Não Foi Acidente

"Para toda ação há uma emoção e para toda emoção há uma ação! A barragem de Fundão se rompeu, a população nas margens do rio Doce sentiu. Sentiu na pele e no rio, mas população também re-existiu."

Grandes traumas trazem diferentes emoções e, consequentemente, diferentes reações para as pessoas que os vivenciam, principalmente quando estamos falando de uma tragédia que atingiu dois estados, em uma extensão de aproximadamente 600 km e que mudou o cotidiano de centenas de pessoas. Mas e quando sabemos que o desastre poderia ter sido evitado? Com certeza, os nossos sentimentos e, sobretudo, os de quem foi afetado,mudam. Assim foi com os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão. A lama que passou por diversas cidades do estado de Minas gerais e do Espírito Santo, levou consigo muitas lágrimas, gerou muita tristeza, raiva e revolta, mas deixou em cada cidade por onde passou um sentimento de “isso não pode ficar assim”.

A mistura de sentimentos e a comoção nacional que o rompimento da barragem de Fundão gerou, levou uma pesquisadora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo até as localidades atingidas pela lama no estado. A busca era por compreender, através de entrevistas e reuniões com os atingidos e movimentos sociais, como as emoções e o sentimento das pessoas funcionavam como combustível para mobilizações e ações coletivas.

O rompimento da barragem de Fundão gerou vários sentimentos na população atingida; sentimentos individuais e coletivos. A primeira emoção relatada pelos atingidos foi a ansiedade. A ansiedade pela chegada dos rejeitos, ansiedade em saber o que esse acontecimento mudaria na vida da população. Após a passagem da lama, o sentimento de ansiedade se transformou em tristeza, pois coisas do cotidiano das pessoas (como o rio), agora teriam um outro significado, um outro propósito. Esses sentimentos nos levam ao primeiro fator que pode gerar uma ação coletiva, a experiência.

Ato de 1 ano de Injustiça- 1 ano após o rompimento da barragem de Fundão, em que os atingidos, junto com os movimentos sociais, foram até Bento Rodrigues, localidade mais próxima a barragem de Fundão, e protestaram pedindo justiça. Fonte: MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS (MAB)Disponível em : https://www.mabnacional.org.br/

A mesma experiência será sentida de maneira diferente por cada indivíduo, porém, esses sentimentos podem ser direcionados para uma mesma ação. Os danos e mudanças causados pelo rompimento da barragem de Fundão trouxeram um turbilhão de emoções para as pessoas que o “experimentaram”, e essa experiência trouxe e traz a necessidade de fazerem algo a respeito. A questão emocional direciona boa parte dessas pessoas para a ação, trazendo a elas a decisão de se envolver na busca e na luta por seus direitos.

A busca por esses direitos está ligada à moral, ao que chamamos de certo e errado e até ao sentimento de injustiça. Foi este sentimento que fortaleceu e estimulou as pessoas atingidas a lutarem por justiça, pois estes estão sofrendo com o que foi causado pela Samarco/ Vale/BHP. Quando em uma mobilização se tem claro o porque, pelo que, e contra quem/o que está se manifestando, as ações coletivas passam a ter uma intencionalidade e as pessoas injustiçadas se mantém firmes na luta.

Todos os sentimentos e emoções são íntimos e individuais, porém o que foi modificado e/ou perdido é coletivo. O rio Doce foi atingido, o dia-a-dia das pessoas foi alterado. Assim, as emoções e injustiças são compartilhadas. Isso leva a comunidade local (mesmo aqueles que não foram atingidos diretamente) a se envolver e apoiar as mobilizações e as ações coletivas.

Porém, as mobilizações e atos coletivos não acontecem apenas com as pessoas com lastro no território. O rompimento da barragem de Fundão teve grande repercussão na mídia e gerou uma comoção mundial, levando muitas organizações, movimentos sociais e ONG’s, que já tinham experiência em conflitos socioambientais, até as localidades atingidas para contribuir nas ações e mobilizações coletivas contra a Samarco, Vale e BHP. Essas organizações oferecem apoio técnico e jurídico à população atingida, e ainda ajudam a fomentar e direcionar as emoções individuais e coletivas, mantendo assim, a população sempre envolvida com mobilizações coletivas.

Manifestantes ocupando a ferrovia Vitória-Minas em protesto contra a Vale, cobrando as indenizações às pessoas afetadas pelo rompimento da barragem de Fundão da Samarco.
Fonte: Folha Vitória. Disponível em: https://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/07/2019/vale-confirma-retomada-do-transporte-de-passageiros-na-vitoria-minas-nesta-quinta-feira

Existem inúmeras emoções e sentimentos que surgem de crimes como esse, e todo ser humano terá de viver e conviver eles. Esses sentimentos podem e muitas das vezes serão demonstrados por meio de nossas ações. A ganância levou a Samarco/Vale/BHP negligenciarem segurança da barragem de Fundão, trazendo morte e dor para as comunidades da bacia do rio Doce, gerando tristeza, raiva e indignação na população atingida, que por meio de ações e manifestações coletivas, gritam: “não foi acidente”!

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
LOSEKANN, Cristiana. “IT WAS NO ACCIDENT!” THE PLACE OF EMOTIONS IN THE MOBILIZATION OF PEOPLE AFFECTED BY THE COLLAPSE OF SAMARCO'S TAILINGS DAM IN BRAZIL. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, v. 14, n. 2, 2017.