O desenrolar de um desastre que não termina

Por: Giovana Erthal Campos - 18/02/2022Orientação: Miguel Fernandes Felippe

A série de danos ambientais ultrapassou os limites geográficos da barragem de rejeitos, impactando centenas de quilômetros e destruindo o que havia no caminho para além de Brumadinho.

Qualquer alteração no ambiente, em um determinado período e espaço, resultante de uma ação específica pode ser chamada de impacto ambiental. Essa definição, aliás, não se relaciona necessariamente a algo negativo; o impacto também pode ser positivo, direto ou indireto, temporário ou permanente.

No caso do rompimento da Mina Córrego do Feijão, a interpretação de impacto não pode ser nada além de negativa e a única narrativa possível é a dos atingidos, que vivenciaram o antes e o depois do rompimento, em um desastre que ocorre ainda hoje. A ambição de verificar os danos causados pelo rejeito, sem depender das análises cedidas pela empresa da barragem rompida, uniu professores e estudantes do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais e da Universidade Federal de Juiz de Fora em uma força-tarefa.

A expedição, que durou 3 dias, percorreu mais de 300 quilômetros e, além de realizar coletas de solo e água, também entrevistou moradores das regiões atingidas. Ao alinhar a matriz de impactos ambientais de Leopold - como fundamentação teórico-metodológica - com os relatos das vítimas, o grupo pôde apresentar reflexões sobre o rompimento da barragem.

Para que se entenda as consequências de um desastre, é necessário aprender sobre geograficidade, que reflete sobre as heranças geográficas de determinados tempos; ou seja, a avaliação dos efeitos de um acontecimento deverá levar em conta as particularidades daquele espaço naquele período, tendo em vista as relações dos grupos sociais com a terra, os diversos modos de vida da população e a variabilidade da paisagem. Por esse motivo, o corredor hídrico afetado foi dividido em três partes para a classificação das repercussões do desastre: o Trecho 1 se refere ao próprio ribeirão Ferro-Carvão; o Trecho 2 compreende os municípios de Juatuba e Brumadinho; e o Trecho 3 se refere ao corredor hídrico do Paraopeba entre os municípios de Felixlândia e Juatuba. Além disso, dentro de cada trecho, especificidades locais foram consideradas.

Figura 1: Trajeto de campo e pontos de coleta de dados da Expedição Minas de Lama.Fonte: Alfredo Costa et al. (2019).

Trecho 1

Figura 2: Coleta de amostras no bairro Parque da Cachoeira / Fonte: Alfredo Costa - Reprodução

Sendo o ribeirão Ferro-Carvão o primeiro curso d’água afetado pelo rompimento, muitos danos ambientais se relacionam ao recobrimento da superfície pelos rejeitos. Além disso, foram identificados a modificação do habitat, a alteração da vegetação e da drenagem, aterramento, entre outros. A coleta de dados se deu no bairro Parque da Cachoeira, que havia sido parcialmente destruído pela lama. Mesmo com diversos veículos da empresa e do governo estacionados pelo local, a atuação da mineradora foi considerada difusa e as ações do poder público tampouco foram úteis à população. Enquanto o desastre era noticiado pelos jornais do país, que ressaltavam o apoio tanto da empresa quanto do governo, a expedição verificou a ausência de auxílio no local atingido.


Trecho 2

Figura 3: Na entrada da cidade, homenagem às vítimas / Fonte: Alfredo Costa - Reprodução

A confluência do ribeirão Ferro-Carvão com o rio Paraopeba, até a UTE Igarapé em Juatuba, marcou o segundo segmento da força-tarefa, que reparou principalmente na alteração da carga sedimentar dos rios. Todavia, não houve recobrimento das margens por rejeito, sendo a listagem de danos menor que a do Trecho 1. O estudo ainda registrou pessoas pescando no rio, do qual se alertava sobre a contaminação das águas, e o incômodo dos habitantes com o sensacionalismo acerca da tragédia. Também nesse trecho foi observada a falta de coordenação dos órgãos que deveriam auxiliar os atingidos não só com ações concretas, mas também com dados relevantes quanto à segurança daqueles indivíduos.


Trecho 3

Figura 4: Rio Paraoepba / Fonte: Alfredo Costa - Reprodução

Para a expedição, o terceiro trecho se destacou pela quantidade de informações desconexas, as quais geram inúmeros prejuízos às populações que vivem às margens do Paraopeba. Exibem-se também muitos danos socioculturais diretamente relacionados à omissão do governo e da mineradora, tais quais: aumento de problemas de saúde, desvalorização imobiliária, diminuição da renda familiar, geração de insegurança, entre outros.

Foi, assim, perceptível a relação entre a presença governamental e a distância para o foco do desastre; quanto mais próximo de Brumadinho, mais evidente era o acompanhamento do poder público, por mais que fosse desarticulado na maior parte das vezes. Na mesma medida, quanto mais próximo à barragem, maior foi o número de danos identificados. As ações da empresa e a atenção da mídia que se restringiram às proximidades da barragem ignoraram uma série de prejuízos do baixo e médio cursos do Paraopeba, os quais contaram com escassos auxílios. Tais estragos, mesmo os que não impeliram a pressa das autoridades, ainda são urgentes para a população afetada e, por isso, nivelar danos e suas consequências é sempre uma ação difícil e que exige sensibilidade além de conhecimento. Os municípios atingidos diferem na quantidade de impactos negativos, mas compartilham a necessidade de reparação nas mais diversas frentes, seja ambiental ou social. É fundamental que haja continuação na avaliação dos danos para que ações eficientes cheguem aos que mais precisam.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
COSTA, Alfredo; GUIMARÃES, Isabel; OLIVEIRA, Gabriela; MENDES, Laís; MOURA, Mirella; MACHADO, Ana Cristina; DOS REIS, Lídia; FELIPPE, Miguel AVALIAÇÃO DOS DANOS AMBIENTAIS PROVOCADOS PELO DESASTRE TECNOLÓGICO DA MINERADORA VALE S.A. NO VALE DO RIO PARAOPEBA. Revista Sapiência, 2019.