Os desastres da mineração e o lado cruel de não escutar a ciência

Por que há rompimentos de barragens no Estado de Minas Gerais? A legislação ambiental funciona? Quais são os problemas no licenciamento ambiental que não conseguem evitar desastres como os que ocorreram em Mariana e Brumadinho?

Você sabia que há um importante instrumento de gestão da administração pública para controlar atividades humanas danosas ao meio ambiente? Sabia que o nome dessa ferramenta é “licenciamento ambiental”?

O licenciamento ambiental vem para ajudar a planejar e controlar as atividades humanas no meio ambiente, essas que podem ser muito danosas. Mas, se há um procedimento que contribui para evitar grandes problemas ambientais, por que tantos desastres vêm ocorrendo no Brasil nos últimos anos? Há algo que precisa ser dito: existem muitos problemas no processo desse licenciamento ambiental, o que contribui para que desastres continuem acontecendo.

Desde a década de 1970, há uma preocupação mundial no desenvolvimento de leis sobre o licenciamento ambiental, contudo a busca pela prevenção de desastres ambientais não tem sido eficaz, pelo menos não da maneira como vem sendo feita. Mesmo com a criação de várias leis e órgãos de regulação e fiscalização ambiental, desastres socioambientais vêm ocorrendo em nosso país. Mas onde está o problema? Será que essas leis funcionam? Será a falta da fiscalização em alguns empreendimentos?

Tentando compreender quais são as limitações e problemáticas que giram em torno do licenciamento ambiental, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora e da Universidade Federal de Minas Gerais se debruçou sobre as maneiras como esse instrumento se relaciona com desastres tecnológicos, como o ocorrido na bacia do rio Doce. O grupo interpretou trabalhos acadêmicos voltados para o licenciamento ambiental e somou esse esforço às experiências profissionais individuais e a observações de campo realizadas na bacia do rio Doce em uma expedição realizada alguns dias após o rompimento da barragem de Fundão.

Desde de 1986, Minas Gerais tem problemas com rompimentos de barragens, sofrendo com danos que são irreparáveis tanto no meio natural, quanto no meio social. Muitas pessoas perderam familiares, suas casas, suas histórias e memória. No dia cinco de novembro de 2015, mais um rompimento aconteceu, o da barragem de Fundão no município de Mariana-MG, matando dezenove pessoas. As vítimas eram trabalhadores da Samarco (empresa responsável pela barragem) e moradores de Bento Rodrigues, um povoado que se situa a menos de três quilômetros da barragem de Fundão.

Quadro mostrando que os rompimentos de barragens no Estado de Minas Gerais ocorrem periodicamente desde a década de 1980, sem a devida atenção da sociedade.

A barragem de Fundão, como tantas outras, foi considerada no seu estudo de impacto ambiental como de baixo risco de rompimento. Isso, por si só, já coloca em xeque a eficácia e criticidade da legislação e sua fiscalização. Deixa evidente para a população e também para o Estado as falhas no processo geral de licenciamento ambiental, mesmo que essas tenham sido apontadas, discutidas e divulgadas em dezenas de trabalhos acadêmicos antes desse desastre ocorrer.

Ao longo de todo o trabalho, foram listados mais de cinquenta problemas do processo de licenciamento ambiental, a maioria relacionada à forma como ele é aplicado e organizado.

Por exemplo, a população apenas é avisada quando há a audiência pública, sem estar ciente de seus direitos e do processo de licenciamento. Quando participa de alguma reunião, o acordo entre empreendedor, órgão público e pessoas interessadas já está fechado, fazendo com que sua “participação” seja ilusória.

Há também problemas estruturais, como o de municípios que detêm pouca ou nenhuma estrutura (poucos fiscais, por exemplo) para a gestão ambiental. Outro problema grave elencado é com relação à quantidade de leis que existem. Elas não são, em sua maioria, claras ou objetivas, com textos muito vagos, criando brechas e possibilitando muitas interpretações.

Com todos esses problemas, os autores apontam que o processo de licenciamento ambiental se encontra em um estado crítico. As universidades têm reportado e alertado em trabalhos acadêmicos, por mais de dez anos, para as diversas falhas nesse licenciamento, embora as informações produzidas tenham dificuldade de chegar ao corpo técnico dos órgãos ambientais e, sobretudo, à população (a maior interessada). Isso pode ocorrer porque esses trabalhos possuem uma linguagem mais científica, dificultando o entendimento dos estudos, ou mesmo devido ao pouco engajamento das universidades nos projetos de extensão, que por sua vez, deveriam simplificar a tradução desses trabalhos. Claro que também há uma resistência por parte do Estado e das empresas em acatar essas críticas e efetivarem melhorias que poderiam gerar algum comprometimento no ganho financeiro das corporações.

Especificamente, entre os problemas encontrados no licenciamento da barragem de Fundão, há um relacionado à escolha do local para implantação da barragem. Como exigido por lei, três alternativas são apresentadas no Estudo de Impacto Ambiental. A primeira foi excluída porque estaria em uma Unidade de Conservação e um sítio arqueológico; a segunda não foi escolhida por demandar um custo bastante elevado, e também, por ser uma área com planejamento para a construção de uma futura barragem; com isso, escolheram o vale do córrego do Fundão, mesmo havendo uma comunidade logo abaixo.

Imagem de antes e depois do rompimento, e o percurso do rejeito após o desastre. A vila de Bento Rodrigues, que se encontrava próximo da barragem de Fundão, foi quase toda encoberta pelos rejeitos após o desastre.

É óbvio que tais locais foram apontados para fazer com que o vale do córrego do Fundão fosse o mais adequado. A barragem jamais seria construída em uma área protegida e muito menos em um local que não seria viável economicamente para a empresa. Isso não deveria ser aceito pelo licenciamento ambiental.

Por fim, percebe-se que a balança das políticas ambientais está sempre pendendo a favor de grupos que detêm mais poder (e dinheiro) e, por isso, ocorrem muitos conflitos ambientais. Atualmente, existem duas forças (opostas) no cenário político, uma vai propor o licenciamento ambiental de maneira mais rápida, como uma forma de aceleração do crescimento econômico, e outra que exige mais cuidado e participação da população em grandes mudanças socioambientais, que alteram significativamente o meio no qual as pessoas residem.

Conclui-se, que é impossível separar o homem do meio ambiente, por isso há a necessidade de se adotarem políticas públicas transparentes que procurem diminuir riscos ambientais. É necessário buscar melhorias na democratização da participação nas instâncias administrativas decisórias e trazer a importância e urgência de se repensar o licenciamento ambiental, na busca de uma real fiscalização e punição de crimes cometidos ao meio ambiente e à sociedade.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
COSTA, Alfredo; FELIPPE, Miguel Fernandes; REIS, Gabriela. Licenciamento Ambiental de Grandes Empreendimentos Minerários: dos alarmes que ninguém escuta à tragédia no Rio Doce. Revista Geografias, p. 95-113, 2016.