O que nos conta a dinâmica dos rios após o rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão?

Os rejeitos da barragem foram parar nos rios, causando diversos impactos. Por isso, precisamos entender a distribuição dos rejeitos para reconhecer os danos ambientais.

As mudanças que os seres humanos promovem na natureza ganharam proporções tão grandes que os cientistas deram um nome para esse período: Tecnógeno. Ele é marcado por diversas transformações nos sistemas da Terra, como nas formas do relevo, no fluxo dos rios e nos sedimentos. Um dos exemplos mais marcantes dessa força que o ser humano tem de alterar a paisagem é o rompimento de barragem.


No rompimento da Barragem B1, da Mina Córrego do Feijão, o rejeito devastou toda a instalação da Vale, atingiu comunidades, causou mortes e inúmeros prejuízos ambientais. O rejeito está, até hoje, sendo mobilizado pelo ribeirão Ferro-Carvão e pelo Paraopeba, o que impacta de forma permanente a dinâmica desses rios e a qualidade da água e do solo da bacia. Os impactos foram muito extensos, atingindo até os reservatórios de Retiro de Baixo e Três Marias.


Por conta da influência dos rejeitos na dinâmica dos rios, pesquisadores da UFMG buscaram identificar e analisar as alterações que ocorreram nos sistemas fluviais do ribeirão Ferro-Carvão e do rio Paraopeba em decorrência do rompimento. Eles também interpretaram mudanças nos sedimentos movimentados e depositados pelos rios durante a primeira chuva que caiu após o rompimento.


Para realizar o trabalho, eles começaram visualizando as formas do ribeirão Ferro-Carvão e do Paraopeba por meio de imagens do Google Earth Pro. A partir disso, com o auxílio de ferramentas do próprio programa, foi feito um gráfico que mostra a configuração do relevo do rio para extrair alguns dados e alimentar suas análises. Esses procedimentos são importantes, pois as formas e feições dos rios refletem a dinâmica da água, assim essas alterações podem ser vistas como indicadores dos impactos.


Eles também utilizaram dados sobre a composição química e física do rejeito que foram obtidos em diferentes locais entre a Estação Alberto Flores, em Brumadinho, e o barramento de Retiro Baixo, entre os municípios de Curvelo e Pompéu. De acordo com as mudanças notadas ao longo da área em que foi feita a pesquisa, ela foi dividida em cinco trechos fluviais com características particulares.


O Trecho 1 abrange da Barragem B1 até o encontro do Ferro-Carvão com o rio Paraopeba, e é a área que foi diretamente impactada pelo rompimento. Esse trecho foi marcado, principalmente, pelo soterramento do ribeirão Ferro-Carvão e todas as morfologias em volta dele (como suas planícies). Porém, mesmo estando soterrado, o Ferro-Carvão vem entalhando o rejeito, com grande ajuda dos fluxos das águas das chuvas. Perto do Ferro-Carvão a erosão se tornou forte, pois o material do rejeito é de fácil remoção. O rejeito, então, é uma fonte de sedimentos que compromete toda a estabilidade da rede de rios a partir do Ferro-Carvão.

Figura 1: Essa ilustração demonstra bem o que aconteceu com o ribeirão Ferro-Carvão (foi soterrado), após o rompimento / Fonte: Carvalho et al., 2021.

O Trecho 2 começa na estação fluviométrica Alberto Flores, localizada a 1km do local onde o ribeirão Ferro-Carvão deságua no Paraopeba. Nessa região, o Paraopeba é bastante aberto e toda sua planície foi recoberta por rejeitos, com bastante deposição, principalmente na sua margem esquerda. Como consequência disso, o rio ficou bastante confinado e houve a abertura de uma ramificação no canal principal. Por conta desse confinamento, houve uma reconfiguração das margens no encontro do Paraopeba com o rio Casa Branca.

Figura 2: Apresenta um antes e depois do rompimento para o trecho 2; é possível perceber que a margem direita do Paraopeba apresenta grande erosão, e na margem esquerda há a deposição dos rejeitos, demonstrado pelas “Novas barras de canal” na imagem / Fonte: Carvalho et al., 2021.

O Trecho 3 abrange até um pouco antes do barramento da usina termelétrica de Igarapé, em Juatuba. E nesse trecho, a principal característica foi a formação de barras de sedimento dentro do canal do rio, pois há menos ambientes marginais, ou seja, planícies para o rejeito ser depositado durante as inundações. Esses rejeitos que se distribuíram em forma de barras são muito instáveis e dependem da vazão do rio, ora são depositados, ora removidos.

Do barramento da UTE de Igarapé até o encontro do Paraopeba com o córrego das Cachoeiras, configura-se o trecho 4. Nessa parte, o rio Paraopeba apresenta um baixo gradiente e é mais sinuoso; essas características fazem com que ele seja mais propício à deposição de sedimentos (e do rejeito). Foi observado nesse trecho uma elevação na turbidez da água por conta do aumento da vazão com a chegada das chuvas, caracterizada principalmente pela mudança de cor, e no dia 25 de fevereiro de 2019, podia-se até ver a pluma de rejeitos sendo levada pelas águas do rio.

Figura 3: A ilustração demonstra, principalmente, as mudanças de turbidez da água no trecho 4 e a deposição de sedimentos no fundo do rio / Fonte: Carvalho et al., 2021.

Por último, o Trecho 5 estende-se do córrego das Cachoeiras até ao barramento do reservatório da Usina Retiro Baixo. Próximo ao barramento, o Paraopeba apresenta águas mais calmas, o que favorece a deposição dos rejeitos e também foi verificada a mudança na tonalidade da água. As alterações geomorfológicas causadas pelo rejeito podem gerar vários impactos para os ecossistemas e a sociedade, afetando a vida das populações atingidas em diversas áreas.

Com esse trabalho, podemos ver que os dados obtidos nas estações fluviométricas são de grande importância para estudar o comportamento e a qualidade da água e dos sedimentos dos rios, e também a importância desse tipo de trabalho para entender melhor as dinâmicas dos sedimentos e, assim, auxiliar a população e as escolhas dos governantes.

Esse é um texto de divulgação científica do PROGRAMA MINAS DE LAMA, da Universidade Federal de Juiz de Fora, elaborado com base no artigo:

CARVALHO, Regina Paula Benedetto de; MAGALHÃES JUNIOR, Antônio Pereira; BARROS, Luiz Fernando de Paula. Implicações hidrogeomorfológicas do rompimento da barragem de rejeito da Mina do Córrego do Feijão –MG. Caderno de Geografia, [s. l], v. 31, n. 65, p. 518-545, jan. 2021.