A otimização (aumento) pode ser tanto da dose quanto do tempo de uso. Os medicamentos antidepressivos possuem uma janela terapêutica com doses mínimas e máximas, além de uma janela de efeitos colaterais. A obtenção de doses terapêuticas livres de efeitos colaterais significativos é uma habilidade a ser desenvolvida pelo profissional e personalizada para cada paciente. Para cada dose prescrita, é importante aguardar um tempo mínimo (em torno de três a seis semanas) para obter o efeito. Um subgrupo de pacientes pode precisar de tempo mais prolongado, que pode chegar até 12 semanas. A otimização da dose e do tempo é preferencialmente utilizada quando existe uma resposta parcial, o medicamento está sendo bem tolerado e há ainda espaço para aumento de dose ou de tempo de uso.
Potencialização. É a utilização de um medicamento não antidepressivo para potencializar o efeito de um antidepressivo. Exemplos de potencializadores são o lítio, a triiodotironina (T3) e os antipsicóticos atípicos. A potencialização é utilizada quando existe uma resposta parcial e não é mais possível a otimização de doses ou de tempo, seja pelo fato de a otimização já ter sido realizada, seja pelos efeitos colaterais estarem no limite da tolerabilidade (quando a otimização da dose não estaria indicada).
Combinação. É o uso concomitante de dois antidepressivos (em geral, com mecanismos de ação diferentes) visando amplificar o efeito global ou atuação de cada um sobre sintomas diferentes da síndrome depressiva. Como exemplo, temos o uso de um ISRS associado a um ADT ou a associação da trazodona ao ISRS para melhorar a insônia e potencializar o efeito antidepressivo global.
Troca. É a substituição de um antidepressivo por outro. Esta estratégia é utilizada quando não houve uma resposta satisfatória ao medicamento utilizado ou quando os efeitos colaterais são significativos a ponto de impedir a otimização de dose. Na troca, tanto a introdução do novo antidepressivo quanto a retirada do anterior devem ser feitas preferencialmente de forma gradual.
Principais Classes de Antidepressivos
ISRS: inibidor seletivo da recaptação de serotonina;
MS: modulador de serotonina;
IRNa: inibidor da recaptação de noradrenalina;
AESNa: antidepressivo específico de serotonina e noradrenalina;
AM: agonista melatonérgico;
IRND: inibidor da recaptação de noradrenalina e dopamina;
IRSN: inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina;
ADT: antidepressivo tricíclico;
IMAO: inibidor da monoaminoxidase;
IRAS: inibidor da recaptação e agonista da serotonina.
ABORDAGEM PSICOTERÁPICA
Quando estressores psicossociais são identificados, é importante considerar intervenções sociais ou psicoterapia para auxiliar o paciente a manejá-los de forma mais adequada, antes de prescrever novos medicamentos ou utilizar estratégias mais invasivas de maior custo.72 Várias abordagens psicoterápicas apresentam evidências de eficácia para o tratamento agudo, embora, para muitas delas, os dados de eficácia no tratamento de manutenção sejam insuficientes (Tab. 21.2). Para a maioria dos pacientes, o tratamento combinado (psicoterapia + antidepressivo) é mais efetivo do que as abordagens isoladas, especialmente em indivíduos com depressão moderada a grave e crônica.
ELETROCONVULSOTERAPIA
A ECT é um método seguro, permanecendo como a mais eficaz estratégia antidepressiva disponível. Costuma ser utilizada em pacientes resistentes a várias tentativas com antidepressivos ou como primeira linha em depressão grave (psicótica ou catatônica), ou com risco de suicídio grave, embora possa ser eficaz em uma grande variedade de situações clínicas.
ATIVIDADE FÍSICA
Há um interesse crescente na atividade física, quer como fator protetor para o desenvolvimento da depressão, quer como tratamento. O exercício apresenta efeito antidepressivo, podendo ser utilizado isoladamente ou adicionado ao tratamento antidepressivo convencional, mesmo em pacientes deprimidos graves.
A atividade física tem particular interesse como tratamento coadjuvante por atuar de forma preventiva em uma variedade de outras condições médicas.
OPÇÕES PARA DEPRESSÃO DE DIFÍCIL TRATAMENTO
Quando um paciente não responde aos tratamentos usuais, as primeiras medidas a serem tomadas são revisar o diagnóstico, incluindo o diagnóstico diferencial com doenças clínicas, avaliar os fatores psicossociais que possam estar colaborando com a persistência dos sintomas, garantir a adesão, avaliar todas as medicações que o paciente está usando, excluir o abuso de álcool ou drogas e explorar outros fatores que possam estar impedindo a melhora clínica. Existem alternativas para pacientes que não respondem ao tratamento, mesmo quando esses fatores são excluídos. Entre elas destaca-se a ECT (já abordada), por apresentar extensa evidência de eficácia, mesmo em pacientes que não responderam a outros tratamentos.
A estimulação magnética transcraniana repetitiva (EMTr) consiste na aplicação de pulsos magnéticos sobre o couro cabeludo, com o propósito de modular a atividade elétrica em regiões cerebrais subjacentes ao local do estímulo. Diversos estudos demonstram sua eficácia em pacientes que não responderam a pelo menos um fármaco antidepressivo. Por isso, esse tratamento está aprovado para uso clínico. Entretanto, metanálises recentes mostram que o efeito antidepressivo da EMTr é pequeno, principalmente se comparado ao da ECT.85
A quetamina é um anestésico disponível há mais de 50 anos para uso em humanos e uso veterinário. Seu principal mecanismo de ação é o antagonismo de receptores de glutamato do tipo NMDA. Um efeito antidepressivo da infusão intravenosa desse fármaco foi descrito no início dos anos 2000.86 Diversos estudos foram realizados desde então, mas nenhuma formulação de quetamina está aprovada para uso intravenoso no tratamento da depressão. Nos últimos anos, a indústria farmacêutica investiu em grandes estudos clínicos para avaliar a eficácia da esquetamina, um isômero da quetamina, utilizada por via intranasal, no tratamento da depressão de pacientes que não responderam a fármacos antidepressivos. Essas pesquisas geraram evidência de um efeito antidepressivo significativo e o tratamento foi aprovado para uso clínico em diversos países, incluindo o Brasil. Entretanto, o significado clínico desses estudos e o potencial de abuso da droga seguem gerando extensos debates na literatura.
A estimulação do nervo vago (ENV) consiste no implante de um eletrodo em um dos nervos vagos, na altura do pescoço, e de um gerador de pulso, geralmente implantado sob a pele do tórax.86 Esse tratamento está aprovado para uso nos Estados Unidos em pacientes que não responderam a quatro ou mais tratamentos antidepressivos realizados de forma adequada. Apesar dessa aprovação, as evidências de sua eficácia ainda são limitadas.
Outros tratamentos de neuromodulação, ainda não aprovados para uso clínico, estão em estudo para o tratamento do TDM, particularmente em pacientes com DDT. A estimulação transcraniana com corrente contínua consiste na aplicação de corrente elétrica contínua de baixa intensidade, com o propósito de modular o potencial de membrana dos neurônios, alterando sua excitabilidade. A estimulação cerebral profunda é realizada por meio do implante de um eletrodo em regiões profundas do cérebro, feito por neurocirurgia. A maioria dos estudos em TDM utilizou esses eletrodos para inibir a atividade de regiões cerebrais hiperativas em pacientes deprimidos. A magnetoconvulsoterapia utiliza pulsos magnéticos de alta intensidade para produzir convulsões. Seu racional é semelhante ao da ECT, com potencial de gerar menos efeitos adversos, entretanto, sua eficácia e segurança ainda estão em estudo. A fotobiomodulação transcraniana consiste na aplicação de luz na faixa do infravermelho próximo sobre o couro cabeludo, com o objetivo de modular a atividade do córtex cerebral por meio do estímulo da atividade mitocondrial e produção de adenosina trifosfato (ATP).86
BEM-ESTAR E QUALIDADE DE VIDA
Estudos reforçam a ideia de que o objetivo do tratamento dos TDs deve considerar, além da melhora ou remissão de sintomas depressivos, a presença de fatores positivos, como bem-estar psicológico e qualidade de vida. Embora não exista um consenso sobre a definição de recuperação plena nos TDs, alguns fatores podem ser considerados como indicadores de bem-estar psicológico, incluindo:
(1) percepção de capacidade e competências para lidar com o ambiente e criar condições para atender necessidades e valores pessoais (mastery and competence);
(2) percepção de desenvolvimento e realização pessoal ao longo do tempo;
(3) presença de propósito ou objetivos na vida e sentido existencial;
(4) autonomia e independência pessoal;
(5) atitudes positivas e aceitação de dificuldades e limitações pessoais; e
(6) capacidade de estabelecer relacionamentos interpessoais de confiança, afeto, intimidade e empatia.
Instrumentos estruturados para avaliação de qualidade de vida, validados em diversos países e contextos clínicos, como o Instrumento Abreviado de Avaliação da Qualidade de Vida (WHOQOL) da OMS, podem ser utilizados para verificar como os indivíduos avaliam diversos aspectos de sua vida, além da percepção de melhora dos sintomas mais específicos de depressão.
8. Explique o mecanismo de ação da sertralina e do clonazepam?
SERTRALINA
A sertralina é um derivado da naftalenamina com atividade farmacológica predominante de inibição da recaptação de serotonina. A sertralina é absorvida lentamente após a administração oral e sofre metabolismo de primeira passagem extensa para formar N-desmetil-sertralina, um metabólito fracamente ativo. A meia-vida de eliminação varia de 22-36 horas, e a sua administração uma vez ao dia é suficiente. A sertralina tem efeitos inibitórios mínimos sobre as principais enzimas do citocromo P450, com algumas interações medicamentosas de significado clínico. Como outros ISRSs, tem boa tolerabilidade em dosagens terapêuticas e é relativamente segura na sobredosagem.
CLONAZEPAM:
INDICAÇÕES
Adulto e pediátrico
Distúrbio epiléptico:
O clonazepam está indicado isoladamente ou como adjuvante no tratamento das crises epilépticas mioclônicas, acinéticas, ausências típicas (pequeno mal), ausências atípicas (síndrome de Lennox-Gastaut). O clonazepam está indicado como medicação de segunda linha em espasmos infantis (Síndrome de West).
Em crises epilépticas clônicas (grande mal), parciais simples, parciais complexas e tônico-clônico generalizadas secundárias, clonazepam está indicado como tratamento de terceira linha.
Adulto
Transtornos de ansiedade:
• Como ansiolítico em geral.
• Distúrbio do pânico com ou sem agorafobia.
• Fobia social.
Transtornos do humor:
• Transtorno afetivo bipolar: tratamento da mania.
• Depressão maior: como adjuvante de antidepressivos (depressão ansiosa e na fase inicial de tratamento).
Emprego em síndromes psicóticas:
• Tratamento da acatisia.
Tratamento da síndrome das pernas inquietas
Tratamento da vertigem e sintomas relacionados à perturbação do equilíbrio: como náuseas, vômitos, présíncopes ou síncopes, quedas, zumbidos, hipoacusia, hipersensibilidade a sons, hiperacusia, plenitude aural, distúrbio da atenção auditiva, diplacusia.
Tratamento da síndrome da boca ardente
Farmacodinâmica:
O clonazepam apresenta propriedades farmacológicas comuns aos benzodiazepínicos, que incluem efeitos anticonvulsivantes, sedativos, relaxantes musculares e ansiolíticos. Assim como acontece com outros benzodiazepínicos, acredita-se que esses efeitos podem ser mediados principalmente pela inibição pós-sináptica mediada pelo GABA, embora os dados em animais tenham mostrado adicionalmente um efeito de clonazepam sobre a serotonina. Os dados em animais e as pesquisas eletroencefalográficas em humanos mostraram que clonazepam suprime rapidamente muitos tipos de atividade paroxística, incluindo o aparecimento de ondas pontiagudas e descarga de ondas na ausência de convulsões (pequeno mal), ondas lentas pontiagudas, ondas pontiagudas generalizadas, espículas temporais ou de outra localização, bem como espículas e ondas irregulares. As anormalidades generalizadas do eletroencefalograma são suprimidas mais regularmente que as anormalidades focais. De acordo com esses achados, clonazepam apresenta efeitos benéficos em epilepsias generalizadas e focais.
Farmacocinética
Absorção:
O clonazepam é rapidamente e quase completamente absorvido após administração oral. As concentrações plasmáticas máximas de clonazepam são alcançadas dentro de 1 a 4 horas. A meia-vida de absorção é de, aproximadamente, 25 minutos. A biodisponibilidade absoluta é 90%. Os comprimidos de clonazepam são bioequivalentes à solução oral com relação à extensão de absorção do clonazepam, enquanto a taxa de absorção é ligeiramente mais lenta para os comprimidos. As concentrações de clonazepam no estado de equilíbrio, para um esquema de administração de uma dose/dia, são três vezes maiores que aquelas obtidas com uma única dose oral. As taxas previstas de acúmulo para regimes diários de duas vezes e três vezes são 5 e 7, respectivamente. Após doses orais múltiplas de 2 mg, três vezes ao dia, as concentrações do estado de equilíbrio pré-dose de clonazepam atingiram uma média de 55 ng/mL. A relação entre a concentração plasmática e dose administrada de clonazepam é linear. As concentrações plasmáticas anticonvulsivantes alvo de clonazepam variam de 20 a 70 ng/mL. Efeitos tóxicos graves, incluindo frequência elevada de crises, ocorreram na maioria dos pacientes com concentrações plasmáticas em estado de equilíbrio acima de 100 ng/mL. Em pacientes com distúrbios de pânico; as concentrações efetivas de clonazepam na redução da frequência de ataques de pânico foram de aproximadamente 20 ng/mL.
Distribuição
O clonazepam distribui-se rapidamente a vários órgãos e tecidos corporais, com captação preferencial pelas estruturas cerebrais. O volume médio de distribuição de clonazepam é estimado em cerca de 3 L/kg. A meia-vida de distribuição é aproximadamente 0,5 – 1 hora. A ligação às proteínas plasmáticas de clonazepam é entre 82% e 86%.
Metabolismo
O clonazepam é eliminado por biotransformação, com a eliminação subsequente de metabólitos na urina e bile. A biotransformação ocorre, principalmente, pela redução do grupo 7-nitro para o derivado 4-amino. O principal metabólito é o 7-amino-clonazepam, que tem apresentado apenas discreta atividade anticonvulsivante. Foram também identificados quatro outros metabólitos que estão presentes em proporção muito pequena: o produto pode ser acetilado para formar 7-acetamido-clonazepam ou glucuronizado. O 7-acetamido-clonazepam e o 7-amino-clonazepam podem ser adicionalmente oxidados e conjugados. Os citocromos P-450 da família 3A desempenham importante papel no metabolismo de clonazepam, particularmente na nitroredução de clonazepam em metabólitos farmacologicamente inativos. Os metabólitos estão presentes na urina sob a forma livre e como componentes conjugados (glucuronídeo e sulfato).
Eliminação
A meia-vida de eliminação é de 30 a 40 horas. A depuração é 55 mL/min. Cinquenta por cento a 70% da dose oral de clonazepam é excretada na urina e 10% a 30% nas fezes, quase exclusivamente sob a forma livre ou de metabólitos conjugados. Menos de 2% de clonazepam inalterado aparece na urina. Os dados disponíveis indicam que a farmacocinética de clonazepam é dose independente. Em voluntários participantes de estudos com dose múltipla, as concentrações plasmáticas de clonazepam são proporcionais à dose. A farmacocinética de clonazepam após a administração repetida é previsível por estudos de dose única. Isso não representa evidência de que clonazepam induz seu próprio metabolismo ou o metabolismo de outros medicamentos em humanos. As cinéticas de eliminação em crianças são similares àquelas observadas em adultos.
9. Como prescrever e relacionar os critérios para indicação de tarja preta?
A cor das tarjas ou a ausência delas nas embalagens são fundamentais para o trabalho dos farmacêuticos como forma de garantir que o medicamento dispensado seja exatamente o que foi prescrito pelo profissional de saúde.
Sem tarja: são medicamentos isentos de prescrição (MIP), ou seja, não necessitam de receita médica para que sejam vendidos. No entanto, os MIPs devem cumprir com todos os demais requisitos de qualidade, segurança e eficácia exigidos pela legislação sanitária em vigor. Estão descritos na Lista de Medicamentos Isentos de Prescrição (LMIP) e são indicados para tratamento de doenças não graves e com evolução lenta ou inexistente;
Tarja vermelha: são remédios que oferecem risco intermediário de efeitos adversos ao usuário e devem ser prescritos pelo profissional de saúde. Dividem-se em duas subcategorias: sem retenção de receita, ou seja, a farmácia não fica com a prescrição após a venda e com retenção, quando a farmácia retém a receita por se tratar de medicamentos sujeitos a controle especial. A embalagem desse tipo de medicamento tem de informar a necessidade da prescrição médica e da retenção de receita, quando for o caso – além dos riscos.
Tarja preta: são medicamentos que precisam de controle maior para serem comercializados. Geralmente, são fármacos que afetam o sistema nervoso central, podendo causar dependência ou levar à morte e que só podem ser adquiridos mediante apresentação de prescrição médica que deve ser retida com o farmacêutico.
Tarja amarela: identifica o grupo dos medicamentos genéricos. Além da tarja amarela, a embalagem pode conter, também, a tarja vermelha ou preta, de acordo com o tipo de controle exigido.
https://bvsms.saude.gov.br/entenda-o-significado-das-tarjas-coloridas-nas-embalagens-dos-remedios/
10. Descreva o fluxo no SUS de pessoas que tentam suicídio.
PEDINDO AJUDA
Pensamentos e sentimentos de querer acabar com a própria vida podem ser insuportáveis e pode ser muito difícil saber o que fazer e como superar esses sentimentos, mas existe ajuda disponível. É muito importante conversar com alguém que você confie. Não hesite em pedir ajuda, você pode precisar de alguém que te acompanhe e te auxilie a entrar em contato com os serviços de suporte.
Quando você pede ajuda, você tem o direito de:
Ser respeitado e levado a sério;
Ter o seu sofrimento levado em consideração;
Falar em privacidade com as pessoas sobre você mesmo e sua situação;
Ser escutado;
Ser encorajado a se recuperar.
Onde buscar ajuda:
CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da família, Postos e Centros de Saúde);
UPA 24H, SAMU 192, Pronto Socorro; Hospitais;
Centro de Valorização da Vida – 188 (ligação gratuita).
Centro de Valorização da Vida – CVV
O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e voip 24 horas todos os dias.
A ligação para o CVV em parceria com o SUS, por meio do número 188, são gratuitas a partir de qualquer linha telefônica fixa ou celular.
Também é possível acessar www.cvv.org.br para chat, Skype, e-mail e mais informações sobre ligação gratuita.
Também é possível utilizar o atendimento por chat e e-mail disponível nos ícones abaixo.
DIANTE DE UMA PESSOA SOB RISCO DE SUICÍDIO
Encontre um momento apropriado e um lugar calmo para falar sobre suicídio com essa pessoa. Deixe-a saber que você está lá para ouvir, ouça-a com a mente aberta e ofereça seu apoio;
Incentive a pessoa a procurar ajuda de profissionais de serviços de saúde, de saúde mental, de emergência ou apoio em algum serviço público. Ofereça-se para acompanhá-la a um atendimento;
Se você acha que essa pessoa está em perigo imediato, não a deixe sozinha. Procure ajuda de profissionais de serviços de saúde, de emergência e entre em contato com alguém de confiança, indicado pela própria pessoa;
Se a pessoa com quem você está preocupado(a) vive com você, assegure-se de que ele(a) não tenha acesso a meios para provocar a própria morte (por exemplo, pesticidas, armas de fogo ou medicamentos) em casa;
Fique em contato para acompanhar como a pessoa está passando e o que está fazendo.
11. Quais os direitos e programas existentes para ajudar Soledad?