A análise de um desastre: entender o movimento dos rejeitos para evitar futuras tragédias

Por: Diogo Parreira Lapa - 20/08/2021Orientação: Miguel Fernandes Felippe

A partir de um fluxo de rejeitos destrutivo que devastou matas, lavouras e casas, a lama se espalhou de diferentes formas ao longo do vale do ribeirão Ferro-Carvão.

No dia 25 de Janeiro de 2019, o estado de Minas Gerais viveu novamente o drama do caos em meio a lama novamente. Nesta data, ocorreu no município de Brumadinho o rompimento de uma barragem de contenção de rejeitos da mineração, isso tudo ocorrendo 3 anos e 2 meses do rompimento em Mariana, sendo um medo muito recente no imaginário popular daqueles que são diretamente impactados com a presença das barragens. Analisando os dois rompimentos, o de Mariana seria o “maior”, por toda a área que atingiu, e o de Brumadinho seria o “pior”, pelas mortes que causou e por toda a destruição que propagou, mesmo que em uma área menor que o de Mariana.

O rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, gerou um fluxo de rejeitos com alto potencial destrutivo, que afetou não apenas as áreas da mineradora, mas também o povoado de Vila Cachoeirinha (também conhecido como Parque da Cachoeira), até chegar ao rio Paraopeba. Nesse percurso, a velocidade da massa de detritos foi se alterando de acordo com o relevo local, fazendo com que parte dos rejeitos fosse depositada nas margens dos cursos d’água afetados e outra parte atingisse o rio Paraopeba, sendo levado em direção norte até a represa de Três Marias. Mediante essa grande destruição, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Paraná realizou uma reconstituição computadorizada do local, com dados de relevo e hidrografia, para conseguir comparar com a região pós-desastre e ter uma noção do tamanho do estrago causado para além do que se estava vendo no momento.

Imagem: Localização da área atingida pela onda de rejeitos que foram liberados da barragem após o rompimento, seguindo pelo córrego Ferro-Carvão (área contornada em vermelho) até chegar no rio Paraopeba. Fonte: LIMA et al. (2020).

Após a pesquisa por fotos e leitura de outros trabalhos, os autores conseguiram elencar uma possível causa do rompimento da barragem: a liquefação dos rejeitos. A água da chuva se acumulou na barragem e infiltrou nos rejeitos, o que fez com que esse material se comportasse como um líquido, desestabilizando a estrutura do dique que veio a ceder desastrosamente. Ou seja, o ineficaz sistema de drenagem na barragem levou ao colapso.

O barulho do rompimento da barragem, por si só, assustou a população próxima, algo como, nas palavras deles, um terremoto. Isso se deu pela forma brusca com que a queda ocorreu, graças à pressão do rejeito no interior da estrutura. A onda de rejeito iniciou sua trajetória pelo córrego do Ferro-Carvão, erodindo todo o solo em seu caminho, carregando árvores, rochas e construções. Para compreender melhor os estragos causados pela lama em cada trecho do rio, os autores dividiram a área atingida em quatro zonas, numeradas de 1 a 4, conforme a dinâmica do movimento de massa associado aos rejeitos.

Imagem: Esquema mostrando como as Zonas foram divididas para o estudo, com o auxílio das setas para demonstrar a intensidade da onda de rejeitos que passou pelo trecho correspondente, até alcançar o rio Paraopeba.

Fonte: LIMA et al. (2020).

A Zona 4, nas proximidades do dique, foi onde a onda de rejeitos passou com maior intensidade, atingindo 99km/h. A Zona 4 também é a região onde a onda de rejeitos mais retirou rochas, árvores e construções do solo, adicionando todas elas ao fluxo, o que potencializou a destruição subsequente. Nessa Zona também é onde a maior parte dos esforços para procurar os desaparecidos se concentrou.

A Zona 3 também foi muito destruída, mas em contrapartida foi a zona onde a onda de rejeitos mais perdeu velocidade, devido às curvas presentes no vale. Nesse trecho, a erosão do canal do córrego continuou de forma acelerada o que corroborou com a retirada de toda a cobertura vegetal existente.

Na Zona 2, a velocidade da onda de rejeitos já havia sido em muito diminuída, tanto que na altura de Vila Cachoeirinha (Parque da Cachoeira) estava entre 25 e 18km/h. Nesse ponto a erosão do canal já não ocorria com muito mais intensidade, dando lugar para a deposição do rejeito e do solo erodido nas outras zonas. Porém, nesse ponto, o transbordo do canal do córrego foi tão intenso que foram atingidas áreas até 250 metros de distância da margem do córrego.

Já a Zona 1 é a região mais próxima do rio Paraopeba. Nesse trecho, a velocidade não permitia mais a erosão intensa vista rio acima, gerando uma deposição ainda mais acelerada dos rejeitos. Essa área se mostrou muito importante porque, mesmo com velocidade reduzida, o rejeito conseguiu alcançar o rio Paraopeba, ocasionando um aumento significativo na quantidade de sólidos suspensos na água (o que contribuiu diretamente para a mudança na cor). A estimativa é de que dos 9 milhões de m³ que foram liberados da barragem, 5 milhões tenham atingido diretamente o rio Paraopeba.

O desastre em Brumadinho foi mais um dos tantos rompimentos de barragem que ocorreram pelo Brasil nos últimos anos, se destacando negativamente por se encontrar próximo a uma área povoada e ter causado um número alto de mortes. A mecânica dos rejeitos nesse rompimento em particular teve muitas semelhanças com os deslizamentos de massa que ocorrem naturalmente pelo mundo, tanto pela dinâmica dos fluxos, como por ter acompanhado o relevo local e o curso do córrego. Ou seja, casos de rompimento de barragens seriam movimentos de massa antropogênicos, com a sociedade ocupando o papel de responsável pelo fenômeno, ao invés da natureza. Por esse motivo, é fundamental reconhecer e compreender a dinâmica de dispersão dos rejeitos, reconhecendo as áreas atingidas com maior ou menor velocidade. Isso é muito importante para que se possa antever a intensidade de eventuais rompimentos futuros e, assim, preparar sistemas de emergência capazes de salvar vidas.