O rejeito não é o único problema

De certo que o rompimento da barragem de Fundão afetou os corpos hídricos e as populações que deles dependiam, mas será que toda a contaminação verificada na água do Rio Gualaxo do Norte pode ser ligada aos rejeitos que vazaram de Fundão?

Após o rompimento da barragem de Fundão, muito se falou da contaminação que alcançou o Rio Doce e do seu impacto nas áreas banhadas por ele, deixando em segundo plano uma das áreas que mais foram afetadas pelo rompimento: a bacia do Rio Gualaxo do Norte. A barragem se rompeu lançando os seus rejeitos em 48 km dos 60 km de extensão do rio Gualaxo do Norte, assim tendo afetado diretamente 4/5 do corpo hídrico.

Para auxiliar no entendimento do estrago causado no Rio Gualaxo do Norte, uma dissertação de mestrado foi elaborada na Universidade Federal de Ouro Preto, a qual analisou os componentes encontrados na água em 27 pontos diferentes pelo rio, 10 pontos antes da área atingida e 17 dentro da área atingida. Tendo definido os pontos, o controle e as análises foram feitos dentro de um ano hidrológico, compreendido entre julho de 2016 e junho de 2017, assim dando a chance de analisar e monitorar a qualidade da água, tanto no período de cheia quanto no de vazante.

O propósito do trabalho foi analisar a água contaminada pelos os rejeitos vindo da barragem, para conseguir interpretar os reais danos causados ao ecossistema. Assim, a intenção era detalhar a composição química das águas na bacia. Para isso, foram realizadas 12 coletas dentro do período de um ano hidrológico em todos os 27 pontos de controle definidos. Com essas amostras em mãos, iniciou-se um ciclo composto de várias análises laboratoriais, usando diversas técnicas, para poder garantir maior precisão dos resultados encontrados, para cada um dos meses da pesquisa.

Imagem 1: Mapa produzido pela autora do texto mostrando onde se localizam os 27 pontos de coleta utilizados no processo de coleta das amostras de água. Fonte: SANTOS, Grazielle Rocha dos; 2016

Como o trabalho também tinha interesse nas pessoas que residiam próximas ao rio, foi feito um levantamento das atividades econômicas realizadas nas áreas marginais, desde a nascente até a foz do rio Gualaxo do Norte. A autora se deparou com diversas atividades econômicas, desde a agricultura até aquelas relacionadas às cidades que cresceram nas margens do rio. Porém, quando se observou as áreas urbanas um novo ponto se fez relevante no estudo: a inexistência de um serviço de tratamento de esgoto.

Os resultados laboratoriais mostraram que diversos elementos químicos presentes no rio estavam em níveis alarmantes, podendo gerar problemas de saúde pela ingestão dos mesmos. Foi observado que as concentrações de metais oscilaram entre os períodos chuvosos e secos. A turbidez da água foi o parâmetro analisado que mais mostrou variações, com menores índices no período de cheia e com um aumento na seca. Ao longo do rio, de uma forma geral, foi percebido que a concentração dos metais dissolvidos é mais baixa antes do deságue do córrego Santarém (de onde veio os rejeitos). Após sua confluência, tem-se as maiores concentrações de contaminantes.

De posse desses dados, pode-se iniciar um comparativo usando a lama como base. É realmente desnecessário falar que a onda de lama foi a real culpada pela destruição do patrimônio existente nas margens do rio, da vegetação ali presente e da fauna local (aquática, terrestre ou aérea), porém os resultados mostram que a água do rio Gualaxo do Norte também apresentava sinais de contaminação nos pontos analisados “rio acima”, antes da entrada da lama no rio. Dentre esses contaminantes pré-rompimento, o esgoto urbano foi apontado como o maior responsável.

Imagem 2: Fotografia do Rio Gualaxo do Norte/MG logo após o rompimento da barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco S.A. Fonte: SANTOS, Grazielle Rocha dos; 2016

Após essa afirmação, a autora buscou informações sobre como ocorria o tratamento de esgoto pelos municípios que ficavam próximos ao rio, e descobriu que grande parte deles não realizava qualquer tipo de tratamento, promovendo o descarte desse esgoto diretamente no corpo hídrico. Assim, as análises feitas na região que não foi atingida propiciaram padrões de controle que foram muito úteis para conseguir compreender como o rio se encontrava no período do rompimento.

A grande concentração de nitratos, coliformes fecais e cloretos na água do rio Gualaxo do Norte atestou que o descarte do esgoto urbano realmente era feito de forma inapropriada durante todo o ano. Porém, também foi notado grande quantidade de resíduo de mineração que ainda permanecia pelo rio. Resíduos esses que durante a seca se depositam no leito do rio, mas na cheia, com o aumento da vazão, retornam à superfície.

Com isso, podemos ver claramente que os resíduos liberados pela barragem não são os únicos problemas da região, e que eles vão continuar aparecendo conforme o rio for passando pelos períodos chuvosos e de estiagem. Em contrapartida, temos o esgoto urbano que foi presença constante e de destaque nas amostras coletadas, o que deveria acender um alerta para a administração pública dos municípios drenados pelo rio Gualaxo do Norte, que parecem não se importar com a saúde do rio de onde muitos tiram seu alimento e sua água. Assim, com base em todo o analisado, se percebeu que um saneamento básico é algo de extrema importância para as cidades próximas ao rio Gualaxo do Norte, porque por mais que os resíduos de mineração sejam escoados, o esgoto irá continuar sendo despejado diariamente no rio.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
SANTOS, Grazielle Rocha dos. TÉCNICAS DE RECONHECIMENTO DE PADRÕES PARA A AVALIAÇÃO DE CORPOS HÍDRICOS AFETADOS POR REJEITOS DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO. 2018. 156 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Engenharia Ambiental, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental (Proamb), Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2018. Disponível em: http://www.repositorio.ufop.br/handle/123456789/9682. Acesso em: 01 ago. 2020.