Lama, água e sal: o desastre chegou ao oceano

"Para onde foi a lama da Samarco depois que encontrou o oceano? Quando os rejeitos chegaram ao Atlântico, o desastre ganhou novas proporções. Para sabermos o caminho dos contaminantes no oceano, precisamos entender o relevo, as correntes marinhas e até mesmo a direção dos ventos."

Após o rompimento da barragem de Fundão, uma enorme quantidade de rejeitos foi liberada nos rios da bacia do Rio Doce, como uma grande avalanche de lama que causou mortes, destruição e caos para a vegetação, para os animais e para os moradores de toda a região. A lama percorreu 600 quilômetros em 17 dias, chegando assim à foz do Rio Doce, onde se localiza a Vila de Regência (pertencente ao município de Linhares-ES), se lançando no oceano de forma incontrolável e imprevisível.

Isso levantou muitas perguntas aos cientistas que estavam estudando o tamanho e a proporção ambiental do desastre, chamando a atenção do Departamento de Física da Universidade de Aveiro, em Portugal. Em parceria com o Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Espírito Santo e com o Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os cientistas dessas instituições se debruçaram sobre a dispersão dos rejeitos nas águas do mar, reforçando a necessidade de monitorar e calcular o efeito desse desastre no Atlântico, algo que não havia sido feito anteriormente.

Para conseguir avaliar o tamanho do estrago no oceano, foram usadas muitas técnicas diferentes para poder observar o litoral brasileiro. Foi feito um mapeamento do oceano com imagens de satélite atualizadas conforme a lama se dispersava, mas só isso não bastaria. Então foram adicionados à análise os dados climáticos do litoral, as correntes marítimas locais e as correntes de vento, já que este desempenha um papel fundamental na dispersão dos resíduos.

A imagem mostra toda a área que foi monitorada, destacando pontos relevantes para análise e todo o curso do Rio Doce.

Claro que, depois que a lama chegou, não era fácil identificá-la a olho nu devido à mistura com a água, por isso foram usadas partículas tingidas com corante, facilitando o controle e monitoramento do “para onde elas vão?”. Com o uso desse corante artificial, cria-se um destaque nessas partículas quando lançadas no oceano, podendo acompanhá-las.

Foram feitas duas simulações em períodos diferentes para que se tivesse uma ideia das possíveis rotas que as partículas tomariam. Uma delas representava o “antes do desastre”, entre 1 de Janeiro e 23 de Novembro de 2015, sendo realizada com dados de computador e utilizada como padrão de comparação. A outra representava o período do dia 23 de Novembro de 2015 até o dia 25 de Janeiro de 2016, já após a chegada da lama na foz. Foi feita com a associação dos modelos computacionais com o uso das partículas com corante, para melhor analisar qual seria a área atingida.

Quando tudo foi colocado em prática, eles perceberam a importância de se levar em conta as correntes de vento na região (que, até então, não estavam entrando nos cálculos), tanto quanto as correntes marítimas. Logo no início desse segundo conjunto de simulações, os ventos em direção ao Norte acabaram impedindo que as partículas que estavam indo no sentido sul continuassem, assim, diminuindo suas velocidades, mas não impedindo totalmente a propagação delas em direção ao sul. Sinal disso é o fato de que a seção litorânea, ao norte da foz do rio, não apresentou qualquer transporte de sedimentos. Devido à chegada constante de resíduos na foz do Rio Doce, o movimento de dispersão norte-sul continuou de forma inconstante, com locais no mesmo trecho com maiores concentrações e outros com menores, mostrando que o fato do fluxo hídrico na foz ser inconstante influencia diretamente na dispersão das partículas que seguem no sentido sul.

Na semana seguinte ao dia 16 de dezembro de 2015, muitas partículas foram vistas próximas a cidade de Vitória-ES, devido a um longo período de ventos soprando sentido sul, o que mais uma vez mostra a importância de se levar em conta os ventos em uma análise de dispersão em mar aberto como essa. Depois de sete semanas de monitoramento, a velocidade de dispersão caiu muito devido, novamente, à influência dos ventos que estavam freando as partículas. Foi visto também que, entre 10 a 35 dias após o início da simulação com as partículas, algumas foram vistas no mar aberto próximo à cidade do Rio de Janeiro-RJ, o que confirma a dispersão dessas partículas para áreas mais distantes da foz.

Um dos maiores problemas para poder fazer essa análise da dispersão de forma mais segura é o fato de que essa pesquisa não se utilizou do acompanhamento da quantidade de resíduo que chegou de verdade na foz do Rio Doce, não obtendo, desse modo, dados de comparação seguros. Ainda assim, os experimentos que foram feitos usando os dados mensais mostraram uma informação muito importante: os resíduos podem chegar a até 100 quilômetros no sentido sul da foz, devido à influência dos ventos que se fizeram presentes durante o monitoramento. Porém, os ventos também tiveram um papel de espalhar as partículas no sentido sul e de frear o movimento delas no sentido norte. Foi por isso que esse trabalho não encontrou nenhuma das partículas usadas no monitoramento no Arquipélago de Abrolhos-BA, por exemplo.

Imagem mostra como foi feito o mapeamento e o monitoramento via satélite do litoral brasileiro em diferentes dias. Com o uso de gráficos de cor demonstrando intensidade de partículas, podemos ver nas imagens da terceira fileira, a movimentação da pluma de rejeitos.

Podemos afirmar que o ponto forte desse estudo acabou sendo a confirmação da influência dos ventos e das correntes marítimas na dispersão de partículas pelo oceano, já que foi devido a isso que conseguiu se imaginar a extensão que a lama poderia ter chegado e quais áreas seriam mais e menos afetadas. Com base em tudo o que foi debatido, podemos dizer que a partir do ponto em que a lama entrou no oceano, ela virou uma ameaça invisível a todo o ecossistema marinho costeiro e também às pessoas que dependem da pesca para subsistência. Assim, cabe um controle maior da qualidade dos alimentos do mar originado dessas áreas por parte dos órgãos reguladores públicos, afinal, o problema é de todos.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
MARTA-ALMEIDA, Martinho; MENDES, Renato; AMORIM, Fabiola N.; CIRANO, Mauro; DIAS, João M. Fundão Dam collapse: oceanic dispersion of river doce after the greatest brazilian environmental accident. Marine Pollution Bulletin, [s.i.], v. 112, n. 1-2, p. 359-364, 05 Nov. 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.marpolbul.2016.07.039.