Viroses: outro problema ampliado pelo rompimento da barragem de Fundão

Sabe-se que o rompimento da barragem de Fundão gerou muitas mudanças no ecossistema e nas vidas humanas. Mas o que mais poderia alterar? Um estudo mostrou que os rejeitos contribuem para a replicação dos vírus que causam hepatite e diarreia.

Muitos problemas de saúde estão relacionados ao ambiente onde as pessoas estão inseridas. Esses problemas podem estar relacionados ao ar poluído, aos solos cheios de agrotóxicos e contaminantes e que, ainda assim, são usados para a produção de alimentos, e até à água usada para o consumo, que pode apresentar altos teores de elementos contaminantes e prejudiciais à saúde.

O rompimento da barragem de Fundão trouxe muitas alterações no ambiente e na vida das pessoas atingidas, mudanças essas, que refletem, direta e indiretamente, na saúde psicológica e física. Porém, alguns questionamentos sobre os danos à saúde dos atingidos ainda estão sem respostas, e as pessoas não têm consciência sobre quais males os rejeitos podem causar.

Diante disso, pesquisadores da Universidade Federal da Fronteira do Sul, em parceria com a Fundação da Universidade do Contestado, a Universidade Federal de Ouro Preto, a Universidade de Burgos e o Instituto Tecnológico Agrario de Castilla y León, fizeram um estudo sobre a relação entre a ocorrência de hepatite A e diarreia (causada por um tipo de adenovírus humano) com os rejeitos da barragem de Fundão; duas doenças que atacam o estômago e o intestino humano e que podem gerar consequências graves.

Pessoas andando no meio dos rejeitos em dia chuvoso em Barra Longa, MG. Fonte: Alfredo Costa, 2015.

Primeiramente, o estudo reforça que raros são os trabalhos que tratam dos vírus e das potencialidades dos mesmos, após o rompimento da barragem de Fundão. Para suprir essa demanda, os pesquisadores coletaram amostras das águas do rio Gualaxo do Norte em cinco localidades (1 e 2 são locais que não foram atingidos pelos rejeitos; 3, 4 e 5 estão a jusante da barragem, locais que sofreram com a passagem da lama) , para fazerem uma comparação entre os resultados laboratoriais de áreas afetadas e não afetadas pelos rejeitos.

De início, perceberam que, pelo saneamento ser bastante precário na região, isso facilitaria a contaminação das águas do Gualaxo do Norte com vírus, bactérias, protozoários e etc., através de coliformes fecais (originados da falta de tratamento dos esgotos domésticos, entre outras fontes). Além de causarem problemas para a saúde humana, os metais presentes nos rejeitos (e que foram parar nas águas) contribuem para o aumento da virulência de vírus. O que seria virulência? A capacidade que os vírus têm de se multiplicarem e contaminarem as pessoas.

O ferro em alta concentração pode influenciar o aumento da variabilidade de vírus presentes em uma região, além disso, pode alterar o genoma dos vírus fazendo-os serem mais infecciosos. As águas que não foram atingidas diretamente pelos rejeitos também estão contaminadas pelos vírus de hepatite A e pelo adenovírus humano, mas em menor quantidade quando comparadas com as águas a jusante (afetadas com a passagem dos rejeitos), que obtiveram maiores concentrações de ferro e turbidez. O mais preocupante foi que 40 das 45 amostras de água deram o resultado de serem positivas para a hepatite A e adenovírus humano (doenças intestinais e/ou estomacais provindas de vírus nas águas do rio).

O ferro pode se ligar às partículas sólidas, agregando assim as partículas virais. Essa agregação pode facilitar a estabilidade dos vírus, protegendo-os de fatores inativadores (que os destroem), como, por exemplo, raios UVA e UVB, provenientes da radiação solar, que são predominantes em ecossistemas abertos. Com isso, a presença da lama e da alta concentração de ferro, pode ter aumentado a potencialidade viral nas águas afetadas. Foram estudadas cem placas com amostras de águas não tratadas. O diâmetro médio das placas virais nas águas que não foram afetadas foi de 2,3mm, e das placas de locais afetados foi de 5,3mm, mostrando uma diferença significativa na infectividade e virulência viral.

Resultados dos testes de Hepatite A (HAV) e Adenovírus humano (diarreia; HAdV-2) no rio Gualaxo do Norte. (Números 1 e 2 são de áreas não afetadas pelos rejeitos; números 3, 4 e 5 são de áreas afetadas). Nota-se que, em locais não afetados, a quantidade de vírus encontrados é bem menor em comparação com as áreas afetadas. Fonte: Fongaro, Gislaine et al. (2019) .

Por fim, os íons metálicos podem aumentar a penetração de um vírus na célula hospedeira, podendo alterar a capacidade replicativa dos vírus, fazendo haver um maior efeito citopático (entrada de um vírus ou bactéria em uma célula hospedeira alterando-a). Devemos ressaltar que esse problema também está relacionado ao vírus da dengue, aumentando o número de casos na região afetada, e que o saneamento básico precário contribuiu para a contaminação das águas antes do rompimento, o que se agravou após o desastre.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
FONGARO, Gislaine; VIANCELLI, Aline; REIS, Deyse; SANTIAGO, Aníbal; HERNÁNDEZ, Marta; MICHELLON, Willian; LANNA, Maria Célia da Silva; TREICHEL, Helen; RODRÍGUES-LÁZARO, David. Mineral Waste Containing High Levels of Iron from an Environmental Disaster (Bento Rodrigues, Mariana, Brazil) is Associated with Higher Titers of Enteric Viruses. Food Environ Virol 11, 178–183 (2019). https://doi.org/10.1007/s12560-019-09373-5