Não mais Rio, apenas choro: a qualidade das águas após rompimento da barragem de Fundão.

A população ribeirinha e as cidades que margeiam os rios atingidos pela lama da Samarco estão seguros utilizando esses rios para a pesca e para o seu consumo? Sete meses após o rompimento da barragem estudos sobre a qualidade das águas desses rios foram realizadas procurando responder essa pergunta.

Os rios podem e são utilizados para os mais diversos fins, como lazer, pesca, agricultura, abastecimento público e consumo humano, no entanto, esses canais fluviais precisam atender a uma série de requisitos, como parâmetros físicos, químicos e biológicos que determinam se água está ou não adequada para aquele uso. Os rios Do Carmo, Piranga e Doce, de acordo com a classificação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), se enquadra na classe 2 de rios, podendo ser utilizados para o abastecimento, para consumo humano, aquicultura, pesca, irrigação e outros. Contudo, o rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2015, lançou 55 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério nesses canais fluviais, alterando características físicas e químicas desses rios e de seus leitos.

Trecho de confluência entre rios do Carmo (acima) com a coloração mais avermelhada e o rio Piranga (abaixo) com a coloração mais esverdeada formando o rio Doce. Fonte: MAIA, 2017.

Buscando compreender quais foram os danos desse desastre para a qualidade das águas dos rios do Carmo, Piranga e Doce, um mestrando do Programa de Pós-graduação em Solos e Nutrição de Plantas da Universidade Federal de Viçosa, esteve em 12 pontos desses rios, 7 meses após o rompimento da barragem, fazendo coleta de amostras de água e sedimentos, que foram analisados, verificando os parâmetros que determinam a qualidade da água e sedimentos.

A histórica mineração nas cabeceiras da bacia do rio Doce afetou e ainda afeta diretamente a qualidade dos rios, que mesmo antes do rompimento da barragem, já apresentavam alguns pontos com elevados níveis de alumínio e ferro dissolvidos e água turva. Nos materiais sólidos em suspensão haviam, também, teores altos de arsênio, chumbo, fósforo e manganês. Com a onda de lama que o rompimento da barragem gerou, uma pluma avermelhada com pequenas partículas suspensas tomou conta do rio do Carmo e rio Doce, o que a fez a turbidez desses rios se elevarem acima do que é permitido por lei. Já o valor de oxigênio dissolvido (quantidade de oxigênio contido na água, sendo algo essencial para a vida dos seres aquáticos), ficou abaixo do valor mínimo de referência determinado pelo Conama em todos os trechos analisados. No Rio do Carmo, os valores de coliformes fecais excederam o limite estabelecido por lei, isso pode ser explicado porque nos trechos finais, o rio fica propenso a receber efluentes ricos em dejetos, que podem ser provenientes da criação de gado.

As águas do rio Carmo e rio Doce apresentaram a concentração de ferro acima do limite determinado pelo Conama. A concentração de manganês no rio Doce apresentou um valor 10 vezes acima do que é permitido e a concentração de arsênio ultrapassou o limite estabelecido para aquicultura e pesca, ficando acima, também, da concentração encontrada no rio do Carmo antes do rompimento.

Os sedimentos coletados nos rios do Carmo e rio Doce apresentaram maiores concentrações de cádmio e zinco depois do rompimento, e maiores concentrações de cádmio, mercúrio e ferro do que os sedimentos coletados no rio Piranga. A concentração de cádmio ficou acima do valor de intervenção (valor que apresenta potenciais riscos à saúde humana). A concentração de mercúrio nesses sedimentos ficou acima do valor de prevenção, que consiste no valor limite de determinada substância, onde ao exceder o mesmo, o solo apresenta dificuldade em sustentar suas funções primárias, prejudicando os solos e as águas subterrâneas. Os sedimentos coletados no rio Piranga também tiveram a concentração de cádmio, crômio, níquel e zinco acima do valor de prevenção. E a concentração de cobalto e molibdênio acima do valor de referência de qualidade (valor de qualidade natural do solo). Foram encontradas colônias de Gelflocs, que são bactérias redutoras de ferro e outros metais, no rio do Carmo, e estas apresentaram maior concentração de arsênio, alumínio, cálcio, cádmio, cobalto, cromo, ferro, níquel, chumbo, vanádio e zinco que os sedimentos deste mesmo ponto.

De acordo com os padrões determinados pelo Conama, por mais que o rio Piranga possua maior concentração de elementos químicos em seus sedimentos, a qualidade de suas águas é superior a qualidade das águas do rio Doce e rio do Carmo, possivelmente porque o rio Piranga não foi atingido diretamente pelos rejeitos da barragem de fundão, recebendo apenas o refluxo de rejeito quando a onda de lama chegou ao encontro dos rios do Carmo e Piranga. Porém, o rio Piranga apresentou baixos valores de oxigênio dissolvido, o que é um problema para o ecossistema aquático, principalmente.

A Imagem mostra o rio avermelhado pelo rejeito e um peixe morto, Conselheiro Pena, MG. Foto: Alfredo Costa, 2015.

O trabalho em questão mostrou que há bastante deficiência na qualidade das águas dos rios Piranga, Doce e Do Carmo, alguns apresentam problemas mais pontuais que outros. Após o estudo, detectou-se que os rios Doce e do Carmo não estão aptos à pesca e aquicultura, porque excederam a concentração de Arsênio, mas, curiosamente, ainda é permitido o abastecimento das casas e irrigação com a água. As cidades que margeiam esses rios os utilizam para o abastecimento público. Os ribeirinhos utilizam os rios para a pesca, agropecuária, aquicultura e até para lazer, pois esses rios fazem parte de seu cotidiano. Porém, como foi relatado acima, há a concentração de elementos químicos que são tóxicos e prejudiciais à saúde humana e a vida aquática. Elementos esses que dificilmente sairão dos rios.

Logo após o rompimento da barragem, o uso e o contato com o rio foi vetado, porém, poucos meses depois, essas águas estavam sendo utilizadas da mesma maneira que antes, visto que a população foi informada que o rio não estava mais contaminado, mesmo ainda estando. O descaso com o rio e com os atingidos foi e ainda é grande, pois pouco se fez para que houvesse a recuperação e a assistência dessas comunidades. A população além de perder parte de sua história vendo o rio “morrer”, ainda tem que provar do gosto amargo de águas que outrora eram doces.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:
MAIA, Fábio Fernandes. Elementos traços em sedimentos e qualidade da água de rios afetados pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, MG. 2017. 44f. Dissertação (Mestrado em Solos e Nutrição de Plantas) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa. 2017.