A sinuosidade do desastre: os danos nas formas dos rios

Por: Diogo Parreira Lapa- 03/07/2021Orientação: Miguel Fernandes Felippe

A capacidade técnica dos seres humanos tem sido responsável por grandes mudanças na paisagem. Com o rompimento da barragem de Fundão, um novo relevo se estabeleceu e o rejeito dominou o cenário, destruindo a morfologia original dos vales dos rios afetados.

No ano de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, pertencente à Samarco S.A, liberou por volta de 50 milhões de litros de rejeito de mineração nos rios e córregos da bacia do rio Doce, deixando 19 mortos e centenas de desabrigados. O rejeito atingiu o córrego do Fundão, o córrego Santarém, o rio Gualaxo do Norte, o rio do Carmo e o Rio Doce, chegando depois ao Oceano Atlântico, na costa do estado do Espírito Santo.

Buscando compreender a dimensão do desastre sobre os rios, pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora investigaram as transformações que os vales fluviais sofreram a partir do recobrimento dos leitos dos rios pelos rejeitos. A pesquisa focou na bacia hidrográfica do rio do Carmo, que abarca a área mais afetada pelo desastre.

Imagem 1: Mapa mostrando a Bacia do rio do Carmo, com os cursos d’água e municípios afetados direta e indiretamente pela onda de rejeito.

O primeiro passo da pesquisa foi compreender a paisagem original e o comportamento dos rios da bacia do rio do Carmo, a partir de uma vasta revisão bibliográfica e cartográfica. Após isso, foi realizado um trabalho de campo com o objetivo de analisar as alterações na área afetada no âmbito da geomorfologia (ciência que estuda as formas da superfície terrestre), vendo como as formas de relevo e a paisagem foram alteradas. Posteriormente, foi feito um reconhecimento da área utilizando imagens de satélite e do Google Earth, para o mapeamento das formas fluviais nos fundos de vale pré e pós rompimento. Com essas análises, foi possível entender como os rios se configuravam e como foram modificados.

O corredor hídrico formado pelos vales do córrego do Fundão, córrego Santarém, rio Gualaxo do Norte e rio do Carmo (que juntos totalizam 104,5 km de extensão) tiveram 17 km² de áreas marginais recobertas por rejeitos. A geomorfologia do fundo dos vales afetados era marcada originalmente pela presença constante de ilhas, barras, lagoas e meandros abandonados. Essas feições naturais agora se misturam com as feições chamadas de tecnogênicas, ou seja, que foram criadas ou modificadas pela ação humana a partir do rompimento da barragem. Com o fluxo de rejeitos, a paisagem do local foi modificada. Dessa forma, muitas feições naturais foram descaracterizadas ou até mesmo destruídas pelo rompimento; outras, porém, foram criadas pelo acúmulo dos rejeitos.

Imagem 2: Mostra a localização das feições tecnogênicas e o desenho da área estudada pré-rompimento, com destaque para as localidades atingidas (em verde).

Dentre as principais mudanças percebidas, o córrego Santarém, por exemplo, se deslocou 100 metros para a direita devido ao rejeito que se depositou em sua calha, assoreando o mesmo e o “expulsando” de dentro do seu canal. O assoreamento também foi notado no rio do Carmo, que demonstrou alterações significativas em certas áreas do seu curso, como o desaparecimento de ilhas de tamanho considerável. Os autores também relataram o refluxo do rejeito, que ocorre quando os rejeitos "sobem o rio”, contra a gravidade. É um fenômeno incomum, mas que ocorreu em alguns afluentes do rio Gualaxo do Norte e do córrego Santarém.

Mesmo anos após o rompimento da barragem e o depósito dos rejeitos nos rios e suas margens, mudanças forçadas irão continuar nos corpos hídricos atingidos. A natureza precisa se adaptar à nova realidade e isso levará tempo. Dessa forma, podemos afirmar que toda a dinâmica da bacia do Carmo precisa ser estudada de forma contínua, visando compreender melhor como o meio ambiente irá contornar o ônus do rompimento. Esses estudos serão necessários para que novas discussões diante do constante cenário de risco de rompimentos de outras barragens de rejeitos de mineração, ofertando a população de todo o país, o embasamento necessário para o diálogo pela elaboração de planos de recuperação ambiental e social adequados para mitigar os danos de futuros rompimentos.