A qualidade da água e a saúde da população que dela depende.

Quando o desastre ocorreu e as águas foram contaminadas, o abastecimento de Colatina foi paralisado. Mas como a população foi orientada a seguir com seus cotidianos enquanto necessitava desse tão importante recurso?

No estado normal das atividades mineradoras, uma infinidade de metais pesados acaba sendo liberada para os cursos d’água e solos das áreas de sedimentação. Porém, essa água é invariavelmente essencial para que as populações ribeirinhas consigam desenvolver suas atividades, seja para fins econômicos ou para o uso doméstico. A ingestão de água contaminada pode causar efeitos negativos na saúde do corpo humano. Com essa preocupação, uma equipe de pesquisadores da UNESC Colatina produziu um estudo que procurou entender e perceber os efeitos na população do município de Colatina-ES, com a piora da qualidade das águas após o rompimento da barragem de Fundão. Além disso, procuraram descobrir se a população afetada por esse abastecimento de baixa qualidade sabia dos perigos ou recebeu informações confiáveis sobre o uso da água.

Os parâmetros considerados foram aqueles determinados pela Agência Nacional de Águas para a qualidade desse bem tão necessário, já que são estabelecidos com o objetivo de proteger o bem-estar das pessoas. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce estabelece, também, cuidados de manejo e armazenamento com o mesmo objetivo. Mesmo assim, nas semanas seguintes ao rompimento, existiam muitas dúvidas acerca do consumo e uso da água do rio, já que, apesar da suspensão do fornecimento de água nas cidades, não houve quaisquer orientações esclarecedoras para a população.

Através de trabalho de campo e aplicação de questionários, a pesquisa foi feita com base em três períodos distintos: o dia 0, ainda antes da chegada da lama em Colatina, e 60 e 120 dias após o rompimento da barragem. O mesmo grupo de pessoas foi entrevistado nas três datas, para que uma comparação temporal fosse feita, tentando perceber como as ideias e atitudes das pessoas mudaram após o desastre. O perfil do grupo era bastante diverso, com pessoas de várias idades, estruturas familiares e de moradia.

As perguntas específicas do questionário eram direcionadas para: a confiança nas informações recebidas pela população; a dificuldade no controle e administração da água; a utilização direta da água do rio; e o conhecimento sobre o manejo adequado da água. No primeiro quesito, a confiança diminuiu conforme o tempo, uma grande maioria não confiava nas informações recebidas. Metade da população questionada apresentou muita dificuldade no manejo da água e, em relação à água do rio, poucas pessoas continuavam com o uso direto (apesar do aumento desse consumo verificado na terceira entrevista). Vale destacar que somente cerca de metade dos entrevistados tinha conhecimento sobre o uso correto dessa água contaminada.

Fonte: ROCHA et. al. 2016. O gráfico apresenta a evolução dos três sintomas apresentados pela população ao longo do tempo, lembrando que, mesmo quando o número total de respondentes diminuía, o número de casos sintomáticos aumentava.

Os quesitos de saúde analisados foram a ocorrência de diarreia, febre e problemas de pele. Todos esses sintomas aumentaram no grupo que participou do questionário. O sintoma que merece certo destaque é a diarréia, que teve maior ocorrência em certos bairros e que, quando questionados sobre a incidência em outro morador da mesma residência, foi o de maior relevância, chegando a 20 e 26% das pessoas no segundo e terceiro questionários, respectivamente (60 e 120 dias após). Além disso, através dos testes estatísticos, a diarreia demonstrou forte relação com a forma de armazenamento da água em caixas d’água.

Considerando que o consumo de água de poços artesianos e de água mineral aumentou na cidade, pode-se afirmar que, de fato, a confiança na empresa de distribuição não era alta. Esse fato nos faz considerar que a população mais pobre está, assim, mais vulnerável ao consumo de uma água contaminada pelos rejeitos da mineração, uma vez que construir poços e comprar água engarrafada é um custo a mais no orçamento familiar. Essa é também a razão provável para a retomada do consumo da água do rio (disponibilizada pela empresa de abastecimento) já que muitos esgotaram seu dinheiro em outras fontes ou não viram qualquer diferença na água do rio se comparada ao período anterior ao rompimento.

Fonte: ROCHA et. al. 2016. A diminuição constante do uso da água da empresa distribuidora evidenciando o acréscimo no orçamento familiar com a compra de água mineral e construção de poços artesianos.

Nesse caso, a população, como maior afetada pela péssima qualidade da água e da falta de informações sobre esta, deve se reunir e conversar entre si para pressionar o poder público e as empresas em busca da melhora dos serviços. Esse papel seria das próprias instituições, mas, como podemos ver com as respostas dos questionários, as pessoas não confiam nelas e sequer receberam maiores orientações na época do desastre, ou seja, essas instituições não cumpriram com suas responsabilidades.

Com a participação da população de forma ativa, por meio de associações de moradores e lideranças populares, poderia haver uma maior disseminação das informações, gerando maior segurança para as pessoas nas atividades básicas de seu dia a dia.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
ROCHA, E. M.; MORAES, L. G. M.; ALMEIDA, L. V.; DALVI, L. R.; ANDRIATO, L. C.; BERGAMASCHI, L. K.; BERNARDINA, L. S. D.; PEREIRA, W. B.; GIMENEZ, G. V.; CHIARELLI NETO, O.; ALMEIDA, H. S. Impacto do rompimento da barragem em Mariana – MG na saúde da população ribeirinha da cidade de Colatina – ES. Tempus, actas de saúde coletiva, 10 (3), p. 31 – 45. Brasília, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.18569/tempus.v10i3.1902