Minério-dependência:

além do fator econômico

Por: Augusto de Castro Reis - 15/05/2021Orientação: Guilherme Malta

O termo “minério-dependência” tem sido alcançado pelo senso comum de forma simplificada, deixando de fora questões importantes para a real compreensão do cenário da mineração no Brasil.

Dentre os diversos debates e discussões levantados pelos rompimentos de barragens nos últimos anos, um dos tópicos mais comentados é a minério-dependência dos municípios que abrigam as mineradoras após esses rompimentos. Pensando nisso, um professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa (MG) publicou um texto com a intenção de explicar e detalhar uma série de dados financeiros do município de Brumadinho, antes e depois do rompimento da barragem da Vale na bacia do rio Paraopeba, além de evidenciar o que trata o termo “minério-dependência” e alguns fatores que estimulam a formação dessa ideia. O autor se propõe a comparar como foi o período pós-rompimento para a cidade de Mariana, a fim de avaliar suas similaridades e diferenças.

Com o rompimento da barragem no município de Brumadinho, diversas questões foram levantadas acerca da diminuição na arrecadação de impostos pelo poder público e, também, sobre a menor oferta de vagas de emprego. Essas questões, somadas a pesquisas de previsão pessimista e ao sentimento de incerteza da população, deixava o futuro de Brumadinho, no imaginário das pessoas, muito ligado ao sucesso minerário. Quando consultamos dados e informações dos anos anteriores ao rompimento, conseguimos ter um melhor retrato da relação entre a cidade e essa atividade econômica. O setor minerário era responsável por 20% dos empregos formais no município mineiro, porcentagem que aumenta quando consideramos faixas de salário mais altas, fazendo com que 35% do montante de dinheiro, pago à população através dos salários, saísse da atividade da mineração. Isso põe esses postos de trabalho num lugar de prestígio aos olhos da população, uma vez que trabalhar nesse ramo representaria melhora de vida e ascensão social. Vale lembrar que a maior parte dos cargos recebia salários um pouco maiores que a média municipal, mas a grande maioria das vagas de trabalho recebia salários apenas medianos, ou seja, na realidade era apenas uma pequena melhora na renda das famílias.

Outro fator de incerteza era a arrecadação municipal de impostos, feita através da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM). No ano de 2018, anterior ao ano do rompimento, o valor pago pela Vale ao município de Brumadinho foi de cerca de 16,5 milhões, o que corresponde a 10,5% de suas receitas. Nesse ano, a Vale foi a empresa do ramo da mineração que menos contribuiu com o pagamento da Compensação, ficando atrás da Vallourec Mineração Ltda. e a Minerações Brasileiras Reunidas S.A. (controlada pela própria Vale). Esse valor, pago através da CFEM, representa apenas 3,4% do valor das operações da Vale no município, isto é, para a empresa, é um valor ínfimo se comparado ao risco empregado por sua atividade e ao lucro que fatura periodicamente. É válido lembrar que em 2019, mesmo com o fim das atividades da Vale, a arrecadação da CFEM em Brumadinho foi maior, graças às outras empresas e ao mercado internacional do minério de ferro.

Gráfico: demonstra a proporção dos valores de pagamento da CFEM, comparadas ao valor total das operações das empresas e as receitas totais correntes em Brumadinho. Fonte: Sincovi e ANM apud. COELHO (2020).

O conceito de minério-dependência já entrou para o senso comum, que acaba simplificando sua definição e as questões que consegue abranger. A dependência emprega relações de poder e hierarquia. Aquele que possui maior poder, seja econômico, político, etc. tende a influenciar as classes que se subordinam a ela. No caso de Brumadinho, a mineração acaba inibindo a expansão de outras atividades, não apenas de forma econômica, mas também de forma política, visto que possui suas próprias estratégias corporativas territoriais, e cultural, considerando que entra para o imaginário da população como um exemplo de melhora de vida – às vezes, o único exemplo de melhora de vida.

O poder empregatício deste ramo e o medo do desemprego causa nas pessoas uma tolerância maior ao risco que essa atividade traz, mesmo que ocupem cargos mal pagos e com péssimas condições de trabalho. Além disso, essa dependência acaba por dificultar os argumentos das resistências locais, abrindo as portas para a ampliação da exploração e das vagas de trabalho e, consequentemente, do risco da atividade minerária.


Assim, no ciclo da minério-dependência, a especialização produtiva amplia a vulnerabilidade dos trabalhadores e do município no geral que, por sua vez, contribui para a fragilidade das resistências e para a intensificação dos danos da atividade. Isso se dá porque a população já não vê mais os problemas empregados pela mineração, que sabota os demais setores econômicos e intensifica cada vez mais a minério-dependência, em prol de um lucro cada vez maior. Vale lembrar que esse processo não é exclusividade de Brumadinho ou Mariana, mas tende a acontecer nos municípios em que a mineração é uma atividade econômica emergente.

Figura: apresenta o ciclo da minério-dependência. Fonte: TROCATE e COELHO, 2020, apud. COELHO, 2020.

Comparando os dados de Brumadinho com os dados do município de Mariana, alguns anos antes, pode-se perceber que existe uma tendência de melhora, mesmo sem a reativação dessas minas de maior risco. Em 2014, 8,8% das receitas de Mariana vinham da CFEM paga pela Samarco e, apesar dessa Compensação ter sofrido uma queda violenta nos anos seguintes, outros empreendimentos minerários começam, aos poucos, a suprir a lacuna deixada pela mina referente à barragem rompida. Além disso, a queda da CFEM em Mariana foi influenciada por outros fatores além da desativação da mina da Samarco, como a própria crise que o país vem sofrendo desde aquela época. Assim como em Brumadinho, em Mariana, a porcentagem paga pelas empresas aos municípios é ínfima se comparada aos seus valores de operação, ou seja, o fato de que essas empresas pagam valores mínimos para empreender atividades de altíssimo risco não é caso isolado. Já em relação aos postos de trabalho, a mineração de Mariana voltou a ter mais contratações do que demissões no ano de 2018, apenas três anos após o rompimento.


O cenário da minério-dependência no contexto da barragem de Fundão, em Mariana, instalada em 2011, fica mais evidente quando é analisada a evolução proporcional das outras atividades do município. A produção agrícola de Mariana era diversa e sofre com a instalação da mineradora, visto que os hectares de área plantada começam a decrescer. Esse processo chega a seu ápice nos anos que seguem o rompimento, pois a qualidade da terra acaba, a água se torna imprópria para irrigação e a demanda pelos produtos produzidos na região se torna nula, frente a desconfiança de sua contaminação. Desta forma, após a instalação do empreendimento as demais atividades são inibidas e a população entra em contato com o imaginário ideal do que seria trabalhar para a empresa e, após o rompimento, as outras atividades são completamente impedidas de serem realizadas, uma vez que todas as condições de produção foram destruídas.

Gráfico: apresenta a evolução da área plantada, em hectares no município de Mariana (café, banana, mandioca, feijão, milho e cana-de-açúcar) entre os anos de 2004 e 2017, com destaque para a virada de 2016 para 2017.

Fonte: IBGE (2018) apud. COELHO (2020).

A minério-dependência vai muito além do imposto recolhido pelo município ou do número de cargos oferecidos pelas empresas, é uma lógica que transforma o imaginário das pessoas e as faz aceitar correr riscos para alcançar ou buscar uma mínima melhora de vida, trabalhando no ramo da mineração. É válido falar que o CFEM é sim uma parte importante nas receitas de ambos os municípios, o que foi apontado é que um único empreendimento não é responsável por garantir o pagamento dessa compensação. Ou seja, a minério- dependência não se evidencia apenas nas barragens que romperam, mas em toda uma rede de empresas que explora cotidianamente esses territórios e os indivíduos que os ocupam, transformando sua realidade e suas potencialidades produtivas. Por fim, é pertinente observar que o CFEM desconta uma parcela ínfima do lucro das empresas, mesmo que seu risco sobre a população e sobre o ambiente fique cada vez mais evidente frente à sociedade civil.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:

COELHO, Tádzio Peters. Dilemas e obstáculos na economia de Brumadinho frente à minério-dependência. Ciência e Cultura, v. 72, n. 2. São Paulo, abr/jun 2020.