Insuficiências da gestão de recursos naturais no caso do rompimento da barragem de Fundão

A água é fundamental para a sobrevivência humana, mas e quando a água vira lama? Quem deveria evitar e/ou resolver este problema?

O ser humano, desde os primórdios de sua existência, utiliza de elementos da natureza para sua sobrevivência. Utilizamos os recursos naturais quando estão em sua maneira mais pura, como a terra e a água, mas também usamos a natureza como matéria prima para elaboração de objetos e ferramentas. Porém, com o desenvolvimento e com os avanços da sociedade, o uso dos recursos naturais precisou começar a ser gerido, administrado por órgãos públicos, pelo Estado, pois nem todos esses recursos podem e serão utilizados e extraídos da maneira “correta”. A exploração do meio ambiente pode acarretar em inúmeros problemas, e nem todas as pessoas terão as mesmas condições de uso e qualidade de recursos naturais que são essenciais, como a água, por exemplo. Mas será que os órgãos competentes tem conseguido gerir esses recursos? Será que a água, recurso utilizado e fundamental para toda a sociedade, está disponível com qualidade para todos?

O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana-MG, mostra que não. Milhares de pessoas foram atingidas com onda de lama que escorreu desta barragem, contaminando o rio Doce, destruindo a vegetação, alterando a paisagem e matando animais e pessoas daquela região.

Buscando compreender quais foram as consequências desse desastre e como a gestão dos recursos naturais poderia ajudar a diminuir um pouco desses danos, um grupo de pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais, realizou um estudo onde foram analisadas amostras de água e sedimento de quatro pontos da região atingida. Eles fizeram um levantamento de dados secundários referentes ao rompimento e, ainda, trouxeram apontamentos sobre as falhas e possíveis melhorias na gestão de recursos hídricos que poderiam amenizar os danos causados por este desastre.

Imagem 1: Charge.Fonte: O Tempo

As análises realizadas mostraram que na água e nos sedimentos do rio Doce, há uma alta concentração de alumínio, ferro, manganês, magnésio, além da alta concentração de sólidos totais dissolvidos. As amostras apresentaram ainda modificações em suas comunidades bacterianas e alta toxicidade crônica, o que pode modificar e afetar a qualidade dos ecossistemas aquáticos.

Mas quem deve garantir que esses danos não sejam permanentes, tanto na natureza como na vida de cada atingido?

Em primeiro lugar, os órgãos responsáveis pela gestão dos recursos naturais (incluindo a água). Eles têm como função administrar e mediar conflitos sobre recursos naturais, além de fiscalizar e evitar que desastres como esse aconteçam. Porém, segundo os autores, estes órgãos carecem de capacidade técnica para cumprir e garantir a realização destas funções, e aí está uma das falhas desse sistema de gestão.

Em segundo lugar, a empresa responsável pela barragem (Samarco/Vale/BHP Billiton). Era função dela, cuidar e assegurar que a barragem estivesse segura para operar, através de seus Planos de Segurança de Barragem e, no caso de um eventual rompimento da barragem, do seu Plano de Ação Emergencial. O que não ocorreu no caso de Fundão.

Imagem 2: Grafite com casas, objetos e pessoas soterrados pela lama, mãos jogando mais lama, e uma televisão ligada com a bandeira do Brasil.Fonte: Instagram @osgemeos

Os autores do estudo então trazem a proposta de uma nova abordagem ao lidar com recursos naturais, visto que o sistema atual apresenta inúmeras falhas (comprovadas pelo rompimento de Fundão). Essa proposta se baseia na “governança das águas”, que integra os eixos social, econômico, político e ambiental, garantindo o uso democrático e sustentável da água. Para que isso ocorra, é necessário que o Estado, a população e as empresas trabalhem juntos, cada um cumprimdo com suas respectivas responsabilidades.

Mas e no caso de Fundão, o que precisa ser feito para se recuperar a bacia do rio Doce?

É necessário, em primeiro lugar, que as decisões sejam tomadas de maneira coletiva, levando em conta a singularidade de cada localidades e população atingida. Uma das abordagens proposta pelos autores, é considerar as sub-bacias do rio Doce como “áreas de trabalho”.

A criação de redes de contato entre cidadãos, moradores do entorno do Rio Doce, e grupos acadêmicos é de extrema importância para que construa uma perspectiva do atingido (e de suas demandas) na ciência, além de ser um mecanismo de educação e comunicação para com essas pessoas. Esse é um importante caminho para que possamos questionar o sistema de leis e instituições que vem gerindo as barragens no Brasil. É necessário compreender que o papel das entidades fiscalizadoras deve ser comprometido com a sociedade e em defesa desta, e não mais um processo rotineiro e sem importância a favor das empresas. Por fim, a mudança fundamental é na lógica do fazer ambiental no Brasil, promovendo maior diálogo com a sociedade civil e maior equilíbrio na balança de interesses que gere o meio ambiente.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
BARBOSA, Francisco Antônio Rodrigues; MAIA-BARBOSA, Paulina Maria; NASCIMENTO, Andrea Maria Amaral; RIETZLER, Arnola Cecilia; FRANCO, Maione Wittig; PAES, Thecia Alfenas; REIS, Mariana; DIAS, Marcela França; ÁVILA, Marcelo de Paula, OLIVEIRA, Lucas Antonio Gomes. O desastre de Mariana e suas consequências sociais, econômicas, políticas e ambientais: porque evoluir da abordagem de Gestão dos recursos naturais para Governança dos recursos naturais?. Arquivos do Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG, v. 24, n. 1-2, 2015.