A vida no interior e seus desafios: como os atingidos de Gesteira enfrentaram o rompimento da barragem de Fundão

Por: Rebeka Girardi Knop - 27/08/2021Orientação: Bruno Milanez

Quais seriam os principais obstáculos enfrentados pelas pessoas atingidas após o rompimento da barragem? Qual seria o principal motivo para atrasar o processo de reassentamento das pessoas atingidas de Gesteira?

Após o desastre do rompimento da barragem de Fundão, muitas pessoas tiveram seu cotidiano mudado e precisaram alterar suas formas de viver e sobreviver. Barra Longa foi um dos municípios mais atingido pelos rejeitos. O centro urbano foi rapidamente reparado e ficou com os holofotes todos voltados para ele. Mas na zona rural, foi algo completamente diferente; Gesteira (um distrito rural próximo de Barra Longa) ficou apenas em destroços, perdendo áreas produtivas e sofrendo com a destruição de diferentes ecossistemas.

Em 2006, 29% da população acima de 14 anos de Barra Longa tinha ocupações vinculadas ao meio rural, com produções relacionadas a grãos, cana de açúcar, frutas, legumes, bovinos etc. Além disso, 76% das áreas de pastagem eram naturais, conseguindo manter grande parte das matas e florestas nativas preservadas, mantendo atividades econômicas de baixo impacto ambiental.

Gesteira se situa a 18 km de Barra Longa, tendo duas regiões divididas pelo rio: Gesteira Velho (mais antiga) e Mutirão. Mutirão surgiu após uma enchente na parte baixa do rio, em 1979; posteriormente, sob a forma de mutirão, as pessoas, graças a terrenos doados, foram para a parte mais alta e reconstruíram suas casas na margem esquerda do rio Gualaxo do Norte. Mas como esses novos terrenos não eram suficientes para as áreas de cultivo, parte dos moradores, que foram para Mutirão, manteve seus quintais produtivos na parte baixa, em Gesteira Velho.

A passagem dos rejeitos destruiu Gesteira Velho e os moradores de lá receberam pouca atenção. Eles ficaram os primeiros onze dias isolados devido à destruição, sem assistência, sem recursos básicos e sem informações do que estava acontecendo. Avisados por terceiros, foram obrigados a se abrigarem em casas de parentes ou amigos em Mutirão e em Barra Longa.

Imagem: moradores observam a destruição pós-rompimento Fonte: Cáritas Brasileira

Com todo o processo em andamento para a resolução do problema, apenas em 2018 (três anos após o rompimento) um terreno foi adquirido para a reconstrução das casas, mas - até o momento da produção do artigo - nenhuma casa ainda havia sido construída. Todas as reparações dos danos, tais como o reassentamento coletivo de Gesteira, estão sob o cargo da Fundação renova, criada pelo Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) assinado pelas empresas, poder público e diversos entes federativos, sem qualquer participação das comunidades atingidas e de movimentos populares.

Os autores identificaram, no processo de reparação pela Fundação Renova, três fases: negação; reconhecimento e acomodação; e envolvimento estratégico. A fase da negação seria a recusa do envolvimento público pela Fundação, tendo como estratégias fundamentais a geração de dúvidas e a fabricação de incertezas. Na fase de reconhecimento e acomodação, a Fundação aceitou que existia um problema, mas buscou minimizar os impactos, com isso, tentando garantir não ter que pagar todo o custo do dano causado. Na terceira fase (envolvimento estratégico), a Fundação se envolveu cirurgicamente para resolver seus problemas, ela entra nessa etapa quando percebe que pode ter danos em todo setor ou falências.

Em Gesteira, a fase de negação se caracterizou pela discussão sobre os núcleos familiares que participariam do reassentamento. Para a empresa seriam apenas 20, mas na realidade haveria 37 núcleos familiares e, essa discussão perdurou por seis meses (de março a setembro de 2018); a fase de reconhecimento foi quando a Fundação Renova se recusou a pagar pela reparação total de todos os danos causados na saúde mental dos atingidos. Por fim, a fase de envolvimento estratégico seria definida pela aceitação pela Fundação Renova das pessoas atingidas e pela negociação das indenizações, uma vez que a própria Fundação apontava quem era e não era atingido.

Por fim, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS), organização que prestava assessoria técnica às pessoas atingidas, pesquisou sobre a temática, analisando as condições pelas quais as pessoas atingidas possuiriam o direito do reassentamento; qual o tamanho do terreno que caberia à comunidade; qual seria o escopo do reassentamento. Já na primeira reunião com a AEDAS obteve-se um termo de compromisso assinado entre os integrantes de Gesteira, comissão de atingidos do município de Barra Longa, proprietário do terreno e a AEDAS. O objetivo desse termo foi estabelecer obrigações referentes às áreas que seriam destinadas para o reassentamento. A partir desse momento, as pessoas atingidas tiveram maior protagonismo na escolha do terreno. Em abril de 2018, foi entregue o plano popular do reassentamento coletivo de Gesteira, mas até o final da produção do artigo, o reassentamento não havia sido construído.

Nesse processo, ficou claro que a atenção é redobrada para locais aos quais vão trazer visibilidade para a empresa, mas mostra que locais mais simples não recebem o merecido cuidado, como vimos com Gesteira. Além disso, na balança desigual do conflito, nota-se a grande importância das assessorias técnicas para ajudar e auxiliar os atingidos na reparação dos danos e, claro, no reassentamento deles.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
SENNA, Gabriel de Melo; CARNEIRO, Karine Gonçalves. O deslocamento forçado das pessoas atingidas pelo desastre de Fundão, em Gesteira Velho, Barra Longa/MG: O plano popular do reassentamento coletivo para a reparação às vulnerabilidades geradas. 18 seminário sobre economia minerária, p. 1-21, 2019.