Os atingidos e o sentido de comunidade

Por: Rebeka Girardi Knop - 07/05/2021Orientação: Alfredo Costa

“No dia 5 de novembro minha vida deu um pause e até hoje não consigo dar o play”. A Samarco prometeu uma nova comunidade para os atingidos de Paracatu e Bento Rodrigues, mas até o momento quase nada foi feito. Qual o impacto disso no sentido de comunidade para as populações atingidas?

Sabe-se que o rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, trouxe diversas consequências socioambientais, sendo conhecido como o maior crime socioambiental do Brasil. A lama percorreu 663 Km de rios, obtendo 77 km de assoreamento (acúmulo de sedimentos), destruindo 1469 hectares de vegetação (incluindo as áreas de preservação). Por onde a lama passava, deixava rastros das destruições em diversas comunidades e o despejo de populações, desagregando laços sociais das comunidades.

Mesmo com todas as provas sobre o desastre, a empresa quis elencar o rompimento como um “acidente”, atribuindo suas causas à ocorrência de um abalo sísmico pelo desastre. Mas, durante toda investigação, verificou-se que desde o início da operação da barragem de Fundão, em 2008, havia problemas em suas operações que levaram ao seu colapso.

No popularmente conhecido “acordão” (Termo de Transação e Ajustamento de Conduta – TTAC), a Samarco/Vale/BHP Billiton utilizou o termo “evento” para se referir a tragédia, mostrando uma tentativa de colocar um limite cronológico nos efeitos do rompimento e, por consequência, reduzindo todos os danos causados por ele causados. Outros termos utilizados para se referir ao desastre foram: “acidente de trabalho com graves repercussões socioambientais”, pelo Ministério do Trabalho de Minas Gerais, “desastre natural” pela ex-presidente Dilma Rousseff e “desastre tecnológico” pelos estudiosos e especialistas da área de sociologia dos desastres. Esse último termo está relacionado com o entendimento de que o rompimento foi consequência de uma negligência humana, na qual as empresas são responsáveis pelos danos causados.

Após a tragédia, as pessoas perderam locais de grande valor simbólico, lembranças, fotografias, heranças, paisagens naturais, tudo foi destruído e transformado em lama. Sabe-se que é por meio das relações subjetivas, simbólicas e objetivas que as pessoas se inserem em um contexto social, se sentem pertencentes a ele, e constroem sua identidade, ou seja, quem são. Atualmente, uma grande parte dos atingidos que foram realocados do meio rural para o urbano traz em suas falas sentimentos de desenraizamento, de não pertencimento ao novo local de moradia. Apoiado nessa noção, um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais buscou compreender o sentido da palavra comunidade para os atingidos.

O conceito de comunidade já foi utilizado para se referir ao conjunto de ideias que representam um grupo de pessoas que são resultantes da sua convivência e das suas trocas coletivas. Em 1950, foi empregado como algo capaz de alterar atitudes individuais para que consigam interagir em grupos. Em 1996, foi dito que todas as relações individuais e interpessoais com o território contribuem para a construção dos sujeitos e das comunidades, pois esses momentos vão além de questões funcionais, também abarcam trocas de afeto e comunhão.

A conversa com os atingidos demonstrou um sentido de comunidade como uma troca de diálogos, simplicidade, harmonia e, também, uma idealização da vida no campo. A identificação do atingido com o seu território destruído esteve bastante presente em falas como “Eu sou de Bento” ou “Eu sou de Paracatu”. Isso demonstra, atualmente, um sentimento de não pertencimento e o de não reconhecimento da vida em Mariana, na medida em que buscam sustentar e recriar o sentimento de pertença ao seu local ou comunidade de origem.

A pesquisa aponta que os atingidos desejam ser realocados em um local que relembre as suas comunidades originais, e um dos processos centrais para o reassentamento deles é o sentido de comunidade, com os vizinhos morando próximos, as casas iguais, praças iguais, as ruas com as mesmas direções e nomes. Isso demonstra a tentativa de recuperar as propriedades individuais e comunitárias e o antigo sentimento de comunidade.

Todavia, a Samarco tem dificultado todos os processos para a reconstrução das comunidades. Em 2016, por exemplo, ela ofertou três opções de terrenos para os atingidos de Paracatu escolherem através de uma votação. Mas não deu explicações técnicas sobre cada terreno e não apresentou estudos ambientais aprofundados. Os atingidos escolheram o terreno denominado “Lucila” para reconstruir a comunidade, que depois se verificou que não suportava toda a comunidade. Foi necessário fazer a compra de mais nove terrenos para conseguir abrigar todos os moradores, e o processo de compra foi apenas finalizado em janeiro de 2018.

Com Bento Rodrigues não foi diferente: em maio de 2016, a comunidade escolheu a área denominada de “Lavoura” e, da mesma forma, não foram apresentados estudos técnicos aprofundados, nem estudos sobre a qualidade da água e do solo. Essa área se situa próxima ao aterro sanitário de Mariana, o lixão da cidade.

A primeira proposta (em novembro de 2016) de projeto foi rejeitada pela comunidade, porque não detinha semelhança com a comunidade anterior. A discussão acerca dos projetos urbanísticos apenas ocorria por causa da pressão dos atingidos, sendo que a participação deles não necessariamente representava poder de decisão e escolha. A conclusão para o reassentamento estava prevista para março de 2019, mas até o momento de produção deste trabalho, ainda não tinha se resolvido.

Por fim, cada vez mais os atingidos têm ocupado os territórios antigos para uma tentativa de recriar os antigos modos de vida, e idas aos finais de semana para Paracatu e Bento Rodrigues se tornaram comuns. Alguns moradores de Bento Rodrigues improvisaram, em meio às ruínas de uma das casas dos distritos, um espaço coletivo para a comunidade. A ida para os territórios atingidos faz com que as pessoas detenham um espaço para o convívio comunitário fora das reuniões da empresa, porque desde o rompimento, as pessoas se encontram (na maioria das vezes) nas reuniões. Para concluir, os autores apontam que a empresa deve dar à população um território para a comunidade o qual relembre o anterior, sendo que os trâmites devem ser mais rápidos, pois se passaram cinco anos e nada dos atingidos serem reassentados em suas novas moradias.