Os efeitos dos metais na vida no rio Paraopeba

A presença de metais na água e nos sedimentos do rio Paraopeba pode afetar profundamente todo o ecossistema local. Até onde isso transforma a biodiversidade da bacia e a vida da população do entorno?

O que se sabe sobre as consequências para os organismos que vivem nas águas do Paraopeba das altas concentrações de diversos metais despejados pelo rompimento da barragem da Vale? Uma equipe de pesquisadores de diferentes universidades e instituições se reuniu para investigar os efeitos biológicos do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, ocorrida em janeiro de 2019 no município de Brumadinho - MG. As consequências do crime sobre os organismos do entorno foi estudada através da análise da água e dos sedimentos, após a liberação dos 12 milhões de m3 de rejeitos de minério nos rios. Compreender melhor essas consequências é de extrema importância se considerarmos que o sedimento em suspensão na água, ou até mesmo o sedimento remobilizado das margens pode ser ingerido por peixes, por exemplo, passado para outros níveis da cadeia alimentar, incluindo a população que os consome.

Imagem 1: mapa da área da pesquisa com os pontos de coleta no rio Paraopeba. Fonte: VERGILIO et. al. (2020).

As amostras de sedimento e de água foram retiradas de sete pontos na bacia do rio Paraopeba, cinco dias após o rompimento. O primeiro ponto está localizado antes da barragem, sem ser afetado pela lama do rompimento, o segundo está na área mais próxima à barragem e os demais pontos distribuem-se ao longo do rio, desde Brumadinho até Retiro Baixo, já a 302 quilômetros de distância. Com as amostras coletadas foram feitos testes biológicos, análise dos metais totais e dos metais dissolvidos, além da medição de parâmetros como condutividade elétrica, turbidez, pH, dentre outros. Os dados obtidos com a as análises das amostras foram comparados aos valores médios de cada elemento químico dessa mesma área nos períodos anteriores ao rompimento, segundo o banco de dados do Serviço Geológico do Brasil. Para melhor entender o efeito desses metais sobre a fauna e a flora, algas, crustáceos e peixes foram expostos, em laboratório, à água do rio e ao sedimento solubilizado.

Devido à grande quantidade de material fino em suspensão na água do rio Paraopeba após o rompimento, os níveis de turbidez ficaram muito acima dos valores recomendados pela legislação brasileira, representando um extremo sem precedentes na série histórica dessa bacia hidrográfica. Porém cada um dos demais parâmetros mensurados nas amostras coletadas variou de forma distinta. Assim, alguns elementos apresentaram valores mais altos na área antes da barragem, devido a atividades de mineração que ocorrem de forma constante nessa porção da bacia, como o mercúrio que é proveniente da mineração de ouro. Outros elementos apresentam picos nos pontos mais abaixo do rio, causados por fatores locais. Apesar disso, a maior parte dos parâmetros avaliados, incluindo, por exemplo, a quantidade de ferro, de manganês e a turbidez da água, tiveram seus picos registrados no ponto de coleta logo abaixo da barragem e foram diminuindo ao longo do rio. Vale lembrar que aqueles elementos químicos que estão naturalmente presentes nas rochas da bacia não apresentaram grandes variações de concentração nas amostras retiradas ao longo do rio, principalmente nas amostras de sedimento.

Imagem 2: os três gráficos representam respectivamente a inibição de crescimento das algas, a imobilidade gerada aos crustáceos e a mortalidade nos peixes. Essa informação é dada em relação à distância da barragem rompida.
Fontes: VERGILIO et. al. (2020).

Os principais efeitos biológicos da liberação da lama da mineração se deram a partir da inibição do crescimento das células em algas, da imobilidade de microcrustáceos e da indução de 20% da mortalidade de peixes, quando expostos ao sedimento diluído em laboratório. Outra questão que afeta os peixes é o acúmulo de metais como ferro, alumínio e manganês em seus tecidos musculares, algo percebido tanto na exposição à água do rio como ao sedimento. Elementos como ferro, alumínio, cádmio, manganês, chumbo, zinco e urânio apresentavam valores superiores ao permitido pela legislação brasileira para rios como o Paraopeba, mas, além destes, outros dezesseis elementos químicos apresentaram maiores taxas após o rompimento. Vale lembrar que, nos dias de coleta, a lama ainda não havia alcançado todos os pontos e, por isso, as taxas tendem a permanecer mais altas apenas nos pontos mais próximos à barragem.

Apesar desse evidente acréscimo na quantidade de elementos químicos após a ruptura da barragem em Brumadinho, é válido ressaltar que através da análise de sedimentos mais antigos nas margens dos cursos d’água, ou em áreas não afetadas pelo rejeito, torna-se possível reconhecer os outros fatores que vêm alterando a química das águas e dos sedimentos. Assim, vale apontar que na bacia do rio Paraopeba existem diversas outras atividades que contribuem para sua poluição, como a mineração de ouro e a liberação irregular de resíduos domésticos sem qualquer tipo de tratamento.

Por meio das análises laboratoriais, pôde-se perceber que tanto a água como os sedimentos da área atingida após o rompimento da barragem, em janeiro de 2019, causaram problemas para as espécies que dependiam do rio. A influência sobre a vida e possível mortalidade dessas espécies compromete a diversidade ecológica e biológica da região. Um fator agravante é a alimentação da população do entorno que, muitas vezes, depende dos peixes retirados do rio, ou seja, os pescadores, suas famílias e seus compradores podem acabar consumindo peixes com alto teor de metais em seus organismos, fator que pode vir a comprometer a saúde humana, considerando que seus efeitos ainda não são totalmente estudados.

Os rompimentos de barragem causam uma série de consequências imediatas e extremamente profundas, seja sobre a população, sobre a morfologia do curso d’água, sobre as plantas e animais, etc., mas uma diversidade de outras consequências se dão a longo prazo e transformam vidas diariamente. Quando falamos sobre a possibilidade de intoxicação de algas, crustáceos e peixes, devemos levar em conta que os metais presentes no material já sedimentado podem ser facilmente remobilizados, ou seja, é muito provável que a liberação desses elementos químicos seja algo contínuo nos próximos anos, impossibilitando a sobrevivência plena de diversas espécies e a permanência dos moradores da área. É válido lembrar que essa pesquisa foi feita pouco tempo depois do rompimento, algo que reforça a necessidade de atualização de dados e informações conforme a situação se desenvolva.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
VERGILIO, Cristiane dos Santos; LACERDA, Diego; OLIVEIRA, Braulio Cherene Vaz de; SARTORI, Echily; CAMPOS, Gabriela Munis; PEREIRA, Anna Luiza de Souza; AGUIAR, Diego Borges de; SOUZA, Tatiana da Silva; ALMEIDA, Marcelo Gomes de; THOMPSON, Fabiano; REZENDE, Carlos Eduardo de. Metal concentrations and biological effects from one of the largest mining disasters in the world (Brumadinho, Minas Gerais, Brazil). Scientific Reports (natureresearch), 2020.