Artigo 2

BEIJOS INESQUECÍVEIS

Desde os primórdios do cinema, os beijos sempre tiveram um papel de destaque. Em uma era em que o "The End" raramente surgia sem ser precedido pelo icônico beijo do casal protagonista, essa expressão de afeto tornou-se uma marca registrada da sétima arte. Mesmo nos dias atuais, alguns cineastas ainda optam por encerrar suas obras com esse toque romântico, como vemos em "O Segredo do Abismo" (filme de 1989).

No alvorecer do cinema, John C. Rice e May Irwin protagonizaram aquele que deve ser o primeiro beijo registrado em película, em um curta-metragem de apenas um rolo. Essa doce troca de afeto e bactérias atravessou décadas de produções cinematográficas, alcançando seu ápice na emocionante conclusão de "Cinema Paradiso" (filme de 1989): quando Salvatore herda um filme de seu falecido amigo Alfredo e, ao projetá-lo, descobre que é uma compilação de preciosos beijos censurados, cortados dos filmes pelo zeloso padre que então administrava o cinema da pequena cidade.

Seja com os lábios unidos ou entreabertos, com as línguas se tocando ou não, com carinhos sutis ou mais ardentes, a arte do beijo sempre deixou sua marca nos cinemas, seja nas telas ou entre os casais que ocupavam as poltronas da plateia. Contam as histórias que, em tempos passados, os namorados aprendiam a arte do beijo observando e praticando conforme o que viam os artistas fazerem nas telas. 

Alguns beijos são ingênuos e ternos como, por exemplo, no desenho animado "A Dama e o Vagabundo", de Walt Disney, em que a cadela poodle e o vira-lata tiveram suas bocas atraídas por um fio de macarrão. Outros, entretanto, faziam questão de arrostar a censura: nos anos 50, quando ainda predominava o execrável Código Hays (instituído em 1933 para conter a lascívia dos mais afoitos), Burt Lancaster e Deborah Kerr beijavam-se numa praia havaiana perturbados apenas por uma onda em "A Um Passo da Eternidade" (filme de 1953). Era o máximo de ousadia permitido naquela época de moralismo exacerbado.

A censura, por sua vez, serviu como catalisador para a criatividade de cineastas como Alfred Hitchcock. Em "Interlúdio" (filme de 1946), Ingrid Bergman e Cary Grant protagonizam o que talvez seja o beijo mais longo da história do cinema, habilmente dividido em partes para driblar a limitação de cinco segundos imposto pelo Código Hays. Conhecido como o "mestre do suspense", Hitchcock demonstrou maestria também na arte de filmar beijos, como em "Janela Indiscreta" (filme de 1954), onde o rosto lindo de Grace Kelly preenche a tela momentos antes de beijar o adormecido James Stewart, ou no fascinante "Um Corpo que Cai" (filme de 1958), em que a câmera gira 360º em torno de James Stewart e Kim Novak, criando um efeito vertiginoso que intensifica a paixão do momento. 

Em "Por Quem os Sinos Dobram" (filme de 1943), a inocência de Ingrid Bergman se manifesta em sua pergunta ingênua a Gary Cooper sobre como posicionar o nariz durante o beijo.  Esse não foi o dilema enfrentado pela experiente e provocativa Marilyn Monroe quando, em "Torrentes de Paixão" (filme de 1953), se viu imersa sob as quedas d'água do Niágara em meio a um ato de adultério; nem tampouco quando, em "Nunca Fui Santa" (filme de 1956), acalmou o agitado e imaturo Don Murray - um momento icônico registrado pelo instante em que um fio de saliva se estendeu entre seus lábios após o beijo. E, posteriormente, quase sufocou Tony Curtis na comédia "Quanto Mais Quente, Melhor" (filme de 1959). Em uma entrevista posterior, questionaram Curtis sobre como havia sido beijar Marilyn, e ele teve a indelicadeza de responder: “Foi como beijar Hitler, só que sem o bigode”.  

No clássico romântico "E o Vento Levou" (filme de 1939), Clark Gable e Vivien Leigh imortalizam um momento de paixão ardente, capturado sob a suave luz do crepúsculo. Seu beijo simboliza a inabalável força do amor diante das vicissitudes da vida. Outro momento de beijo que se destaca, revelando a tensão e o desejo intrínsecos à trama do filme, é quando Marlon Brando, com intensidade, envolve Eva Marie Saint e a conduz para trás de uma parede em "Sindicato de Ladrões" (filme de 1954). Talvez a sua memória prefira evocar a cena de Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, solitários na proa do navio em "Titanic" (filme de 1997), simbolizando a esperança e o amor que transcendem as fronteiras da tragédia.

Ainda hoje continua linda a cena em que Vivien Leigh deixa o guarda-chuva tombar para trás, dobra uma das pernas e beija Robert Taylor sob a chuva no clássico romântico "A Ponte de Waterloo" (filme de 1940). Outros momentos memoráveis incluem o jovem Dustin Hoffman fazendo Anne Bancroft soltar fumaça, literalmente, em "A Primeira Noite de um Homem" (filme de 1967); William Hurt quebra uma janela que se interpunha entre ele e Kathleen Turner, até culminar num beijo ardente em "Corpos Ardentes" (filme de 1981); e Michelle Pfeiffer surpreende com um beijo inusitado e sensual em Michael Keaton, desafiando as expectativas do público e redefinindo a imagem da Mulher-Gato.

Em "Rosas de Sangue" (filme de 1960), Roger Vadim enfrentou a censura ao filmar um beijo lésbico entre Elsa Martinelli e Annette Stroyberg, abrindo caminho para a representatividade LGBT no cinema. Oito anos depois, Kirk Douglas e Alex Cord encenaram aquele que é conhecido entre os mafiosos como o beijo da morte, em "Sangue de Irmãos". Alguns anos depois, Susan Sarandon e Catherine Deneuve se entregam a um beijo apaixonado e visceral em "Fome de Viver" (filme de 1983), explorando a temática da homossexualidade feminina de forma inovadora e transgressora. Desafiando os dogmas religiosos, "O Padre" (filme de 1994) mostrou o padre Linus Roache beijando o seu amante Robert Carlyle, levantando questionamentos sobre fé, amor e repressão.

Ao concluir, sinto-me compelido a mencionar um filme que permanece incontestável como meu favorito por excelência: "Um Lugar ao Sol" (filme de 1951), sob a direção magistral do classicista George Stevens. Na cena do primeiro beijo, destaca-se pelo formidável "close-up" dos belos rostos de Montgomery Clift e Elizabeth Taylor. Este filme, reverenciado por Charles Chaplin como o ápice da sétima arte, proporciona uma experiência singular e inesquecível.

Este é apenas um breve retrospecto da infinidade de beijos memoráveis que o cinema nos oferece. Cada um com sua história, sua emoção e sua beleza singular. E você, qual o seu beijo favorito?

Escrito por Hildebrando Martins em 1995 e reescrito em 1997, 2003 e 2024 (com a ajuda de duas inteligências artificiais)