08/02/2023 -
U1 SP1- PASSANDO MAL
Dona Carmen, 64 anos, estava desanimada frente à pilha de roupa da família que tinha para passar. Começou sua atividade e logo em seguida o telefone tocou. Colocou o ferro no apoio e ficou uns 10 minutos conversando com uma amiga. Ao voltar e se aproximar da tábua, se distraiu e esbarrou a mão no ferro quente. Sentiu uma dor intensa e, sem se dar conta, fez um movimento brusco para trás, batendo com o cotovelo direito na parede. Imediatamente colocou a mão queimada sob a água fria corrente, o que lhe deu algum alívio. Horas mais tarde, além da dor na mão, percebeu uma dor intensa no cotovelo machucado, tanto que o simples toque no local ou até a lembrança da cena a incomodavam.
Começou a tomar paracetamol 750 mg (1 comprimido a cada quatro horas) até o dia seguinte, quando, se sentindo ainda pior, procurou atendimento na UBS próxima. O médico constatou queimadura de segundo grau na mão direita e contusão no cotovelo direito. A paciente queria saber por que seu cotovelo estava doendo e tão sensível a qualquer contato, mesmo passadas 24 horas do acidente e em uso de medicação. Após as explicações, o médico a orientou quanto ao uso inadequado de medicações, principalmente quando em doses excessivas. Prescreveu um anti-inflamatório por 3 dias, além de orientações para o cuidado da queimadura.
Uma semana depois, Dona Carmen retornou ao serviço, apresentando movimentação normal, desaparecimento da dor no cotovelo e melhora do aspecto da área lesada na mão.
Problemas: Grifados
Hipóteses
A partir de 45ºC ocorre uma lesão tecidual e perda de estruturas, sendo os termorreceptores atuantes em determinados intervalos de temperatura; saindo desse intervalo atinge-se um limiar de respostas dos nociceptores pela via da dor.
Pode ser de 1º grau se atingir a epiderme, 2º grau se comprometer a derme e de 3º grau tecidos mais profundos.
A destruição do tecido inicia um processo inflamatório com a liberação de substâncias químicas que ativam os receptores.
O paracetamol é hepatotóxico e em altas doses pode causar sérios danos aos hepatócitos.
O impacto no cotovelo de Carmen ativou a via dos mecanorreceptores locais quanto uma ação tardia de nociceptores.
Imediatamente após uma queimadura deve-se utilizar água corrente e nunca pomada sem indicação.
Questões de Aprendizagem
Quais são os tipos e a classificação das queimaduras? Quais as condutas para cada uma delas?
Quais as vias da dor e os mecanismos que as ativam?
Qual é a dose de toxicidade do paracetamol e de anti-inflamatórios?
Descreva o mecanismo de arco-reflexo.
Descreva o mecanismo de ação dos analgésicos simples e anti-inflamatórios.
OBS.: O uso seguro das medicações no SUS e automedicação.
Síntese Individual:
1. Quais são os tipos e a classificação das queimaduras? Quais as condutas para cada uma delas?
• Queimaduras químicas: produtos corrosivos que podem ser bases fortes ou de origem ácida, como exemplos temos: álcool, gasolina, bases e ácidos.
• Queimaduras térmicas: têm origem no calor ou no frio, por meio de exposição, condução ou radiação eletromagnética. Através da temperatura, temos: líquidos e sólidos ferventes, frio excessivo, chama, vapor, objetos aquecidos, geada, neve, entre outros.
• Queimaduras elétricas: raio, corrente elétrica, entre outros.
• Queimaduras ionizantes ou por radiação temos: raios solares, aparelhos de raios X ou ultravioleta, nucleares, entre outros.
• Queimaduras biológicas: são as queimaduras provocadas por animais e vegetais, como exemplo temos: vegetais como urtiga, látex etc., e animais como água-viva, lagarta-de-fogo, medusa, entre outros.
• Queimaduras por atrito ou fricção.
A determinação da profundidade da lesão é obtida pelo exame clínico. Embora existam métodos laboratoriais que avaliam o grau da lesão, eles não têm muita aplicabilidade na prática médica. A estimativa da profundidade das queimaduras é baseada no exame físico. O aspecto das lesões e a palpação indicam o grau de lesão.
→Queimadura de primeiro grau: As queimaduras de primeiro grau estão restritas à epiderme. São lesões que apresentam hiperemia intensa, com hipersensibilidade e desconforto local. Evoluem com melhora espontânea dos sintomas em dois ou três dias, podendo apresentar descamação após esse período. Há regeneração integral da epiderme após uma semana.
→Queimadura de segundo grau superficial: A queimadura de segundo grau superficial afeta a epiderme e a derme papilar (superficial). A destruição da junção dermo-epidérmica provoca o desprendimento da epiderme e a formação de bolhas, típica da queimadura de segundo grau. Há hiperemia intensa, edema, dor e hipersensibilidade que indica estímulo e preservação das terminações nervosas presentes na derme. Como grande parte dos capilares presentes na derme não são lesados, há intensa exsudação da ferida, levando à formação de bolhas que se rompem facilmente, o que dá à ferida um aspecto úmido, vermelho e brilhante. Também ocorre a regeneração espontânea, a epiderme recupera-se em até duas semanas mesmo que um quadro inflamatório esteja associado.
→Queimadura de segundo grau profunda: A queimadura de segundo grau profunda afeta a epiderme, a derme papilar e a profundidade variável da derme reticular (profunda). A lesão pode apresentar bolhas, mas a hiperemia e a exsudação são menores porque parte do plexo vascular da derme foi destruído ou trombosado pelo calor. O leito da ferida é rosa-esbranquiçado, seco e opaco. A sensibilidade superficial é diminuída e provoca menos dor do que a queimadura de segundo grau superficial. A regeneração espontânea está significativamente diminuída e se ocorrer será acompanhada de cicatrizes. A possibilidade de infecção é maior e algumas dessas lesões podem evoluir para lesões de espessura total (terceiro grau).
→Queimadura de terceiro grau: Toda a espessura da pele é destruída, a epiderme, derme papilar e derme reticular. Como a rede vascular da derme é destruída, não há circulação, portanto, não há exsudação. A característica é de uma lesão seca, com aspecto de couro. A pele desvitalizada forma uma escara dura e inelástica. Dependendo da intensidade do calor, a cor da escara pode variar do branco ao marrom ou até mesmo ao preto, devido à carbonização do tecido. Há pouca ou nenhuma dor e sensibilidade na superfície da lesão, todas as terminações nervosas são destruídas. As lesões de espessura total não apresentam possibilidade de regeneração e a possibilidade de infecção é alta se a escara não for removida em curto período de tempo.
As lesões, de acordo com Leonardi (2012), devem ser inicialmente higienizadas com solução degermante ou sabonete neutro com muita espuma e os tecidos desvitalizados removidos. Muita controvérsia tem sido originada na presença de bolhas. Os estudos demonstraram que o conteúdo é composto por um líquido com alta concentração de mediadores inflamatórios, o que pode ser prejudicial ao leito da ferida. Portanto, recomenda-se a aspiração do líquido com uma agulha de calibre fino, deixando o teto dela sobre o leito da ferida, de forma a protegê-lo.
As lesões de 1° grau necessitam apenas ser higienizadas e protegidas contra a contaminação e o ressecamento do meio ambiente. O que se recomenda é proporcionar um ambiente limpo e úmido, de forma a acelerar a epitelização. Isso pode ser conseguido com curativos sintéticos protetores.
As queimaduras de 2° grau superficiais também devem ser mantidas limpas e protegidas enquanto a reepitelização ocorre. Após a higienização da ferida, pode-se utilizar uma gaze não aderente impregnada com parafina, petrolato ou óleo mineral, caracterizando um curativo primário em contato com o leito da ferida, quando as flictenas estão íntegras e esvaziadas. Caso tenha ocorrido a ruptura delas, a derme permanecerá exposta e perderá o isolamento proporcionado pela epiderme. Nesse caso, deve ser usado um produto que contenha um agente bacteriostático ou bactericida até o curativo permanente após 48 horas. Em nosso meio, os agentes disponíveis mais utilizados são a Sulfadiazina de prata creme ou pomada de hialuronidase.
Após as primeiras 48 horas, nas queimaduras de 2º grau superficial e profunda, ocorre o retorno da permeabilidade capilar ao normal e a lesão deixa de ser exsudativa. Nesse momento, a lesão deve ser novamente higienizada com solução degermante e então aplicado novo curativo. Caso a flictena mantenha-se íntegra, mantêm-se também os curativos não aderentes trocados duas vezes por semana; caso a flictenas esteja rota, com exposição da derme, pode optar-se por curativos biológicos e semibiológicos que não necessitam de trocas, permitindo assim a migração de queratinócitos a partir da membrana basal dos anexos dérmicos e uma reepitelização mais rápida da ferida, com menos trocas de curativos, menos dor e menor custo.
Por outro lado, as queimaduras de 2° grau profundas e as de 3° grau, além de levarem muito tempo para cicatrizar, podem aumentar a susceptibilidade à infecção e ao desenvolvimento de cicatrização patológica hipertrófica ou queloide. Portanto, tem indicação para excisão do tecido queimado cirurgicamente e sua cobertura com enxerto de pele autólogo ou uso de matrizes de regeneração dérmica após as 48 horas. De qualquer modo, enquanto a cirurgia não ocorre, deve-se cobrir a área atingida, com o objetivo de prevenir a infecção ou reduzir a densidade bacteriana in situ, ou seja, no local. O elemento bacteriostático mais utilizado é a prata e está disponível em vários produtos. A disposição em creme, apesar de economicamente vantajosa, tem como desvantagem a necessidade de troca diária, associada com irritação celular e toxidade.
2. Quais as vias da dor e os mecanismos que as ativam?
Além dos receptores mecanossensíveis para o tato que descrevemos até agora, a sensação somática depende demais de nociceptores, que são as terminações nervosas livres, ramificadas, não mielinizadas que sinalizam lesão ou risco de lesão ao corpo.
A informação dos nociceptores segue uma via para o encéfalo que é muito distinta da via pela qual segue a informação dos mecanorreceptores; consequentemente, a experiência subjetiva causada pela ativação dessas duas vias é diferente. A ativação seletiva dos nociceptores pode levar à experiência consciente de dor.
Todavia, é importante esclarecer que a nocicepção e a dor não são sempre a mesma coisa. Dor é a sensação, ou a percepção, de sensações, como irritação, inflamação, fisgada, ardência, latejo, ou seja, sensações insuportáveis que surgem de uma parte do corpo. A nocicepção é o processo sensorial que fornece as sinalizações que disparam a experiência da dor. Enquanto os nociceptores podem disparar de forma violenta e contínua, a dor pode aparecer e desaparecer. E o oposto também pode ocorrer. A dor pode ser agonizante, mesmo sem a atividade dos nociceptores. Mais do que qualquer outro sistema sensorial, as qualidades cognitivas da nocicepção podem ser controladas internamente, pelo próprio encéfalo.
Os nociceptores são ativados por estímulos que têm o potencial para causar lesão nos tecidos. Danos aos tecidos podem resultar de estimulação mecânica forte, temperaturas extremas, privação de oxigênio e exposição a certos agentes químicos, entre outras causas. As membranas dos nociceptores contêm canais iônicos que são ativados por esses tipos de estímulos.
O simples estiramento ou dobramento da membrana do nociceptor ativa os canais iônicos mecanossensíveis, que levam à despolarização da célula e ao disparo de potenciais de ação. Além disso, as células danificadas no local da lesão podem liberar uma série de substâncias que provocam a abertura de canais iônicos nas membranas dos nociceptores. Como exemplos de substâncias liberadas estão as proteases (enzimas que digerem proteínas), trifosfato de adenosina (ATP) e K+.
As proteases podem clivar um peptídeo extracelular abundante, chamado de cininogênio, para formar o peptídeo bradicinina. A bradicinina liga-se a uma molécula receptora específica, que aumenta a condutância iônica de alguns nociceptores. De modo similar, o ATP causa a despolarização dos nociceptores por meio da ligação direta a canais iônicos que dependem de ATP para sua ativação. E, o aumento de [K+] extracelular despolariza diretamente as membranas neuronais.
Qualquer simples mudança na membrana do nociceptor ativa canais iônicos mecanossensíveis → começa a despolarização da célula → potencial de ação.
As células danificadas liberam:
(1) Proteases→ clivam peptídeos cininogênio e formam bradicinina → bradicinina se liga à molécula receptora → aumenta condutância iônica de alguns nociceptores.
(2) ATP → despolariza nociceptores pelos canais iônicos dependentes de ATP.
(3) K+ → aumentado no meio extracelular despolariza membranas neuronais.
O calor acima de 43°C causa queimadura nos tecidos, e os canais iônicos termossensíveis das membranas dos nociceptores abrem-se nessa temperatura. Obviamente, nós também sentimos calor de forma não dolorosa quando a pele é aquecida de 37 a 43°C. Essas sensações dependem de termorreceptores não nociceptivos e de suas conexões ao SNC.
Imagine que você seja um corredor de meia idade percorrendo o último quilômetro de uma maratona. Quando os níveis de oxigênio de seus tecidos forem inferiores à demanda de oxigênio, as suas células utilizarão o metabolismo anaeróbio para gerar ATP. Uma consequência do metabolismo anaeróbio é a liberação de ácido láctico. O acúmulo de ácido láctico leva a um excesso de H+ no líquido extracelular. Esses íons ativam canais iônicos dependentes de H+ dos nociceptores. Esse mecanismo está associado à dor cruciante associada ao exercício muito intenso.
A passagem da dor depende do pH do meio, ou seja, um meio ácido ativa mais canais iônicos dos nociceptores.
Uma abelha o ferroa. Sua pele e seus tecidos contêm mastócitos, um componente do seu sistema imune. Os mastócitos podem ser ativados pela exposição a substâncias exógenas (p. ex., o veneno da abelha), levando-os à liberação de histamina. A histamina pode ligar-se aos receptores específicos na membrana do nociceptor, causando a despolarização da membrana. A histamina também aumenta a permeabilidade dos capilares sanguíneos, levando ao edema e ao rubor no local da lesão. Pomadas contendo fármacos que bloqueiam os receptores histaminérgicos (anti-histamínicos) podem auxiliar tanto no alívio da dor como na diminuição do edema.
A histamina pode se ligar aos receptores específicos nas membranas dos nociceptores causando despolarização
A transdução dos estímulos dolorosos ocorre nas terminações nervosas livres das fibras não mielinizadas C e nas pobremente mielinizadas Ad. A maioria dos nociceptores respondem a estímulos mecânicos, térmicos e químicos e são chamados, portanto, de nociceptores polimodais. Contudo, assim como os mecanorreceptores de tato, muitos nociceptores mostram seletividade nas respostas a estímulos diferentes. Dessa forma, também existem nociceptores mecânicos (mecanonociceptores), que mostram respostas seletivas à pressão intensa; nociceptores térmicos (termonociceptores), que respondem seletivamente ao calor queimante ou ao frio extremo (Quadro 12.5); e nociceptores químicos, que respondem de forma seletiva à histamina e a outros agentes químicos.
Os nociceptores estão presentes na maioria dos tecidos corporais, como a pele, os ossos, os músculos, a maioria dos órgãos internos, os vasos sanguíneos e o coração. Eles estão notadamente ausentes no sistema nervoso em si, porém estão presentes nas meninges.
Os nociceptores normalmente respondem apenas quando os estímulos são suficientemente intensos para provocar lesão tecidual. No entanto, todos nós sabemos que a pele, as articulações ou os músculos que já estão lesionados ou inflamados estão mais sensíveis que o normal. Um toque leve e condoído de uma mãe sobre uma área da pele queimada de seu filho pode desencadear gritos devido à dor insuportável. Esse fenômeno é conhecido como hiperalgesia e é o exemplo mais familiar da capacidade corporal de autocontrole da dor. A hiperalgesia pode ser um limiar reduzido à dor, uma intensidade aumentada dos estímulos dolorosos ou, até mesmo, dor espontânea. A hiperalgesia primária ocorre na área do tecido lesado, porém os tecidos que envolvem a região da lesão também podem se tornar supersensíveis, pelo processo de hiperalgesia secundária. Muitos mecanismos distintos podem estar envolvidos na hiperalgesia, alguns no nociceptor ou perifericamente no tecido a seu redor e outros no SNC. Como foi observado anteriormente, quando ocorre lesão na pele, diversas substâncias, que são chamadas algumas vezes de sopa inflamatória, são liberadas. A sopa contém certos neurotransmissores (glutamato, serotonina, adenosina, ATP), peptídeos (substância P, bradicinina), lipídeos (prostaglandinas, endo- canabinoides), proteases, neurotrofinas, citocinas, quimiocinas, íons, como K+ e H+, entre outras substâncias (Figura 12.25). Em conjunto, essas substâncias podem causar inflamação, que é uma resposta natural dos tecidos corporais na tentativa de eliminar a lesão e estimular o processo de cura.
Os sinais característicos de inflamação na pele são dor, calor, rubor e edema. Várias daquelas substâncias também podem modular a excitabilidade dos nociceptores, tornando-os mais sensíveis aos estímulos térmicos ou mecânicos (ver Quadro 12.5). A bradicinina foi apresentada anteriormente como uma das substâncias que despolariza diretamente os nociceptores. Além desse efeito, a bradicinina estimula mudanças intracelulares de longa duração, que tornam mais sensíveis os canais iônicos ativados por calor.
As prostaglandinas são substâncias produzidas pela clivagem enzimática dos lipídeos da membrana celular. Apesar de as prostaglandinas não causarem dor diretamente, elas aumentam muito a sensibilidade dos nociceptores a outros estímulos.
O ácido acetilsalicílico e outros fármacos anti-inflamatórios não esteroides são um tratamento utilizado para tratar a hiperalgesia, uma vez que inibem as enzimas necessárias à síntese de prostaglandinas.
A substância P é um peptídeo sintetizado pelos próprios nociceptores. A ativação de uma ramificação do neurito periférico do nociceptor pode levar à secreção de substância P por outras ramificações do neurito do mesmo nociceptor nas áreas vizinhas da pele. A substância P causa vasodilatação (aumento do diâmetro dos capilares sanguíneos) e a liberação de histamina dos mastócitos. A sensibilização de outros nociceptores pela substância P em torno do local da lesão é uma das causas da hiperalgesia secundária.
Os mecanismos do SNC também contribuem com a hiperalgesia secundária. Após a lesão, a ativação dos axônios mecanorreceptores Aβ por um toque leve pode resultar em dor. Portanto, outro mecanismo de hiperalgesia envolve uma interação sináptica (linha cruzada) entre a via do tato e a via da dor na medula espinhal.
Aferentes Primários e Mecanismos Espinhais
As fibras Ad e C levam informação ao SNC com velocidades diferentes, em função das diferenças em suas velocidades de condução dos potenciais de ação. Dessa forma, a ativação de nociceptores cutâneos produz duas percepções de dor distintas: uma dor primária, rápida e aguda, seguida de uma dor secundária, lenta e contínua. A dor primária é causada pela ativação de fibras Ad; a dor secundária é causada pela ativação de fibras C (Figura 12.26).
Assim como as fibras mecanossensoriais Aβ, as fibras de pequeno calibre possuem seus corpos celulares nos gânglios da raiz dorsal segmentar e entram no corno dorsal da medula espinhal. Ao penetrarem na medula, as fibras logo ramificam-se e percorrem uma curta distância nos sentidos rostral e caudal na medula, em uma região chamada de tracto de Lissauer, fazendo, depois, sinapse com neurônios da parte mais periférica do corno dorsal, em uma região conhecida como substância gelatinosa.
O neurotransmissor dos aferentes nociceptivos é o glutamato; contudo, como foi mencionado anteriormente, esses neurônios também contêm o peptídeo substância P (Figura 12.28). A substância P fica estocada em grânulos de secreção nas terminações axonais e pode ser liberada por salvas de potenciais de ação de alta frequência. Experimentos recentes demonstraram que a transmissão sináptica mediada pela substância P é necessária para as sensações de dor moderadas a intensas.
É interessante observar que os axônios de nociceptores viscerais entram na medula espinhal pelo mesmo trajeto que os de nociceptores cutâneos. Na medula espinhal, ocorre uma mistura substancial de informação dessas duas fontes de aferências (Figura 12.29). Essa linha cruzada origina o fenômeno da dor referida, pelo qual a ativação do nociceptor visceral é percebida como uma sensação cutânea. Um exemplo clássico de dor referida é a angina, que ocorre quando o coração não recebe oxigênio em quantidade suficiente. Os pacientes localizam frequentemente a dor da angina na parte superior do tórax e no braço esquerdo. Outro exemplo comum é a dor associada à apendicite, que é referida, em seu estágio inicial, na parede abdominal ao redor do umbigo.
As Vias:
A informação nociceptiva é transmitida da medula espinal ao tálamo.
Cinco vias ascendentes principais transmitem a informação nociceptiva. As cinco vias ascendentes principais − os tratos espinotalâmico, espinorreticular, espinomesencefálico, cervicotalâmico e espino-hipotalâmico − contribuem para o processa- mento central da informação nociceptiva.
→ O trato espinotalâmico é a via nociceptiva ascendente mais proeminente da medula espinal. Ele inclui os axônios de neurônios específicos nociceptivos, os termossensíveis e os de amplo espectro dinâmico das lâminas I e V a VII no corno dorsal. Esses axônios cruzam a linha média da medula espinal em seu segmento de origem e ascendem na substância branca anterolateral antes de terminar nos núcleos talâmicos (Figura 24-12). O trato espinotalâmico tem um papel crucial na transmissão da informação nociceptiva. A estimulação elétrica desse trato é suficiente para provocar a sensação de dor; por outro lado, a lesão desse trato (cordotomia anterolateral) pode resultar em uma redução importante na sensação de dor no lado do corpo contralateral à lesão.
→ O trato espinorreticular contém os axônios dos neurônios de projeção das lâminas VII e VIII. Ele ascende no quadrante anterolateral da medula espinal e termina na formação reticular e no tálamo (Figura 24-12). Os axônios dos neurônios desse trato não cruzam a linha média.
→ O trato espinomesencefálico (ou espinoparabraquial) contém os axônios dos neurônios de projeção das lâminas I e V. A informação transmitida ao longo dele contribui para o componente afetivo da dor. Esse trato se projeta no quadrante anterolateral da medula espinal para a formação reticular mesencefálica e para a substância cinzenta periaquedutal (Figura 24-12). Axônios desse trato também se projetam para o núcleo parabraquial. Neurônios do núcleo parabraquial projetam-se para a amígdala, um núcleo-chave do sistema límbico que regula o estado emocional. Muitos dos axônios dessa via cursam pela parte dorsal do funículo lateral em vez do quadrante anterolateral. Nos procedimentos cirúrgicos destinados a aliviar a dor, como a cordotomia anterolateral, a dispersão dessas fibras pode explicar a persistência ou a recorrência de dor mesmo após a cirurgia.
→ O trato cervicotalâmico ascende na substância branca lateral dos dois segmentos cervicais superiores da medula espinal e contém os axônios dos neurônios do núcleo cervical lateral, que recebem sinais dos neurônios das lâminas III e IV do corno dorsal. A maioria dos axônios desse trato cruza a linha média e ascende no lemnisco medial do tronco encefálico, terminando nos núcleos mesencefálicos e nos núcleos ventroposterior lateral e posteromedial do tálamo. Outros neurônios das lâminas III e IV mandam seus axônios diretamente para a coluna dorsal e terminam nos núcleos cuneiforme e grácil do bulbo.
→ O trato espino-hipotalâmico contém os axônios dos neurônios encontrados nas lâminas I, V e VIII do corno dorsal da medula espinal. Esses axônios se projetam para núcleos hipotalâmicos que servem como centros de controle autônomo, envolvidos na regulação das respostas neuroendócrinas e cardiovasculares que acompanham as síndromes dolorosas.
A percepção da dor é muito variável. Dependendo da atividade concomitante de aferências sensoriais não dolorosas e do contexto comportamental, o mesmo nível de atividade do nociceptor pode produzir mais ou menos dor. É muito importante compreender essa modulação da dor, pois ela pode oferecer novas estratégias para o tratamento da dor crônica, uma condição que aflige até 20% da população adulta.
Vimos que um toque leve pode causar dor pelo mecanismo da hiperalgesia. Contudo, a dor provocada pela atividade dos nociceptores também pode ser reduzida pela atividade simultânea de mecanorreceptores de limiar baixo (fibras Aβ). Presumivelmente, esse é o motivo pelo qual você se sente melhor quando massageia a pele da sua canela logo após contundi-la. Esse mecanismo também pode explicar o efeito de um tratamento elétrico para alguns tipos de dor crônica intratáveis. Fios condutores são fixos à superfície da pele, e, quando o paciente simplesmente liga um estimulador elétrico destinado a ativar axônios sensoriais de grande diâmetro, a dor é suprimida. Nos anos 1960, Ronald Melzack e Patrick Wall, do MIT (Instituto de Tecnolo- gia de Massachusetts), propuseram uma hipótese para explicar esses fenômenos. A teoria do portão da dor sugere que certos neurônios do corno dorsal, os quais projetam seus axônios pelo tracto espinotalâmico, são excitados tanto por axônios sensoriais de grande diâmetro como por axônios não mielinizados. O neurônio de projeção também é inibido por um interneurônio, e o interneurônio é simultaneamente excitado pelo axônio sensorial calibroso e inibido pelo axônio nociceptivo (Figura 12.33). Por meio desse circuito, a atividade apenas do axônio nociceptivo resultaria em excitação máxima do neurônio de projeção, permitindo que os sinais nociceptivos cheguem ao encéfalo. Contudo, se os axônios de mecanorreceptores dispararem conjuntamente, eles ativarão o interneurônio que suprimirá a sinalização nociceptiva.
Há inúmeras histórias sobre soldados, atletas e vítimas de tortura que sofreram ferimentos terríveis, mas aparentemente não sentiram dor. Emoções fortes, estresse ou determinação estoica podem suprimir de maneira poderosa as sensações dolorosas. Várias regiões encefálicas estão envolvidas na supressão da dor (Figura 12.34). Uma delas é uma região de neurônios do mesencéfalo, chamada de substância cinzenta periaquedutal (PAG, do inglês, periaqueductal gray matter). A estimulação elétrica da PAG pode causar analgesia profunda, que tem sido, algumas vezes, explorada clinicamente.
A PAG recebe, normalmente, aferências de várias estruturas do encéfalo, muitas das quais são responsáveis pela transmissão de informações relacionadas ao estado emocional. Os neurônios da PAG enviam axônios descendentes para várias regiões situadas na linha média do bulbo, principalmente para os núcleos da rafe (cujos neurônios liberam o neurotransmissor serotonina). Esses neurônios bulbares projetam os axônios, por sua vez, para os cornos dorsais da medula espinhal, onde podem deprimir de maneira eficiente a atividade dos neurônios nociceptivos.
3. Qual é a dose de toxicidade do paracetamol e de anti-inflamatórios?
PARACETAMOL
Divide-se em 4 estágios:
Fase 1 - Ausência de Injúria Hepática (0,5-24h): assintomático ou manifestações clínicas inespecíficas (náuseas, vômitos, diaforese, palidez, mal estar). Exames laboratoriais de função hepática se mantêm normais, ou apresentam discreta elevação de transaminases.
Fase 2 - Início da Injúria Hepática (24h–72h): dor no quadrante superior direito e aumento do fígado. Ocorre melhora dos sintomas da primeira fase. A Aspartato Aminotransferase (AST) é o marcador mais sensível para detectar o início da hepatotoxicidade e precede evidências de disfunção hepática (aumento do INR e de bilirrubinas). Pode ocorrer uma perda de função renal.
Fase 3 - Hepatotoxicidade Máxima (72h–96h): reaparecimento dos sintomas da primeira fase (náuseas, vômitos) simultaneamente a icterícia, confusão mental (encefalopatia hepática), coma e hemorragia. Os níveis de AST e da Alanina Aminotransferase (ALT) são maiores a 1.000 IU/L. Anormalidades de TP/INR, glicose, lactato, creatinina e pH são essenciais para determinar o prognóstico e o tratamento. Desfechos desfavoráveis geralmente ocorrem nesta fase, com falência hepática fulminante. Se o paciente sobreviver, ocorre resolução completa da disfunção hepática, sem sequelas.
Fase 4 – Resolução (4 dias a 2 semanas): pacientes que sobrevivem ao terceiro estágio entram numa fase de recuperação da função hepática. A recuperação histológica ocorre após a melhora clínica e pode demorar até três meses. Após este período não se encontram evidências de fibrose hepática.
Injúria Renal (24h–48h após a ingesta): hematúria, proteinúria, elevação de uréia e creatinina. Ocorre principalmente devido a necrose tubular aguda. A elevação da creatinina ocorre 2 a 3 dias após a ingesta (pico no 7º dia) e normaliza em um mês. Mas pode haver necessidade de diálise se o paciente apresentar oligúria.
Manifestações Clínicas:
**** Fase 1 (até 24 horas): Assintomático ou com sintomas gastrintestinais: anorexia, náusea, vômito;
**** Fase 2 (24 a 72 horas): Assintomático, mas á apresenta alterações de função hepática (TGO, TGP, INR, TP);
**** Fase 3 (72 a 96 horas): Necrose hepática: icterícia, náuseas, vômitos, distúrbios de coagulação, IRA, miocardiopatia, encefalopatia, confusão mental, coma e óbito;
Fase 4 (4 dias a 2 sem.):
Recuperação hepática com fibrose residual nos pacientes que sobrevivem.
Antídoto: N- acetilcisteina (NAC)
Deve ser administrado a qualquer paciente com risco de lesão hepática:
Nível sérico de paracetamol acima da linha de possível toxicidade no Normograma RumackMatthew;
História de ingestão de doses tóxicas e concentração não disponível ou tempo de ingestão desconhecido;
Iniciar NAC dentro das 8 primeiras horas após ingestão em pacientes com qualquer possível risco de hepatotoxicidade;
Os pacientes com mais de 24 horas após a ingestão que têm níveis mensuráveis de paracetamol ou evidências bioquímicas de hepatotoxicidade devem receber terapêutica com NAC até melhora da função hepática, mantendo a última fase do protocolo por dias, se necessário.
http://www.cvs.saude.sp.gov.br/up/MANUAL DE TOXICOLOGIA CLÍNICA - COVISA 2017.pdf
Dose tóxica:
Adulto: 10 g;
Crianças com menos de 6 anos: 200 mg/Kg;
Crianças com mais de 6 anos: 150 mg/Kg
http://www.cvs.saude.sp.gov.br/up/MANUAL DE TOXICOLOGIA CLÍNICA - COVISA 2017.pdf
Até 4g pode usar pra pessoa.
4. Descreva o mecanismo de arco-reflexo.
Silverthon
5. Descreva o mecanismo de ação dos analgésicos simples e anti-inflamatórios
A palavra analgésico, que dizer “sem dor”. Os analgésicos são medicamentos com o objetivo único de tirar a dor. Existem os analgésicos fortes como a morfina, oxicodona e o tramadol, por exemplo. São usados principalmente em ambiente hospitalar, para controlar a dor depois de uma cirurgia, ou a dor do câncer, ou também em emergências de queimados ou acidentados.
Essas tiram até mesmo a dor natural. Isto é, se dermos um beliscão em alguém que tomou morfina, ele sentirá menos dor do que se estivesse sem o medicamento. Existem também os analgésicos fracos como a codeína, a dipirona e o paracetamol. Esses só funcionam para dores moderadas ou leves, como dores de cabeça, pedra no rim, luxações e contusões. Porém, nenhuma dessas drogas é anti-inflamatória.
Legenda: Resumo dos mecanismos modulatórios na via nociceptiva. 5-HT, 5-hidroxitriptamina; BK, bradicinina; CGRP, peptídio relacionado com o gene da calcitonina; IL-1β, interleucina 1β; NE, norepinefrina; NGF, fator de crescimento neural; NO, óxido nítrico; AINE, anti-inflamatório não esteroide; PG, prostaglandina; SP, substância P; TNF-α, fator de necrose tumoral α.
Legenda: Canais, receptores e mecanismos de transdução de terminações aferentes nociceptivas. São mostrados somente os canais principais dos receptores. Os canais controlados por ligantes incluem os canais iônicos sensíveis a ácido (ASIC), os canais sensíveis ao ATP (receptores P2X) e o canal sensível à capsaicina (TRPV1), que também é sensível a prótons e à temperatura. São mostrados vários receptores facilitadores e inibitórios acoplados à proteína G (GPCR), os quais regulam a função dos canais por intermédio de vários sistemas de segundos mensageiros. Fatores de crescimento, como o fator de crescimento neural (NGF), atuam por meio de receptores ligados a quinases (TrkA) para controlar a função dos canais iônicos e a expressão de genes. Receptor B2, receptor tipo 2 da bradicinina; PKA, proteinoquinase A; PKC, proteinoquinase C.
OBS.: O uso seguro das medicações no SUS e automedicação.