“Novos” inimigos dos atingidos pela Vale em Brumadinho: a dengue e a chikungunya

Por: Rebeka Girardi Knop - 04/06/2021Orientação: Miguel Fernandes Felippe

O rompimento da barragem I da Mina Córrego do Feijão teria contribuído para o aumento dos casos de dengue e chikungunya em Brumadinho? Mas qual a relação da lama com essas doenças?

A dengue sempre foi um problema epidemiológico no Brasil, assim como a chikungunya. Ambos os vírus usam o mesmo vetor de transmissão, o Aedes aegypti. Essa espécie de mosquito foi introduzida no Brasil no período colonial, entre os séculos XVI e XIX, durante a escravidão e o comércio de escravos africanos. A fêmea do Aedes aegypti é capaz de transportar certos vírus de um indivíduo infectado para outro, após um período de 3 a 12 dias de incubação. Esse mosquito necessita de água parada para sua reprodução, logo, qualquer local capaz de acumular água é propício para a proliferação da espécie. Apesar da gravidade dessas enfermidades, o mais alarmante é que os casos de dengue e chikungunya seguem aumentando no Brasil. Estima-se que, entre os anos de 2018 e 20019, houve um aumento de 100% nas notificações em todo o Brasil. Vendo esse panorama, um estudo da Universidade Federal do Cariri realizou uma análise epidemiológica dos casos de dengue e chikungunya no município de Brumadinho no período de 2018 – 2019, ressaltando as principais consequências do rompimento da barragem I, no processo de saúde-doença do município atingido.

De acordo com o boletim epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde, que evidencia os casos notificados no Sinan (Sistema de Informação de Agravos e Notificações), em 2018 foram 25 casos prováveis de dengue, mas no ano de 2019, ocorreram 1032 notificações prováveis. Esse fato representa um aumento de 4028%, em relação ao mesmo período do ano anterior. Com o mês de maio obtendo maiores notificações (44% dos casos). Com relação à chikungunya, em 2018 não houve nenhum caso provável, mas no ano seguinte foram 5 registros prováveis.

O desastre ambiental decorrente do rompimento da barragem da Vale, no dia 25 de janeiro de 2019, potencializou o aumento dos casos de arboviroses (vírus da dengue, zika, chikungunya e febre amarela; os quais são transmitidos por mosquitos), isso porque fomenta os fatores de transmissibilidade, como por exemplo: as alterações climáticas que favorecem a proliferação de insetos transmissores, saneamento inadequado no local, alto trânsito populacional. Problemas criados ou agravados pelo fluxo de lama que destruiu a cobertura vegetal, contribuindo também para alterações nos ciclos da água.

Após junho, houve uma queda repentina dos números de notificações. Essa queda já era esperada, devido à chegada do período seco, que dificulta a proliferação do mosquito transmissor. Porém, os autores também relatam ações da Vale, que teria atuado com fumacês (inseticidas na região) juntamente com drones para atingir os locais nos quais os vetores (mosquitos) possivelmente estivessem na fase larval.

Fonte: DW Brasil / Reprodução

Infelizmente os casos com arboviroses têm se tornado mais comuns devido às mudanças climáticas, desmatamentos, migração populacional, ocupação desordenada de áreas urbanas e, principalmente, pela precariedade das condições sanitárias. Questiona-se, então, se o rompimento da barragem I da Mina Córrego do Feijão teria alguma relação com o relatado aumento dos casos.

De acordo com os autores, o rompimento da barragem contribuiu para o aumento dos casos, porque ambientes naturais foram destruídos e, consequentemente, fez com que a população de mosquitos se deslocasse para a área urbana. Como na cidade existem locais favoráveis para a procriação dos Aedes aegypti, eles se instalaram com facilidade no centro urbano, aumentando os números de casos das enfermidades.

Existem três formas de frear e controlar a proliferação dos mosquitos vetores dessas doenças. A primeira é o controle mecânico, o qual se utiliza de práticas que vão eliminar o vetor, os locais favoráveis para reprodução ou diminuir o contato com os seres humanos; por exemplo, o uso de telas para evitar a entrada de mosquitos nas casas e a drenagem de reservatórios. Há também o controle biológico, em que se utilizam de predadores capazes de diminuir a população de mosquitos. Os predadores podem ser peixes e invertebrados aquáticos. Por fim, há o controle químico, aplicado pela Vale S.A, no qual utilizam-se inseticidas (como fumacês) .

Para finalizar, um desastre como esse ocorrido em Brumadinho acarreta em diversos problemas sociais, psicológicos, de saúde, do meio ambiente, econômicos e etc. Por isso deve-se sempre compreender as mudanças ocorridas após a tragédia. Algumas mudanças são repentinas e visíveis com mais facilidade, mas há as que são mais lentas e pouco visíveis.

Nesse caso, o estudo demonstrou que o rompimento da barragem contribuiu para o aumento nos casos de dengue e chikungunya. Buscando contribuir para a gestão do problema, os autores propõem algumas medidas, tais como: desenvolver formas de prevenção com ações imediatas, monitoramento da qualidade da água e alimentos, investigação de doenças, criar estruturação de sistema de alertas, garantia da reestruturação ambiental e de saúde das populações atingidas, além do desenvolvimento de uma campanha de conscientização.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
RODRIGUES, A. L.; FEITOSA, P. W. G.; ARAÚJO, R. R. C.; RESENDE, G. S.; OLIVEIRA, V. L. D. M.; TAVARES, W. G. S. Tragédia da Vale em Brumadinho-MG: Aumento dos casos de dengue e chikungunya um ano após o desastre. interfaces, v. 8, n. 2, 2020.