Quão autênticos são os posicionamentos de uma empresa?

"Recentemente tornou-se evidente a busca das empresas para associar a sua imagem a pautas positivas, como sustentabilidade e ações sociais. Mas quão autênticas essas imagens são? Nesse texto vamos tratar um pouco dos posicionamentos oficiais da mineradora Samarco antes e depois da tragédia em Mariana e, com isso, promover um debate sobre a legitimidade dessas empresas."

É comum que empresas procurem, por meio de seus relatórios e balanços gerais, expor à população sua situação geral da forma mais branda possível. Ultimamente, nota-se uma tendência muito peculiar que é a de alinhar seu conteúdo às questões socioambientais para transmitir ao leitores uma imagem de que a empresa incorpora esses valores menos corporativos no seu dia-a-dia. No caso da mineradora Samarco essa prática já vinha ocorrendo desde 2008, porém, foi muito intensificada no ano de 2015, ano em que sua barragem, localizada próximo ao povoado de Bento Rodrigues, município de Mariana-MG, se rompeu devido a uma série de falhas técnicas e estruturais.

Os pesquisadores Nadielli Galvão, João Monteiro e Andreza Lima, filiados a Universidade Federal de Pernambuco e a Faculdade de Ciências Humanas de Pernambuco, realizam pesquisas e análises de relatórios e balanços divulgados pelas empresas, a fim de chegar identificar padrões e tendências. Este texto é baseado em um dos seus artigos, denominado “Desastre Ambiental em Mariana em Minas Gerais (MG): um estudo à luz da teoria da legitimidade”.

No artigo, os autores apontam para o crescente uso do fator socioambiental como uma forma de melhorar a imagem das empresas, ou ainda, de tirar o foco dos reais fatos divulgados nesses documentos. Fundamentam-se em diversos trabalhos que esclarecem que essa ideia de trazer informações socioambientais nesses relatórios tem o propósito de camuflar evidências de baixo desempenho, já que, na prática, a empresa não se compromete com questões socioambientais que superam aquelas legalmente previstas como de sua responsabilidade, mesmo quando esse aspecto é destacado em seus relatórios.

Dentro desse contexto, a noção de legitimidade aparece como uma espécie de contrato social entre a empresa e a sociedade, pautado pelo princípio da transparência, onde a empresa precisa mostrar sempre onde está atuando e onde planeja atuar. A depender da forma que é aplicada, pode induzir a população a crer que suas ações promovem a gestão ambiental sustentável e, assim, camuflar ou omitir danos ambientais intrínsecos ou não à sua operação.

No artigo mencionado, foram analisados todos os relatórios administrativos e balanços gerais da mineradora Samarco publicados entre os anos de 2008 e 2015, tendo em conta a gravidade do desastre ambiental provocado pelo rompimento de sua barragem em Mariana. Nos relatórios, foram quantificadas as frases destinadas a divulgação ambiental, e essas foram divididas pelo número total de frases publicadas. O percentual resultante foi a medida utilizada para comparar cada um dos anos.

Foto: A imagem mostra o apanhado de palavras que foi feito pelos autores do texto original, esses exemplos compreendidos entre os anos de 2008 a 2010. Fonte: GALVÃO et.al. 2016.

Entre 2008 e 2014, o ano de 2010 foi aquele com o maior número de frases destinadas a divulgação ambiental. Associa-se a crescimento de menções entre 2008 e 2010 ao aumento das políticas nacionais voltadas ao meio ambiente e, ainda, a um maior interesse da própria população nesses assuntos. Entre 2010 e 2014 observou-se a diminuição proporcional das menções ao meio ambiente nos relatórios da Samarco, algo que pode ser associada à recorrente autuação da empresa por uma série de infrações ambientais, e também com a possibilidade da mineradora já ter ciência dos problemas na barragem de Fundão. A diminuição do enfoque ambiental - apontam os autores -, pode ter relação com o desejo de desviar o olhar da população de tais questões.

Além disso, foi usado pela equipe um software online para identificar quais palavras mais apareciam nesses relatórios anuais. relacionadas ao meio ambiente. Identificou-se o uso recorrente de termos como “ambiente”, “meio”, “sustentabilidade”, entre muitos outros.

Com essas análises e com o rompimento de Fundão em 2015, as frases envolvendo a divulgação ambiental chegaram a 25% dos documentos divulgados, um crescimento de quase 10% comparado a média dos sete anos anteriores (2008 até 2014). Também houve um aumento no número de citações à própria empresa, mostrando que sim, houve uma tentativa de vincular a marca da empresa a boas práticas, uma estratégia para esconder seus erros e passar uma imagem positiva para a população.

Todos esses esforços apontam para o fato de que a mineradora Samarco utiliza a divulgação ambiental como estratégia de comunicação, e que sua intensidade varia de acordo com o contexto em que a empresa se encontra perante seus investidores e perante a sociedade. Assim, fica clara a questão da legitimidade apontada no artigo: em cenários positivos, a empresa adota estratégias de comunicação para se mostrar zelosa em relação às questões ambientais, a fim de reforçar seu pretenso compromisso social com a população. Em cenários de adversidade, a abordagem estratégica da comunicação dos aspectos ambientais busca dar a sensação de uma atuação responsável, prudente, altruísta e, por vezes, heróica, como forma de se legitimar após o desastre. Na Roma antiga havia um provérbio que dizia: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Será que, em pleno século XXI, a lógica empresarial de transparecer honestidade continuará superando a própria honestidade?

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
GALVÃO, N. M. S.; MONTEIRO, J. A. V.; LIMA, A. C. S. Desastre Ambiental em Mariana em Minas Gerais (MG): um estudo à luz da teoria da legitimidade. X Seminário UFPE de Ciências Contábeis. 2016.